Agora em abril comemoramos 30 anos da criação do .br no rol de domínios de alto nível no mundo, quando a Internet começou a se globalizar. Ano que vem celebraremos 30 anos da abertura da Internet comercial no Brasil, em 1995. Duas gerações de brasileiros urbanos já vivem sem saber o que é um mundo mais offline do que online, com a maioria da população tendo acesso à Internet, a maioria em seus telefones. A maioria em redes sociais e apps de mensagens.

A Internet mudou. E não foi pouco. O que antes era um hábito, a navegação web hoje é minoria de nosso tempo online, com redes sociais e mensagens ocupando mais de 90% de nosso tempo de navegação. Vivemos em silos e vivemos míopes de fontes de informação, dependentes de algoritmos e memes. Deu no que deu e a polarização afeta mais do que nunca nosso modelo democrático, não só no Brasil mas em todo o Ocidente.

Ainda assim, seria um reducionismo dizer que temos que regular a Internet. A Internet já é regulada e faz tempo. Apesar de termos demorado uma década para regulamentar as práticas de convívio online, temos um Marco Civil que faz 10 anos em junho, já já. E que resistiu bravamente a mais de 200 projetos de lei para alterá-lo ao longo desta primeira década. Desde 2018 temos uma Lei Geral de Privacidade (LGPD), ainda que esta engatinhe em sua adoção no País, que se iniciou no meio da pandemia. Mesmo assim, a cultura de privacidade online persiste e cresce entre a população, receosa de como seu ethos digital é explorado.

Também temos jurisprudência destes quase 30 anos para balizar a maior parte dos conflitos que envolvem o mundo online. O Judiciário, reticente de julgar este novo mundo, se moveu com mais desenvoltura na última década. Juízes já conhecem redes sociais e seus impactos, assim como decidem sobre comércio eletrônico, questões criminais ocorridas online como o cyberbulling e em breve terão que se debruçar sobre os impactos da inteligência artificial. A roda do tempo não nos dá trégua e o Direito vive atrasado. É por isso que todo advogado tem ares de coelho da Alice, sempre nervoso com o maldito relógio.

A dinâmica das redes segue este ritmo implacável e não temos um problema de regulação, temos um déficit de velocidade. Os efeitos de rede em temas polêmicos e polarizantes ficaram muito mais agudos e acelerados nos últimos cinco anos, além da digitalização da população ter se acelerado. O desafio que se impõe então é justamente como acelerar o combate à desinformação sem acabar com a liberdade de expressão no caminho.

Este talvez seja o desafio mais complexo das sociedades modernas, já que historicamente louvamos a liberdade de expressão e a Internet nos foi prometida como a tocha que iluminaria as trevas do desconhecimento. Acabou que não foi bem assim, ainda somos primatas vestidos e sujeitos a toda sorte de engodo. O Brasil, afinal, é campeão mundial de fraudes online. O brasileiro, além de tudo, é um crédulo.

Neste drama particular de nossas vidas online, temos agora exemplos europeus para mirarmos, com as novas leis de regulação digital que pretendem avançar em algumas frentes que poderiam melhorar nossas breves existências digitais:

Há que se ter cuidado. Talvez o principal ponto de discórdia na regulação da Internet atual seja a relativização da responsabilidade das plataformas digitais, que é limitada no Marco Civil e há inúmeros argumentos para que esta limitação seja melhor detalhada ou restringida de alguma maneira. As lacrações online de Elon Musk e Alexandre de Moraes provocam novas discussões sobre a legitimidade da responsabilidade limitada das plataformas digitais e a constitucionalidade desta limitação.

Após 10 anos do Marco Civil, é certo que esta isenção de responsabilidade não encontra paralelo na regulação de outros setores, sendo necessário delimitá-la ou alterá-la, para que as plataformas digitais sejam obrigadas a exercer um direito de supervisão e cuidado com os conteúdos que circulam em seus domínios, agindo diretamente e sem aguardar o Judiciário para podar a disseminação de notícias falsas, inclusive com a retirada de conteúdos claramente fraudulentos.

Rules, lots of rules. O risco, contudo, é de privatizarmos os julgamentos sobre o que é possível ou não expressar online. A melhor forma para equilibrar este dilema seria então especificar quais conteúdos são claramente ilícitos, ou seja, quais as bordas do espectro de expressão que todos – ou quase todos – concordariam em limitar. Todos concordamos com a limitação de discursos racistas, nazifascistas, homofóbicos e a disseminação de pedofilia infantil. O problema é como conter discursos políticos, onde a polarização da sociedade se mantém no Brasil desde as jornadas de 2013. Limitar apenas as bordas do discurso extremista é fácil. Decidir até onde se permite o discurso político, em um ambiente que valoriza a radicalização e o engajamento assoberbado, requer uma maturidade legislativa que talvez só tenhamos visto no governo de D. Pedro II, que permitia abertamente críticas a suas ações sem reclamar de nada. A tranquilidade do monarca permitiu o crescimento do movimento republicano, que terminou por exilá-lo. O Brasil, diria Jobim um século depois, não é para amadores.

Aceita que dói menos. Além da evolução da regulação com regras mais específicas, seria necessário desmistificar o conceito de que o ambiente digital é nascedouro de startups e inovação o tempo todo, com qualquer regulação criando riscos ao desenvolvimento econômico. Não é bem assim. Em toda revolução temos ciclos de desenvolvimento rápido em seus primeiros 20 ou 30 anos, depois igual período de consolidação e domínio de players que venceram a primeira etapa, o que motiva a intervenção governamental. As leis de concorrência desleal e as agências de combate à concentração econômica foram criadas para esta etapa. No Brasil o CADE e o Sistema de Defesa da Concorrência existem para isto. E se acreditava até o início de 2023 que não estaríamos mais em um ciclo de desenvolvimento rápido, que se esgotou e já fez seus campeões, as big techs. Seria então o momento de uma regulamentação mais detalhada nos negócios destas empresas. Seria.

Com o advento do ChatGPT em fins de 2022 e a explosão de iniciativas de inteligência artificial generativa, o que seria um período de consolidação se transmutou em um novo período de acelerado desenvolvimento, com impactos que ainda não podemos prever. O que seria então o início de um período de regulação mais incisiva sobre as big techs foi atropelado pelos robôs de inteligência artificial. Regular mais fortemente as plataformas digitais se converteu em um desafio muito mais complexo, haja vista a explosão de utilidades e ferramentas as quais teremos acesso nos próximos cinco anos. Nossas vidas em 10 anos talvez sequer serão as mesmas em termos de geração de riqueza e comércio. É preciso aceitar que, se por um lado temos uma consolidação do ambiente digital, por outro temos um novo ciclo de revolução digital se iniciando, o qual seria prejudicado por regras muito estritas. Criar regras e regulação prévia neste cenário seria perigoso e arriscaria colocar o País no fim da fila para aproveitar os frutos desta nova evolução digital.

Acelera Ayrton. Isto não significa que não haja outros caminhos. Usualmente, se a criação de leis e regramentos não é suficiente, cabe ao Judiciário interpretar sua aplicação na vida cotidiana, trazendo análises caso a caso. É necessário acelerar o andamento de processos sobre temas digitais no Judiciário, educar digitalmente seus membros para que entendam os pormenores da vida digital e os impactos de suas decisões, além de criar varas especializadas em temas digitais, assim como há varas para temas empresariais, de propriedade intelectual e de pequenas causas. Seria a alternativa para não termos que privatizar completamente o julgamento das relações digitais e os conflitos que surgem daí.

Menos é mais. Como repetia sempre Steve, o Jobs, foco é dizer não. As recentes tentativas brasileiras de atualizar o Marco Civil ou trazer novas regras para o ambiente digital esbarraram em uma salada de iniciativas bem intencionadas, mas que em muito escapavam do que se queria regular originalmente. Os projetos de lei foram capturados por setores que estão inseridos no ambiente digital e que querem soluções para suas demandas em questões de direito autoral, valorização do jornalismo ético, além do empoderamento do Estado para fiscalizar as big techs. Tudo isso importa, mas ainda que estes temas toquem a regulação de como nos manifestamos online, não são essenciais à criação de melhores regras para os limites do discurso online, podendo ser discutidas e reguladas em leis específicas, não em um pacote único de medidas. Separar os temas seria essencial para avançarmos com qualquer iniciativa que queira evoluir até uma lei federal.

O Brasil nunca foi pioneiro na regulação da internet, sempre atuando a partir de sobressaltos em escândalos envolvendo o tema, quando aproveitamos a urgência que toda a comoção nos traz para nos debruçarmos sobre iniciativas estrangeiras e adaptá-las ao nosso tropicalismo. Foi assim com o Marco Civil e a LGPD, fruto de urgências surgidas do escândalo de Snowden e da Cambridge Analytica, para ficarmos em dois exemplos.

Ainda assim, nada nos impede de seguir com a tradição de multiculturalismo na criação de fóruns diversos para termos elementos e opiniões dos diversos atores que se engajam com a regulação digital e para preparar o ambiente para um consenso possível, quando a urgência se apresentar, tal qual ocorreu nas discussões sobre o Marco Civil. Trabalho não nos falta e o caminho é longo. Sigamos.