A tecnologia vem ganhando cada vez mais espaço na educação brasileira, desde o projetor até o ensino a distância, conhecido por EAD. Ela é uma importante ferramenta de inclusão para que crianças e jovens negros de baixa renda tenham a chance de cursar o ensino superior e ganhar espaço no mercado de trabalho. No entanto, uma pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI), em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, alerta que esse progresso precisa caminhar da forma mais adequada e equitativa possível, o que é um grande desafio no Brasil.

Segundo dados do Censo Escolar (2023) e do Saeb (2021), o número de pessoas pretas no ensino superior cresceu em todos os cursos, correspondendo a 46% do total, o que ainda não condiz com os 55,5% de brasileiros que se declaram pretos e pardos. Em cursos de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, denominados como STEM em inglês, eles também são minoria. O estudo intitulado de Tecnologia e Desigualdades Raciais do Brasil ainda revela como a desigualdade racial varia em escolas das redes pública e privada, bem como de região para região.

Ensino básico reflete abismo social e racial do país

Na primeira parte, a pesquisa focou no período escolar, levando em consideração o acesso à infraestrutura tecnológica (medida do acesso a computadores e internet por estudante) e a exposição à tecnologia pelos alunos, que consiste no uso dos recursos já citados, além de projetores e outros softwares para fins educacionais. Na média, alunos brancos estão a oito pontos percentuais (p.p) acima dos pardos e sete acima dos negros. Quando a análise se aprofunda em regiões, nota-se uma desigualdade alarmante. Ao comparar um aluno do Sul do país, que estuda na rede privada, com outro que é aluno de escola pública no Nordeste, a diferença chega a 24 p.p.

O aporte tecnológico se mostra importante, principalmente na disciplina de matemática. Segundo o estudo, quando um estudante foi exposto a um aumento de dez pontos no índice de exposição à tecnologia, seu desempenho na matéria na prova do Saeb era 18,5 pontos maior. Ao mesmo tempo, ele não é crucial e evidencia disparidades raciais históricas. O que confirma isso é que alunos negros tiveram o desempenho 14,5 pontos menor ao dos brancos na mesma avaliação, mesmo com grau de exposição à tecnologia igual. Quando este fator comum é somado à mesma região e situação socioeconômica, a diferença é de quatro pontos.

Para Lourdes Navarro, professora mestre em educação matemática e convidada do evento que trouxe os resultados da pesquisa, nesta terça-feira, 18, a realidade é bastante complexa. “Os alunos não se sentem capazes a aprender matemática e isso os afasta”, explica.

Progresso no ensino superior requer análise mais aprofundada

Embora seja a única política pública focada em diminuir a desigualdade racial no Brasil, a implementação de cotas é um divisor de águas no ensino superior do país. O número de negros em universidades cresceu 12 p.p entre 2009 e 2022, ao tempo em que 90% deste número se deve ao ingresso em instituições privadas.

Outro aumento que chama a atenção é na modalidade EaD, com crescimento de 21 p.p. nos últimos 13 anos. Isso representa 34% das matrículas no ensino superior, sendo 20% delas de negros.

Apesar dos índices serem positivos, a pesquisa considera crucial analisar a qualidade de ensino ofertada por EaD e educação privada, já que o ideal seria garantir que a população negra tenha acesso a uma educação de qualidade. Há ainda a disparidade entre negros e brancos nos cursos das áreas STEM, que costumam ter os salários mais altos. No Brasil, esses cursos têm 42% de pessoas pretas, número que, além de ser desproporcional ao percentual da população no país, é 13,7 p.p. menor que o de pessoas brancas.

Políticas públicas que inspiram

Garantir que o avanço da tecnologia chegue igual a todos, independentemente da classe social ou cor da pele, é um desafio que o Brasil sofre para encontrar respostas, mas que não são impossíveis de se chegar, desde que se leve em conta as disparidades de cada lugar.

Para Alysson Portella, autor da pesquisa e doutor em economia dos negócios pelo Insper, “o governo precisa garantir que uma criança do Norte ou Nordeste do país tenha o mesmo acesso tecnológico que aquelas que nascem no Sul ou Sudeste”. O pesquisador acredita que uma das formas de se conseguir isso é fortalecendo o ensino público, principalmente o federal.

A Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec) prevê um investimento de R$ 8,8 milhões, que seria destinado não só para a infraestrutura, mas para a educação digital. Para que isso continue funcionando, é fundamental que pesquisas sejam feitas com regularidade e melhorias sejam implementadas. Por fim e não menos importante, os professores precisam receber o devido preparo, para que saibam utilizar a tecnologia em sala de aula e inspirem seus alunos a acreditar em si mesmos. Navarro reitera isso e acredita na importância do letramento digital, mas, acima de qualquer coisa, afirma que “os estudantes devem ser parte das políticas públicas”.

Durante a roda de debate, comandada pelo coordenador da pesquisa Michael França, Naércio Menezes Filho, professor do Insper e doutor em economia, acrescentou que empresas e entidades do terceiro setor devem contribuir com palestras e cursos. “Eles precisam fazer disso um círculo virtuoso”, explica. Ariana Britto, gerente de políticas públicas do J-PAL, pesquisadora e doutora em economia, encerrou a conversa compartilhando sua imersão na educação suíça. “Lá, o setor privado é parceiro do ensino técnico. Além de buscarem jovens talentos, eles contribuem para a atualização do currículo escolar, garantindo que reflita as necessidades do mercado”.