A inclusão financeira no Brasil avançou de maneira significativa na última década, fomentada pela regulação, pelas inovações tecnológicas e também pelos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. O novo desafio, agora, é garantir a qualidade dessa inclusão financeira, evitando, por exemplo, o endividamento excessivo das famílias. Essa é a avaliação do professor de finanças da FGV Rafael Felipe Schiozer, que apresentou uma pesquisa sobre o assunto durante o evento “The Journey of financial inclusion: from access to financial well-being”, realizado nesta quarta-feira, 25, no Rio de Janeiro, organizado por FGV, Banco Central e Gates Foundation.

Hoje, mais de 90% dos beneficiários do Bolsa Família têm conta bancária. Essa proporção avançou rapidamente nos últimos anos: era cerca de 35% em 2016 e aproximadamente 50% em 2020, antes da pandemia. A popularização dos bancos digitais e a obrigatoriedade de ter uma conta do Caixa Tem para receber o antigo auxílio emergencial durante a pandemia contribuíram para esse crescimento.

Outro indicativo de inclusão financeira é que cerca de 90% dos beneficiários do Bolsa Família possuem uma chave Pix. Isso significa que não apenas tiveram acesso ao setor financeiro, mas estão movimentando esse dinheiro por meio digital, fazendo e recebendo pagamentos instantâneos.

Paralelamente, houve um aumento do valor do benefício nos últimos anos, o que contribuiu para ampliar o acesso ao crédito pela população de baixa renda. Em 2018, menos de 30% dos beneficiários usavam algum produto de crédito, como cartão de crédito ou empréstimos, proporção que subiu para perto de 50% em 2022. Aparentemente, com a população recebendo mais dinheiro do Bolsa Família, seu score de crédito melhorou, melhorando o acesso a esses produtos.

O efeito colateral, contudo, foi um aumento da proporção da renda familiar mensal comprometida com o pagamento de dívidas e uma elevação da inadimplência. Cerca de 35% da renda dos beneficiários do Bolsa Família está comprometida com o pagamento de dívidas e quase 25% das pessoas que participam do programa estão com pelo menos uma dívida com pagamento atrasado.

Vale lembrar que no fim do governo federal anterior houve a autorização de crédito consignado para beneficiários do Bolsa Família, o que levou mais de 3 milhões de pessoas a pegarem empréstimo com o pagamento sendo descontado diretamente do benefício, o que deve ter contribuído para o aumento da inadimplência. Esse tipo de consignado foi extinto pelo governo Lula.

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Rafael Schiozer, da FGV (Crédito: Fernando Paiva/Mobile Time)

Efeito das bets na qualidade da inclusão financeira

Nesta semana, o Banco Central divulgou um estudo mostrando que os brasileiros gastam em média R$ 20 bilhões por mês em apps de apostas. E os beneficiários do Bolsa Família gastam R$ 3 bilhões por mês. Schiozer entende que o problema das bets não deve ser usado como argumento contra o Bolsa Família.

“Não acho que o Bolsa Família está errado porque as pessoas estão gastando o dinheiro em bets. Muita coisa pode ser feita para mitigar esse problema, desde o banimento (das bets) – o que não acho uma boa saída –, até educação financeira, que é boa para todos. Ou talvez regular a publicidade das bets. Enfim, é uma discussão em andamento, para um problema importante”, reconheceu.

Hoje o Brasil tem 160 milhões de pessoas com contas bancárias; 153 milhões com chaves Pix e 80 milhões registradas no Cadastro Único.

Ilustração: Nik Neves para Mobile Time