Esta semana duas novidades importantes foram anunciadas para o mercado de smartphones. A primeira é a desoneração de PIS e Cofins em aparelhos produzidos no Brasil até o valor de R$ 1,5 mil. Outra, atrelada à primeira, é a exigência de que estes smartphones tenham um pacote mínimo de aplicativos desenvolvidos no Brasil, conforme estabeleceu a Portaria 87, de 10 de abril de 2013, publicada nesta quinta, 11, pelo Ministério das Comunicações.

Na prática, é o governo tentando implementar uma política de fomento à indústria nacional por meio de uma política industrial. Isso não é novo na área de hardware, em que muitos editais públicos exigem percentuais mínimos de equipamentos produzidos e desenvolvidos no País, como foi o caso dos editais para as frequências que serão usadas na quarta geração (4G). Mas, por conta da complexidade, isso não é comum no campo do software e certamente é inédito no campo dos aplicativos móveis.

A aposta do Ministério das Comunicações é que essa exigência ajudará a desenvolver o campo dos conteúdos digitais criativos. Trata-se de um setor que o governo está apenas começando a olhar e que tem uma grande relevância estratégica para o País, pois é uma área de conhecimento de alto valor agregado, que passa pelo desenvolvimento do setor de software e conteúdos digitais e que agrega uma grande cadeia produtiva, de universidades a grandes empresas, passando por start-ups, incubadoras, investidores, produtores de conteúdos, fabricantes de handsets, agências de publicidade, desenvolvedores de ferramentas de programação e as próprias operadoras celulares.

Mas o que vimos até agora é apenas um esboço da política, uma referência de algumas poucas linhas no meio de uma portaria genérica sobre as regras de desoneração. O que o Minicom quer fazer exige muito mais detalhes do que isso.

O primeiro cuidado é evitar que a burocracia dessa política para aplicativos atrapalhe a desoneração em si dos smartphones. Isso foi mais ou menos contornado ao se estabelecer um prazo de 180 dias para a vigência das novas exigências. O que está estabelecido é que os fabricantes de handsets terão 60 dias para apresentarem uma proposta sobre esse pacote mínimo de aplicativos nacionais e o ministério terá 30 dias para avaliar. O que sabemos termina aí.

Mas quanto é um pacote mínimo? Como será avaliada a nacionalidade do aplicativo? As empresas desenvolvedoras serão obrigadas a registrar seus conteúdos junto a alguma autoridade pública? Esses aplicativos precisam atender a algum propósito específico? Qualquer tipo de conteúdo será permitido? Que modelos de remuneração serão aceitos? Precisa seguir alguma classificação indicativa? Quem vai fazer o controle da propriedade intelectual sobre o código de programação dos aplicativos para assegurar efetivamente a nacionalidade?

Essas são algumas perguntas que certamente precisarão ser esclarecidas. E vai mais longe. O setor de aplicativos é muito amplo. Fabricantes de handsets desenvolvem aplicativos próprios. Operadoras são, direta e indiretamente, investidoras em empresas de aplicativos. Empresas estrangeiras controlam empresas estabelecidas no Brasil que desenvolvem aplicativos. Brasileiros desenvolvem aplicativos sem estar baseados no Brasil. E o universo de desenvolvedores vai desde empresas que faturam algumas centenas de milhões de dólares ao ano até empresas de garagem e empreendedores individuais. O governo vai regular essas relações econômicas e o equilíbrio desse mercado? Como? Vai assegurar que os pacotes de aplicativos nacionais privilegiem desenvolvedores A ou B?

Para complicar ainda mais, alguns fabricantes de handsets têm políticas mais rígidas em relação a aplicativos embarcados. Por exemplo, a Apple, que embarca apenas um seletíssimo conjunto de apps. Quem conseguir emplacar o seu (se é que a Apple vai aceitar essa política), terá uma vantagem competitiva gigantesca sobre os demais. Isso vale?

O mundo da economia digital criativa é complexo. Existe uma distância enorme entre dizer que os smartphones terão que ter um conjunto de aplicativos nacionais embarcados e isso efetivamente acontecer de maneira justa, equilibrada, com propósito e eficiência, como se espera de uma política pública. Desejamos boa sorte aos envolvidos nessa tarefa. Ela não será nada simples.