Na semana passada foi revelado com estardalhaço pela grande mídia que a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA coleta dados de aplicativos de smartphones no mundo inteiro, até mesmo de inocentes joguinhos, como o Angry Birds. A revelação foi feita por Edward Snowden, o corajoso ex-colaborador do governo norte-americano que decidiu botar a boca no trombone e hoje vive exilado na Rússia, correndo risco de vida.

Embora ultrajante por se tratar de uma inegável invasão de privacidade, a revelação não causa grande surpresa. Aliás, os próprios terroristas já tinham se dado conta de que era melhor não se comunicar por celulares para não serem rastreados, quanto mais acessar aplicativos em smartphones, já que quase todos se conectam ao GPS do aparelho para integrar informações de acordo com a localização da pessoa.  Não é à toa que Osama Bin Laden passou anos se comunicando através de mensageiros, enquanto vivia escondido nas cavernas do Afeganistão. Angry Birds para ele, só se fosse offline!

Para um cidadão comum, sem nada a temer, é difícil imaginar uma utilidade imediata dos nossos dados pessoais pelo governo norte-americano, a não ser saciar algum desejo voyeurístico de um espião com falta do que fazer.

Muito antes da NSA, quem coleta dados de uso de aplicativos móveis são os publicitários. Ou melhor, as agências de publicidade, as marcas, as adnetworks e quaisquer outras companhias especializadas em campanhas de marketing móvel. O Big Brother previsto por Orwell já começou e muita gente não se deu conta.

É verdade que na maioria das vezes a análise dos dados é feita de forma coletiva, sem identificação das pessoas, mas seus resultados são anúncios cada vez mais personalizados na tela dos nossos aparelhos. Isso pode ser visto de forma positiva: antes ver um anúncio que me interessa do que um spam de alguma coisa que nunca vou comprar. Além disso, é essa publicidade que paga as contas de muitos dos aplicativos que usamos, com destaque para todos aqueles do Google.

Entretanto, o que falta nessa brincadeira é transparência. Os contratos com os termos de serviço dos apps são extensos e complicados, o que faz com que quase ninguém leia sobre o destino dos seus dados. E há notícias também de vendas ilegais de base de dados entre companhias. As regras do jogo precisam ser claras para o consumidor final. Se este quer exibir sua vida pessoal para grandes marcas em troca de algumas horas de passatempo com Angry Birds, tudo bem, desde que seja devidamente informado disso. Quanto à espionagem norte-americana, é difícil imaginar a NSA incluindo uma cláusula no contrato de política de privacidade dos apps alertando que vai espionar o usuário, por menores que sejam as letrinhas. Afinal, espionagem é espionagem. Que bom que existe alguém disposto a arriscar sua vida para abrir nossos olhos, como Snowden.

P.S.: O MEF vem realizando um bom trabalho de conscientização dos seus associados para que criem termos de serviço simples e claros no que diz respeito à privacidade dos usuários. Foi lançado inclusive uma plataforma para elaboração automática de contratos bastante objetivos para apps. Vale a leitura da matéria publicada em Mobile Time sobre o tema, ano passado.