O WhatsApp começou a testar uma versão beta para Android em que inclui uma ferramenta para a realização de chamadas de voz através da Internet (VoIP). O assunto foi notícia na semana passada em MOBILE TIME. Originalmente restrita a um grupo de testadores, essa nova versão está se espalhando rapidamente e já tem muita gente no Brasil utilizando, inclusive este que aqui escreve. Bom, aplicativos móveis com VoIP não são exatamente uma novidade. Skype e Viber estão aí há muito tempo. E não faltam novos entrantes, como o asiático nanu, que oferece de graça, em troca de publicidade, VoiP com terminação na rede pública.
Todavia, há algumas diferenças significativas entre o WhatsApp e os outros que estão no mercado. A primeira delas é que o WhatsApp usa o número telefônico do usuário para a sua identificação. E, ao mesmo tempo, monta a sua agenda a partir da lista de contatos telefônicos do usuário. Ou seja, todos os amigos, familiares, colegas de trabalho e conhecidos em geral que estão na agenda do celular do usuário aparecem também na agenda do WhatsApp. Isso confere duas características importantes ao serviço: 1) impede, ou pelo menos dificulta, a criação de perfis falsos; 2) permite que se troque mensagens (ou, a partir de agora, chamadas de voz) com todos os seus contatos, desde que eles também tenham o WhatsApp. O Skype, pioneiro em VoIP, por exemplo, não teve essa sacada. Qualquer um pode criar uma conta Skype com qualquer username ou email de verificação. Muita gente que está na minha agenda telefônica não está no meu Skype, embora usem o serviço.
Outro diferencial importante do WhatsApp: ele é hoje o serviço de mensagens instantâneas mais popular do mundo, com mais de 700 milhões de usuários cadastrados. No Brasil, sua penetração em smartphones é de quase 100%, acima do Facebook, de acordo com várias pesquisas.
Por tudo isso, o lançamento de uma ferramenta de VoIP dentro do WhatsApp deveria deixar as operadoras móveis com as barbas de molho. Se os serviços de VoIP em geral até o momento só haviam afetado as receitas de chamadas de longa distância internacional e, em menor escala, aquelas de longa distância nacional, agora poderá ser diferente. Estamos falando de um serviço quase que universal entre usuários de smartphone, que é acessado diariamente e no qual o usuário tem a lista de todos os seus contatos telefônicos. Acho que será bastante natural as pessoas começarem a se telefonar pelo WhatsApp quando essa ferramenta se tornar disponível para todo mundo. Alguém pode contra-argumentar que o VoIP do WhatsApp não permite completar as chamadas na rede pública, ou seja, não dá para ligar para um número fixo ou para um número de celular que não tenha WhatsApp. É verdade. Mas, sinceramente, do tráfego mensal de voz de um usuário de smartphone, tenho certeza que mais de 90% é para números móveis que estão na agenda dele e que, provavelmente, também usam WhatsApp.
Na prática, o WhatsApp vai virar uma espécie de operadora móvel virtual mundial. Terá um alcance muito maior que qualquer operadora ou grupo de operadoras isoladamente. Conseguirá isso sem ter requerido licença junto a órgãos reguladores, sem ter investido um centavo em infraestrutura de telecomunicações, sem ter qualquer obrigação regulatória, sem ter gasto quase nada em marketing! E mais: tudo isso será feito usando os números telefônicos como identificação, algo que se acreditava que fosse um ativo das operadoras. Foram estas últimas que compraram os SIMcards e os sistemas de comunicação e autenticação com eles. O WhatsApp apenas se aproveita disso. A história se torna ainda mais impressionante quando lembrado que o WhatsApp tem menos de 100 funcionários, enquanto uma única operadora de grande porte em um país como o Brasil tem milhares de funcionários.
Não há dúvida de que este é mais um fator que empurra as operadoras na direção de se tornarem canos para tráfego de dados. Porém, o destino não está selado ainda. Várias teles estão encontrando novas soluções de valor agregado, especialmente na Internet das Coisas (IoT), ou mesmo firmando parcerias com apps de terceiros, dando condições especiais para o tráfego destes e dividindo a receita. Um exemplo criativo é a parceria entre a TIM e o próprio WhatsApp, para estimular a migração de clientes pré-pagos para planos controle e também a migração para cobrança em cartão de crédito, que diminui a inadimplência. Em suma: as teles vão precisar usar a imaginação e serem rápidas na formação de parcerias e novos modelos de negócios para não ficarem para trás.