Em abril de 2014 foi editado o Marco Civil da Internet (MCI). A Lei 12.965 estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil e determinou as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.
O MCI seguiu a linha do que já havia sido reconhecido pela Comissão de Direitos Humanos da ONU há quase 5 anos e pelo Net Mundial, ocorrido em abril de 2014 no Brasil, que reconheceram o caráter público da Internet e sua respectiva infraestrutura, com vistas a preservar seu carácter global e aberto como motor para acelerar o progresso rumo ao desenvolvimento.
Os mais relevantes fundamentos estabelecidos pela lei, na perspectiva dos direitos dos usuários, são a liberdade de expressão, os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais, a defesa do consumidor e o reconhecimento da finalidade social da rede.
Quanto aos princípios e objetivos, a preservação e garantia da neutralidade da rede, o direito de acesso de todos à Internet, à informação e ao conhecimento, também merecem destaque quando tratamos das relações contratuais que se estabelecem entre empresas fornecedoras do serviço de conexão à Internet e os usuários.
Sendo assim e com vistas a realizar os valores eleitos pelo legislador, a lei atribuiu uma série de tarefas para União, Estados, Municípios e Distrito Federal, no sentido de promover a racionalização da gestão e a expansão do uso da Internet, estabelecendo que o Estado deve, periodicamente, formular e fomentar estudos, bem como fixar metas, estratégias, planos e cronogramas, referentes ao uso e desenvolvimento da Internet no País.
Não há dúvida, portanto, que a lei, como admite a Constituição Federal (§1º, art. 9º), alçou o acesso à Internet ao patamar de serviço público essencial, com relação ao qual o Poder Público ficou incumbido de assegurar, ainda que sua prestação possa se dar por particulares.
E, como consequência da natureza de serviço essencial, vêm necessariamente três princípios intrínsecos, quais sejam: a universalidade, continuidade e a igualdade, mesmo quando se trata de atividades econômicas prestadas pela iniciativa privada (serviços públicos não-privativos do Poder Público), como é sabido nas mais básicas lições de direito administrativo.
Por conseguinte, o desafio para os Poderes Públicos é grande, na medida em que a oferta de infraestrutura no país está muito aquém da crescente demanda por capacidade de redes para atender a sociedade, que cada vez mais depende da Internet, inclusive, para acessar outros serviços públicos que hoje só se consegue através dela, tais como obtenção de certidões públicas, declaração de imposto de renda, lavratura de boletim de ocorrência, inscrição em programas sociais e educacionais como o FIES, por exemplo, entre outros.
Mas o desafio não envolve apenas o Estado, mas também as empresas que atuam no setor, que devem adequar suas práticas às orientações da nova lei.
Nessa direção, é crucial o que determina o MCI quanto aos direitos e garantias dos usuários, especialmente quando determina que o acesso à Internet é essencial para o exercício da cidadania e assegura diversos direitos, especialmente os de não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização.
É com base na interpretação das disposições legais mencionadas acima que temos defendido o direito à manutenção do acesso à Internet durante todo o mês contratado, desde que o consumidor esteja em dia com seus pagamentos.
Ou seja, entendemos que o bloqueio do acesso à Internet é ilegal, mesmo nos casos em que o contrato estabeleça um volume de dados por mês, por meio de planos franqueados.
E este entendimento encontra respaldo também em outra disposição do MCI, que garante o direito à neutralidade da rede, de modo que os provedores estão obrigados a tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação; estando igualmente proibido na provisão de conexão à Internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento o bloqueio dos pacotes de dados.
Assim, todos os tipos de planos ofertados no mercado têm de garantir que os pacotes de dados recebam o mesmo tratamento, podendo variar apenas a velocidade contratada.
E é assim que as empresas vinham contratando nos planos franqueados: finalizado o volume de dados ajustado, a velocidade do provimento era reduzida. Milhões e milhões de contratos foram celebrados neste modelo, inclusive aqueles com base no plano de banda larga popular.
É certo que as franquias contratadas são pífias – e as mais generosas não ultrapassam 500 MB por mês – e que não há limites para a redução da velocidade do provimento, pois a Anatel tem aberto mão de sua tarefa de definir um patamar mínimo que se possa considerar banda larga. Todavia, o certo é que, encerrada a franquia, ainda que com velocidade muito reduzida, o consumidor continuava a ter acesso à Internet.
Porém, a partir do início desse ano, muitas operadoras resolveram alterar os contratos já em curso, passando a bloquear o acesso, em claro desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor, que proíbe alterações unilaterais do contrato. E quanto aos contratos novos formulados no modelo de bloqueio ao final da franquia, o desrespeito é ao MCI, que está vigente desde junho de 2014.
A PROTESTE – Associação de Consumidores ajuizou ação civil pública para garantir a continuidade, que é uma das características dos serviços estabelecidos como essenciais, como é o caso do acesso à Internet.
Admitir o bloqueio significa não só ignorar o caráter essencial e uma de suas principais características – a continuidade (§1º, art. 9º e art. 175, da Constituição Federal), mas também aceitar que teremos castas de consumidores: aqueles com renda, com acesso ilimitado ao serviço essencial, e os de baixa renda, que estarão sujeitos a uma navegação restrita, de forma absolutamente incompatível com os fundamentos, princípios e objetivos estabelecidos pelo MCI.