Vendo os últimos protestos contra o Uber pelo Brasil, lembrei-me imediatamente dos protestos contra a “carruagem sem cavalos” que sacudiram a Inglaterra no século 19. Empresas de ônibus com tração a cavalo, incomodadas com a conveniência e velocidade das viagens mecanizadas pressionaram o governo britânico, que acabou introduzindo uma legislação chamada de Lei da Bandeira Vermelha (The Red Flag Act).  Ela exigia que os motoristas de veículos de autopropulsão contassem com uma pessoa andando na frente do veículo sacudindo uma bandeira vermelha. A lei criou limites de velocidade rígidos para os antepassados do automóvel, uma tentativa de evitar a competição com as carruagens. Basicamente, o ato tentou forçar as novas máquinas a se locomoverem mais lentamente do que os cavalos.

Hoje em dia, esse ato é apenas uma nota de rodapé na história, um lembrete da resistência mal conduzida – muitas vezes em forma de lei – que acompanha o progresso tecnológico.

A história está cheia de exemplos de resistência à mudança tecnológica.  Diziam que o arado de ferro envenenaria as colheitas. A locomotiva a vapor era considerada uma praga nos campos imaculados e uma tecnologia nada confiável. Na verdade, os céticos disseram que a locomotiva The Rocket criada por George Stephenson jamais daria partida em sua primeira viagem pela ferrovia Liverpool-Manchester. Quando o trem já estava no meio do caminho, disseram que ele jamais pararia.

O exemplo mais infame de rebelião contra a tecnologia foi a revolta de Luddite, iniciada por trabalhadores da indústria têxtil e artesãos especializados na Inglaterra, em 1811. Eles tinham medo de perder seus empregos para os teares e máquinas de fiar mecanizados da Revolução Industrial. Foi basicamente uma revolta contra a eficiência e falhou na sua tentativa de acabar com a onipresença dos tecidos feitos à máquina.

Dois séculos depois, vemos pedidos sendo feitos às prefeituras das maiores cidades brasileiras para declarar a ilegalidade do Uber. O incômodo potencial que o Uber representa para os negócios de táxi em todo o mundo é evidente. Mesmo havendo motivos para nos solidarizarmos com os motoristas – com seu ganha-pão correndo risco, muitos deles pagaram taxas altas para garantirem a licença de seus táxis – é difícil conseguir parar qualquer tecnologia que se aproveite de capacidade excessiva e torne as coisas mais fáceis e baratas para o consumidor. O Uber em si cresceu porque era muito difícil encontrar táxis em São Francisco. Menos de dez anos depois, a empresa já chegou a 58 países e está avaliada em US$ 50 bilhões.

Estamos vivendo na Economia dos Aplicativos, onde avanços em softwares redefinem modelos de negócio. Todos queremos fazer o que for possível por meio de apps. Outro exemplo bem-sucedido dessa megatendência é o Airbnb, que usa tecnologia para conectar turistas em todo o mundo a centenas de proprietários de imóveis com espaço de sobra e vontade de ganhar um dinheiro extra.

A Economia dos Aplicativos está crescendo mais rápido do que podemos mensurar. A última contagem mostrou que há 1,5 milhão de apps disponíveis para usuários Android no Google Play e 1,4 milhão na App Store da Apple.  No último ano, desenvolvedores de aplicativos ganharam mais dinheiro do que toda a indústria de cinema de Hollywood.

Uma pesquisa recente que a CA Technologies conduziu com a Oxford Economics mostra que a maioria dos negócios está aumentando seus investimentos em novas formas de software. Desse total, 43% afirmam que atualmente o software é o responsável pela sua vantagem competitiva, enquanto 80% acreditam que ele irá aumentar a sua vantagem competitiva dentro dos próximos três anos.

Três anos é muito tempo em uma nova economia, que muda rapidamente. Empresas europeias inovadoras como a HouseTrip já começam a incomodar o Airbnb. Eles acabam de receber mais US$ 200 milhões em financiamento. Agora é a vez daqueles que incomodavam sentirem-se incomodados.

Tornar esse tipo de negócio ilegal não irá parar o avanço tecnológico, da mesma forma como impor limites às carruagens sem cavalos na Inglaterra do século 19 não conseguiu manter o cavalo como o meio de transporte mais comum. Às vezes, movimentos regulatórios por parte do governo podem ajudar os negócios, como aconteceu quando o governo dos Estados Unidos acabou com o monopólio da AT&T. Isso aumentou a competição e acelerou diretamente a inovação americana em Tecnologia da Informação. Por outro lado, travar a concorrência por meio de ações regulatórias configura protecionismo.

Governos modernos já estão deixando seus cidadãos renovarem suas carteiras de motorista e passaportes e pagarem impostos on-line. Pesquisas mostram um grande potencial para a gestão de cuidados com a saúde e até mesmo para realizar eleições usando aplicativos. Por quê? Já estamos imersos nesse novo mundo onde o consumidor decide como quer interagir com as empresas – não o contrário.

Smartphones, Google e Facebook mudaram as nossas expectativas em relação à tecnologia. São poucos os que ainda vão ao guichê do banco para efetuar operações bancárias. Fazemos tudo por meio de nossos celulares e caixas eletrônicos. Planejamos e reservamos nossas viagens on-line. Pedimos comida on-line. A ideia de que as empresas estão impondo esses novos modelos de negócios a consumidores inocentes não é verdade. Hoje, quem manda é o consumidor. Os consumidores possibilitam que as empresas criem o mundo digital no qual queremos viver. De forma crescente, eles podem controlar esse mundo na ponta dos dedos a partir de seus dispositivos móveis.

Para governos inteligentes, é chegada a hora de olhar adiante, abraçar a nova economia e ativá-la com a garantia de que temos as habilidades para construí-la e conduzi-la. A União Europeia prevê a falta de 900 mil profissionais de Tecnologia da Informação no continente até 2020. Nesse momento, habilidades digitais são críticas para a infraestrutura nacional. Os governos precisam agir hoje para desenvolver programas que irão aumentar o potencial para criação de valor que a Economia dos Aplicativos tem a oferecer.

Em 1900, a Lei da Bandeira Vermelha foi revogada e teve início a revolução do automóvel. Hoje não conseguimos imaginar um mundo sem carros. De maneira semelhante ou não, esse é um caso que se repete a cada tecnologia bem-sucedida. A história do progresso humano nos mostra que a resistência a novas tecnologias que geram crescimento econômico e eficiência são invariavelmente inúteis.

 

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