A mais recente decisão da Justiça de São Paulo de bloquear por 48 horas o aplicativo WhatsApp é, sem dúvida, um absurdo em si. Não se sabe as razões da determinação, já que o processo corre em segredo de Justiça, mas sabe-se que se trata de uma averiguação criminal, provavelmente em função de associação para tráfico de drogas. Pouco importa a razão. É como impedir o funcionamento dos telefones celulares para que bandidos não se comuniquem ou fechar as estradas para impedir o contrabando.
Mas a decisão da Justiça mostra um problema de fundo igualmente grave: é o fato de uma empresa com um serviço tão utilizado e tão relevante quanto o WhatsApp (entenda-se Facebook, seu controlador) ter uma estrutura tão minimalista no Brasil que sequer consegue se mobilizar para publicar uma mensagem de orientação aos seus consumidores, atender à imprensa ou mesmo recorrer à Justiça imediatamente em busca de uma liminar suspensiva. As empresas de aplicativos e do universo da Internet são adoradas pela população, com razão, mas têm uma postura extremamente fechada em relação à imprensa, seguem políticas de comunicação determinadas por suas matrizes na Califórnia, que em geral impõem o silêncio absoluto aos executivos brasileiros, muitas vezes sequer escritório têm no Brasil (salvo de representação comercial para venda de publicidade) e dispõem de uma estrutura mínima de atendimento a demandas da Justiça, governos e demais autoridades públicas.
No começo do ano, decisão semelhante partiu da Justiça do Piaui, e foi preciso que as próprias empresas de telecomunicações (que, diga-se de passagem, não têm nenhuma relação com o WhatsApp) recorressem para conseguir o desbloqueio do aplicativo, pois se cumprissem a decisão judicial seriam certamente responsabilizadas pelos seus clientes pela dificuldade de acesso ao serviço. No caso desta semana, em São Paulo, muito provavelmente as operadoras de telecomunicações terão que fazer o mesmo, já que a responsabilidade sobre o bloqueio recai sobre elas, e não sobre o aplicativo em si. Estas empresas se viram forçadas inclusive a publicar, por meio do SindiTelebrasil, uma nota negando a autoria da ação na Justiça, para evitar danos junto à opinião pública, já que alguns veículos de imprensa imediatamente associaram a decisão judicial aos protestos públicos feitos pelas teles por conta da assimetria regulatória em relação aos serviços over-the-top (OTT) .
Outro caso emblemático recente foi uma mobilização das entidades de defesa do consumidor e movimentos da sociedade civil em defesa dos consumidores por conta do alegado risco de que as teles passassem a bloquear os aplicativos por conta das disputas em torno da questão regulatória. Evidentemente, há o interesse do consumidor que deve ser defendido pelas entidades representativas, mas não se vê, ao mesmo tempo, as próprias empresas de aplicativo vindo a público para se defender e dar seus pontos de vista. Elas acabam ganhando a defesa pública (e provavelmente gratuita) de milhares de especialistas e experts que escrevem artigos sobre o assunto, mas raramente dão a cara para o debate.
No período eleitoral é quando podemos ver uma exceção a essa prática. São milhares de ações contra sites como o Facebook e Youtube, que já se estruturaram para responder de maneira relativamente rápida à Justiça Eleitoral e os meios de comunicação, mas a eficiência se restringe a estes casos, em que inclusive executivos no Brasil já foram presos (em situações igualmente absurdas).
O fato é que para a maior parte das empresas de Internet e dos aplicativos utilizados no país, os canais de transparência são poucos e ineficientes. Os próprios aplicativos pouco se preocupam em promover uma comunicação mais ativa e permanente com o Judiciário, imprensa e governo. As informações disponíveis são mínimas, o que é natural considerando que esse é um mercado sem nenhuma regulação, mas as empresas tampouco mostram preocupação de melhorar essa situação.
Nos momentos em que as pessoas correm o risco de ficarem desprovidas de serviços como o WhatsApp é que fica evidente não ser mais possível simplesmente seguir as orientações das matrizes no exterior e fazer de conta que o Brasil não existe.