A justificativa dada pelo WhatsApp de que a companhia não tem os dados solicitados pela Polícia Federal de Sergipe – e por isso não poderia fornecê-los – não é sustentada pela Lei nº 12.965/2014, o Marco Civil da Internet, segundo a professora de direito internacional da faculdade de direito da USP, Maristela Basso. A advogada afirma que a lei obriga a empresa com representatividade no País a efetuar a guarda de dados, e que a alegação da companhia não só não pode ser usada como ainda agrava a situação. "É uma empresa que atua de forma irregular: quando se estabelece no Brasil, tem que cumprir toda a legislação, e o MCI foi mais do que divulgado, então não é possível alegar desconhecimento", disse ela a este noticiário. "Eles estão agindo contra a Lei duas vezes: criminalmente, por não guardar os dados, e civilmente, porque o juiz (Marcel Montalvão, da comarca de Lagarto, Sergipe) mandou mostrá-los e a empresa não mostra. Pode aumentar a pena inclusive por reincidência", declarou.

O advogado Rafael Pellon, sócio do escritório FAS Advogados, concorda: "Existe uma lei, ela está em vigor e eles não cumpriram. Está aí o resultado". Para Pellon não adiantaria multar a empresa, pois ela acumula mais de R$ 5 milhões em multas não pagas no judiciário brasileiro. Bloquear o serviço tampouco seria a melhor decisão, pois prejudicaria toda a sociedade, haja vista que é o aplicativo mais usado no Brasil – vide o relatório da pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, que revelou que 84,7% dos smartphones brasileiros contam com o WhatsApp em sua homescreen.

A Seção II do Marco Civil, na subseção que trata da proteção aos registros, dados pessoais e comunicações privadas, artigo 15º, diz que o provedor de aplicação "deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de Internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento". Diz também que ordem judicial pode solicitar os dados e que, no caso de descumprimento, "serão considerados a natureza e a gravidade da infração, os danos dela resultantes, eventual vantagem auferida pelo infrator, as circunstâncias agravantes, os antecedentes do infrator e a reincidência". No caso desta terça-feira, a PF sergipana afirma ter solicitado pelo menos quatro vezes a abertura dos dados, passando depois a aplicação de multas diárias – primeiro no valor de R$ 50 mil, depois de R$ 1 milhão. Só após o novo descumprimento é que foi decretada a prisão preventiva do vice-presidente do Facebook para a América do Sul, Diego Jorge Dzodan, nesta terça-feira, 1º, em São Paulo.

A lei brasileira exige que a empresa guarde apenas os registros das comunicações, ou seja: quem falou com quem, em quais dias e em que horários. Porém, na avaliação de Maristela, a exigência da guarda dos registros de acesso engloba também o armazenamento do conteúdo das mensagens. "Se discutir isso na Justiça, por razão de segurança pública, o juiz vai entender que em algum lugar você tem algum registro das mensagens sim. É como se você abrir uma estrada e dizer que não sabe quem caminha e o que carrega: em algum momento tem que saber o que o caminhão passou levando por razão de saúde pública ou segurança", compara. Ela explica também que, para a própria empresa se proteger mais, é necessário uma interpretação mais ampla do item, e acredita que essa tem sido tendência de interpretação da Justiça. Neste ponto, Pellon discorda: ele entende que o WhatsApp só é obrigado a manter os chamados "logs" das conversas, não o seu conteúdo.

A magistrada se diz surpreendida com a resposta do WhatsApp em relação ao argumento de ser uma operação independente da controladora, o Facebook. Isso porque a interpretação da jurisprudência é flexível, considerando qualquer escritório vinculado, mesmo que seja de uma subsidiária ou apenas da matriz, como é o caso, como sede. "Se tem um escritoriozinho aonde chega correspondência, aquilo já é o bastante."

Maristela declara ainda que a empresa poderia ter evitado todo o desenrolar da história se tivesse cooperado mais com a Justiça, alegando dificuldade técnica para arquivar os dados em questão. Assim, o Facebook ainda teria infringido a Lei, mas a punição e correção seriam mais brandas. "No momento em que diz que não arquiva nada e nem tem a obrigação, então descumpriu a decisão do juiz e o probleminha pequeno ficou enorme", diz. Mesmo a alegação de dificuldades de entendimento e de alinhamento da parte técnica com a legislação poderiam ser mais eficazes, ainda na avaliação dela.

 

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