O novo bloqueio imposto ao WhatsApp nesta terça-feira, 19, pela Justiça do Rio de Janeiro traz à tona novamente a discussão sobre qual o limite entre a privacidade e a segurança por meio das novas tecnologias. Na atual ação, a juíza Daniela Assumpção, da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, pediu a retirada do serviço do ar pela empresa não cumprir uma decisão que pedia acesso às mensagens de usuários. Além do bloqueio, a magistrada determinou multa diária de R$ 50 mil até o cumprimento da decisão e pediu abertura de processo por obstrução de justiça em processo criminal. Em sua decisão, a juíza citou os artigos 7 (acesso à internet), 10 (guarda dos dados) e 11 (coleta e armazenamento de dados) do Marco Civil como pretexto para a decisão.

Procurada por MOBILE TIME, a Anatel afirmou que não iria se manifestar por ser uma decisão da Justiça. E o MCTI não se posicionou até a publicação desta reportagem.

Em contrapartida, a PROTESTE se prontificou a tentar reverter a decisão. Para o órgão, a decisão da magistrada foi “unilateral” e “desproporcional”, pois os brasileiros sofrem com o prejuízo do aplicativo que possui um “papel fundamental na sociedade”. Na visão da entidade, o bloqueio fere duas garantias do Marco Civil da Internet: a neutralidade de rede e a inimputabilidade, que garante que os provedores não respondem por atos ilícitos.

O especialista em direito digital, Victor Auilo Haikal, explica que embora a decisão da juíza possa parecer desproporcional, ela inicialmente não fere o Marco Civil. “Eu não vislumbro descumprimento do Marco Civil. Os princípios foram feitos para serem analisados em conjunto”, disse Haikal. “Pelo contrário. A juíza disponibilizou as ferramentas corretas ao citar os artigos. Mas ela poderia ter usado artigo 12 (do Marco Civil) como efeito administrativo”.

Como exemplo de medidas administrativas, outro especialista no gênero, Caio Cesar Lima, sócio do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados, afirma que a magistrada poderia ter aplicado  ações que seriam mais proporcionais, como multa e questionamentos técnicos à empresa. 

“O primeiro ponto é: essa decisão, certamente não foi a mais proporcional. Para uma investigação de uma pessoa, ela acabou bloqueando um serviço para 100 milhões de pessoas. Quais seriam os outros caminhos? Poderia ser a multa. Um outro ponto é o WhatsApp esclarecer quais limites técnicos ele pode cumprir. Como funciona o app? Quais os limites técnicos?”, analisou Lima.

Falta de diálogo

Em sua decisão de apoiar o WhatsApp, a Proteste pede para a Justiça nacional “uniformizar” o entendimento sobre o tema, para evitar novos bloqueios. O discurso de uniformidade dos conceitos também é citado pelos advogados, que veem ainda a falta de diálogo como outro problema.

“Parece que falta um pouco de conversa entre os agentes envolvidos. Vimos que o Facebook não está muito a fim de contribuir. Esse tipo de coisa prejudica um relacionamento institucional. Talvez a criação de um termo de conduta para mensageria, como teve com o Google, possa ajudar” disse Haikal, que atua como sócio do escritório de advocacia Patricia Peck Pinheiro.

“O grande ponto é: como podemos compatibilizar o uso dos aplicativos com a segurança e a privacidade?”, questiona Cesar Lima. “Precisamos ter uma discussão disso, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Identificar até que ponto nós podemos perder a privacidade em favor da segurança”.

Pontos polêmicos da decisão

Diferentemente das outras três decisões, a juíza Daniela Assumpção apresentou dois novos pontos polêmicos à sua decisão. O primeiro se refere ao fato de o Facebook ter respondido aos questionamentos em inglês, uma vez que, tanto Facebook como WhatsApp possuem seus serviços em português e o Facebook possui representação no Brasil.

“Ao ofício assinado por esta magistrada, contendo a ordem de quebra e interceptação telemáticas das mensagens do aplicativo Whatsapp, a referida empresa respondeu através de e-mail redigido em inglês, como se esta fosse a língua oficial deste país, em total desprezo às leis nacionais, inclusive porque se trata de empresa que possui estabelecida filial no Brasil e, portanto, sujeita  às leis e à língua nacional, tratando o país como uma “republiqueta” com a qual parece estar acostumada a tratar. Duvida esta magistrada que em seu país de origem uma autoridade judicial, ou qualquer outra autoridade, seja tratada com tal deszelo.”, escreveu Assumpção.

Para os especialistas, os pretextos usados pela magistrada não foram mais uma vez proporcionalis O fato de ela conhecer a língua poderia ter dado uma resposta ou ter utilizado o serviço de um tradutor juramentado. Por outro lado, eles acreditam que demonstra também a falta de relação institucional do Facebook com a Justiça brasileira, pois poderia ter acionado um advogado local para contatá-la.

O segundo ponto polêmico é quando ela argumenta que a retirada do WhatsApp seria benéfica para a sociedade, pois o serviço não cumpriria as regras da legislação brasileira ao não dar acesso às informações  de crimes praticados por suspeitos que podem estar sendo compartilhadas via mensagens.

“Aqueles na sociedade que reclamam a simples ausência de um aplicativo, como se não nos fosse mais possível viver sem tal facilidade, como se outros similares não pudessem ser utilizados, como se outros meios de comunicação não existissem, deveriam lembrar que a maior vítima dos crimes ora investigados é a própria Sociedade, sendo certo que a todo o momento novas vítimas são feitas e novos crimes são cometidos sem que a Justiça possa impedir os fatos ou punir os responsáveis”, defendeu a juíza na decisão.

Haikal rechaça a ideia da juíza: “Neste sentido, faltou bom senso. É como se ela tivesse falado, ‘está proibida a carne de boi: Agora é só peixe e frango’. Isso não justifica”.

Solução

Como soluções para o diálogo, Haikal acredita que um TAC (termo de ajustamento de conduta) poderia ser o mais viável.  Para Lima, por sua vez, são três pontos que precisam ser discutidos: aplicativos como o WhatsApp precisam explicar sua tecnologia à Justiça; as cortes supremas (STF e STJ) devem analisar casos do gênero para evitar novos bloqueios; e a lei de interceptação telefônica (Lei nº 9296) deve ser revista, pois foi criada em 1996, não engloba aplicativos, e os casos recentes contra o WhatsApp entrariam mais nesta lei do que no Marco Civil.

 

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