Muitos filmes cobrem Inteligência Artificial (AI) e robôs em algum nível. Entretanto, a primeira vez desde que, como entusiasta de filmes de ficção científica, assisti a um filme em que NLU (Natural Language Understanding), ou a compreensão da linguagem natural por máquinas, foi tratado de forma tão ostensiva, chamando realmente atenção para esta área, foi no enredo de “Passengers”.
Lançada em 2016 e estrelada por Jennifer Lawrence, Chris Pratt, Michael Sheen e Laurence Fishburne, a obra trata de uma nave espacial viajando para um planeta distante, com milhares de pessoas hibernando. A viagem deve durar 120 anos, mas um mau funcionamento nas câmaras de sono resulta em dois passageiros acordados 90 anos mais cedo.
Se você ainda não viu o filme e está preocupado com spoiler, fique tranquilo: a descrição acima é a mesma utilizada na sinopse promovida publicamente, ou seja, não contei nada que possa interferir em sua experiência ao assistir à obra.
Vamos à análise de NLU no filme. Em um determinado momento, Jim (Chris Pratt), o primeiro passageiro a acordar, encontra um robô AI e conversa com ele. O diálogo é um excelente exemplo de conversação entre um humano e um robô, que demonstra claramente um problema que a indústria encontra comumente ao treinar chatbots, e que tem estudado ferrenhamente como evitar.
Abaixo, transcrevo o diálogo, que acontece na cena em que, ao acordar sozinho na nave, Jim vai a um bar e é atendido por um robô de IA.
Jim: “Quanto você sabe sobre essa nave?”
Robô: “Eu não sei. Eu sei algumas coisas”
Jim: “O que eu faço em relação a um mau funcionamento da hibernação?”
Robô: “Os conjuntos de hibernação são seguros. Eles nunca funcionam mal”
Jim: “Acordei mais cedo”
Robô: “Isso não pode acontecer”
Jim: “Quanto tempo até chegarmos a Homestead 2?”
Robô: “Cerca de 90 anos ”
Jim: “E quando todos os passageiros devem acordar?”
Robô: “Até os últimos meses” [da viagem]
Jim: “Como é que eu estou sentado aqui com você? Com 90 anos ainda a viajar”
Neste momento o robô tem um bug, com um bip, e então diz:
Robô “Não é possível que você esteja aqui”
Jim: “Mas eu estou”
Se estiver interessado, o vídeo deste link traz o diálogo acima a partir do segundo 0:40.
O diálogo descrito no filme leva a pensar sobre o que poderia ter dado errado com o treinamento do robô. Obviamente, a máquina de AI entendeu corretamente o que o humano disse e sua intenção, mas não foi capaz de lidar com essa situação porque não foi treinada para isso.
A situação nunca havia acontecido antes, e provavelmente essa é a razão pela qual ela não foi incluída no treinamento de IA.
O robô entendeu corretamente algo que um ser humano disse, e, agindo com base nesse entendimento, algo muito relevante acontece no filme – uma reviravolta no enredo que não posso descrever aqui para não atrapalhar os que ainda vão assisti-lo, mas garanto que é muito relevante para o campo de NLU.
Voltando à realidade de treinamento de chatbots, a questão que surge em função do filme é: como poderíamos nos preparar para situações inesperadas? Mesmo quando planejamos muitas situações, podem surgir algumas que não foram projetadas, e a única maneira de aprender e “ensinar” nossos robôs de AI a lidar com isso é monitorar constantemente os diálogos e perguntas não respondidas para atualizar o corpus de treinamento e melhorar o entendimento e atuação dos BOTs.
Em relação ao contexto e raciocínio, talvez nossa tecnologia atual ainda não esteja preparada para lidar com isso. Mas isso se refere à parte do filme que não pude mencionar para evitar spoiler. Você precisará assisti-lo para saber do que estou falando.