Não há dúvidas que a indústria em geral e o mercado corporativo já têm grandes expectativas e demandas para a quinta geração das redes móveis (5G), mas o consumidor final, especialmente o early adopters, ainda precisará de uma justificativa para contratar o serviço. Duas das principais características da tecnologia, o alto throughput e a baixa latência, deverão guiar novas aplicações que, até então, não eram viáveis tecnicamente ou economicamente. Uma delas é o cloud gaming, um serviço de streaming over-the-top que permite processar jogos na borda da rede, em vez de utilizar aparelhos como consoles domésticos. Com a posição privilegiada graças à arquitetura distribuída das redes móveis, as operadoras poderão se valer dessa “killer application” em potencial como um novo fluxo de receita.

No Brasil, ainda parece haver alguma falta de conhecimento ou de projetos com o tema. Desde janeiro, este noticiário buscou iniciativas que poderiam estar embrionárias no País, mas nada de concreto foi revelado – especialmente quando o mercado confunde o cloud gaming com aplicações de realidade virtual e aumentada, aplicações fundamentalmente diferentes.

Só que o assunto foi uma das tendências mais quentes durante a MWC19, que aconteceu nesta semana em Barcelona. A percepção é de que o serviço pode ser o primeiro killer app para 5G móvel comercial para consumidores. Haverá disputa, contudo. Google, com o Project Stream, e Microsoft, com o Project xCloud, já têm iniciativas sérias rodando em testes, embora ainda sejam restritos ao acesso fixo em fibra. Ambas as empresas foram procuradas por dois meses, mas não atenderam as solicitações de entrevista e informações.

Enquanto isso, as teles já se movimentam de olho nesse mercado. A norte-americana Verizon já estaria preparando o seu próprio serviço OTT de games. O CEO da operadora britânica EE Limited, Marc Allera, disse a este noticiário que a tele ainda não tem um projeto do tipo, mas o executivo foi um dos nomes a destacar durante a MWC19 o potencial dessa aplicação, dizendo que o mercado está “muito empolgado” com as possibilidades. “É um dos muito killer apps, mas acho que o cloud gaming se destacará, combinando o edge, a baixa latência e a a oportunidade”, diz. Há uma chance de o futuro repetir o passado neste caso, com uma nova aplicação ou serviço OTT tomando a frente nessa disputa pela killer application. “Você vai ver um novo Netflix de gaming sendo criado, então não haverá mais console, mas streaming”, prevê. Perguntado se isso poderia ser restrito a consoles de mesa ligados à conexão residencial, Allera foi enfático: “Acredito no mobile gaming, e acho que vai acontecer, pois muita gente tem um celular na mão.” Ele entende ainda que a característica de MIMO massivo permitirá jogos móveis online com muito mais participantes simultâneos.

O grupo espanhol Telefónica anunciou nesta semana iniciativa de edge computing, com uma das aplicações para jogos. A controladora da Vivo está trabalhando com a NetApp para desenvolver solução de envio massivo de dados, streaming de jogos para qualquer tela e deep cache de CDN para distribuir vídeos de serviços de streaming e sob demanda de alta qualidade em grande escala. A latência prevista é de 10 ms. “Nós vamos ver o nascimento do edge computing este ano”, disse David del Val, CEO da Telefónica I+D, a Mobile Time. Importante lembrar que a Vivo deverá implantar o edge computing no Brasil em breve, embora não necessariamente isso esteja atrelado à chegada da 5G.

“Vamos ver um cenário onde eventualmente não haverá necessidade de novos consoles, porque o processamento será em edge”, previu o CEO da Qualcomm, Cristiano Amon, em painel sobre handsets 5G. Ele lembra que já há jogos para celular que não apenas se tornaram populares (mainstream), mas também competem em qualidade gráfica com consoles – como no caso dos jogos mais famosos do momento, Fortinte e PUBG, que utilizam uma grande infraestrutura para conectar partidas com significativa quantidade de jogadores simultâneos. “Nós estamos em uma primeira fase disso com uma demonstração do jogo Ace Combat 7 com a Qualcomm, mas ainda há todo tipo de possibilidades”, declara o CEO da fabricante OnePlus, Pete Lau.

Possibilidades

A Huawei tem uma divisão específica para trabalhar com essas demandas de edge computing, a Cloud X Experience. A fornecedora já conta com parceria com a operadora sul-coreana KT, além de “outros parceiros que estão experimentando cloud, realidade virtual, realidade aumentada e cloud gaming – tudo renderizado na nuvem, usando apenas a capacidade do display para streaming”, segundo explica o vice-presidente da linha de produtos de handset da chinesa, Li Changzhu. Fonte da empresa declarou ainda que ela trabalha com uma operadora chinesa para o lançamento de cloud gaming no próximo mês.

O diretor-executivo de Business Network Consulting da Huawei para a América Latina, Guillermo Solomon, explica que a latência presente em conexões 4G não consegue passar de menos de 40 milissegundos, o que já é prejudicial para a jogabilidade. Com 5G, pode já atuar de 10 ms a 2 ms, o que dá a sensação de estar jogando com um console local. Além disso, há a possibilidade de entregar resoluções 4K e com taxa de atualização de tela (refresh rate) de 60 Hz ou superior por meio de pura força bruta com o alto throughput da quinta geração, com no mínimo 120 Mbps de velocidade e 20 ms de latência. A taxa de 60 Hz garante a fluidez nas animações da imagem a 60 quadros por segundo (fps, na sigla em inglês).

Mas justamente pela latência ter um papel tão fundamental para a plataforma, as operadoras podem ter uma atuação significativa neste mercado. Para vender latência, as teles precisarão se reinventar – Solomon acredita que ofertar isso de forma literal pode não ser uma boa ideia. “Para comercializar isso, será diferente do LTE: a operadora pode voltar a comercializar velocidade em vez de franquia na rede móvel. Você poderá ter 50 Mbps e assistir a vídeos em 4K, mas se quiser jogar cloud gaming, posso cobrar US$ 10 a mais pela latência baixa”, explica. E isso poderia ser ofertado em forma de créditos por tempo determinado também. “Isso vai mudar a economia e o mercado de videogames, o console poderá ficar muito mais barato”, declara, lembrando que, pelo menos em acesso fixo, a fibra também atende aos requerimentos, o que não seria o caso do cabo coaxial.

Slicing

O modelo de negócios implica em uma venda de conexão de forma diferente da praticada atualmente, mas não necessariamente isso se trata de um recurso do chamado fatiamento de rede, o network slicing. “Para segregar a rede, é preciso que sejam serviços muito importantes, como de segurança e emergências. Não vão fatiar para cloud gaming, seria um recurso não muito bem usado”, explica Solomon. O preço também seria um impeditivo, conforme argumenta o representante da Huawei. No caso do Brasil, ainda há questionamentos do que poderia ser feito sem quebrar a neutralidade de rede, conforme o Marco Civil da Internet.

O vice-presidente de core, cloud e digital da Ericsson, Marcelo Freire, por outro lado, diz que “o slicing é que vai garantir que a próxima geração de gamers tenham o serviço”. Obviamente, isso terá seu preço. “Com o slicing, a operadora faz o que melhor a interessa financeiramente. Se a indústria de gaming for suficientemente demandante do ponto de vista de ter um valor agregado e demanda monetária relevante para a operadora, isso vai ocorrer.” Freire entende que se trata, de fato, de um novo fluxo de receita para teles, que poderá oferecer o serviço diferenciado. Apesar de a Verizon ser parceira da Ericsson com iniciativas já comerciais em 5G (em FWA, na faixa de 28 GHz), o vice-presidente da fornecedora não confirmou se as empresas trabalham de forma conjunta no futuro projeto de cloud gaming. Porém, sabe-se que a fornecedora sueca já esteve recentemente com operadoras brasileiras que começam a testar as soluções, discutindo inclusive a possibilidade de oferecer o serviço de jogo em nuvem.

O especialista técnico de indústria da Intel, Roberto Gomes Correa, acredita que a possibilidade de implantar a tecnologia em um ambiente móvel fará a diferença. “A gente entende que 5G é um fator que vai habilitar novo mundo de possibilidades, permitindo experiência de games com o cara em movimento, no transporte público. Isso é algo que hoje não é possível ter”, afirmou. “As operadoras talvez participem de uma onda equivalente à do Netflix, que foi algo que não deram atenção no começo, mas se tornou gigantesco”, compara. “Seria o próximo Pokémon Go, que foi uma dor de cabeça para as operadoras. Certamente haverá outras semelhantes, e a infraestrutura vai ser o meio de consumo, seja pelo bem ou pelo mau”, completa. Vale ressaltar que a Intel, em conjunto com o conglomerado chinês Tencent, deverá apresentar o Tencent Instant Play, um serviço de cloud gaming para PCs e smartphones na próxima Game Developers Conference (GDC), no dia 20 de março.

 

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