O espaço para executivas dentro das corporações passa por uma série de desafios: preconceito, machismo, cobrança, assédio, a busca por uma posição na sociedade e o racismo. No mês da mulher, esses temas foram debatidos por três executivas de áreas distintas: bancos, química e tecnologia. Mulheres que não tiveram medo ou receio de debater sobre temas que são verdadeiros tabus dentro das empresas.
“Trabalhei em empresas que antes eram predominantemente masculinas, mas que hoje mudaram. Contudo, os níveis [de contratação] ainda são baixos entre as minorias”, ressalta Carla Croce, gerente global de planejamento em supply chain na divisão de nutrição e saúde da Dupont. “Sou uma exceção no mundo corporativo. Minha chefe também e a chefe dela idem. Temos que criar condições para que as mulheres assumam mais posições de liderança”.
A executiva compartilhou suas histórias durante um evento organizado pela Here, nesta semana, em São Paulo. Ela passou por apuros desde o começo de sua carreira. Hoje, bem estruturada e em uma posição de comando em uma das maiores empresas químicas do mundo, Croce lembrou quando escutava comentários machistas na faculdade, como “só faz engenharia para arrumar marido”; ou quando professores a mandavam ir até a lousa para escrever, mas com segundas intenções; ou quando ouvia respostas como “ela está de TPM”.
Dentro do mercado corporativo, em outra empresa, sofreu assédio de seu superior quando ainda era estagiária. Na época, relatou o fato de ter que enfrentar o medo e denunciar o seu chefe, então profissional com mais de 30 anos na empresa. “Alertei para a direção da empresa. Eles investigaram e demitiram essa pessoa”, explicou.
Croce contou também que hoje em dia gerencia uma rede de contatos de mulheres e minorias que trabalham em diferentes empresas. “Essas redes acabam ajudando essas pessoas a entenderem que o assédio, ou outras formas de agressão, não é um problema delas. Como uma estagiária de 18 anos diz para a empresa que um funcionário de 30 anos de carreira cometeu assédio? É difícil se posicionar e combater o medo”, relatou a diretora da Dupont. “Tem que entender o medo, trabalhar com ele e ultrapassá-lo de alguma forma”.
Excesso de trabalho
Outra profissional, Eliana Palmieri, coordenadora de sistemas do Itaú, relatou os problemas de saúde que teve por excesso de trabalho e uma autocobrança constante. Trabalhando em um universo considerado conservador, lembra que cumpria longas jornadas e se alimentava muito mal, algo que resultou em um problema nos rins que a deixou fora da empresa durante 15 dias. Com o problema, parou para refletir qual o papel dela como esposa, mãe de dois filhos e líder de área em um dos principais bancos privados do País.
“Muita coisa eu fazia no automático. Com meus filhos, percebi que o brincar era algo raro para eles. Por isso veio a ideia de criar a brinquedoteca (do Itaú). Brincar é sério, é importante, é uma semente para criar um adulto saudável. Hoje a gente perde as crianças dentro do quarto”, disse Palmieri. “Após isso, nenhum sistema de informática parou durante 15 dias. Eu não delegava, antes, tarefas para meus analistas. Era centralizadora. Voltei com outro olhar. Entendi que, dentro do trabalho, em especial na área de tecnologia, menos é mais”.
“Todo mundo aqui tem uma bateria que precisa ser recarregada diariamente. Você tem que trabalhar com o que gosta. Parar, ir para casa, ficar com meus filhos, me deixava mais produtiva. Isso vale para homem e para mulher. Tem que fazer uma parada e respirar”.
Preconceitos e desafios
Por sua vez, Juliana Amoasei, desenvolvedora e coach da startup de ensino de codificação para mulheres Laboratoria, lembrou da dificuldade para encontrar a profissão certa e dos preconceitos velados que sofria. Nascida e criada na Cidade Ademar, periferia da Zona Sul de São Paulo, a profissional, que hoje ensina outras mulheres a serem desenvolvedoras e a terem uma carreira altamente qualificada, teve um árduo caminho até encontrar sua atual função.
“Quando você é muito engraçadinha, eles falam para você fazer publicidade. No meu caso, fiz design, trabalhei em agência, veículo de comunicação, estúdio, birô e produção de vídeo. Cheguei à posição de diretora de arte. Mas não era uma pessoa contente. Até que alguém me falou: por que não ser programadora? Tem a ver com o seu perfil”, recordou Amoasei.
“Pensava que para ser programadora tinha que ser homem genial, inteligente, e saber muito de matemática. E a partir de uma certa idade, a mulher é desencorajada a estudar matemática. Achava que não sabia nada de matemática. Mas criei coragem e fui ser aluna de um bootcamp de programação. Foi quando comecei a desenvolver”, completou.
TI para a mulher
Durante o debate, Amoasei e Palmieri ainda relataram as dificuldades que as mulheres têm em tecnologia. Citando um estudo do IDB, a coach da Laboratoria lembra que haverá uma demanda por 1,2 milhão de desenvolvedores na América Latina até 2025, e, atualmente, existem 37 milhões de mulheres jovens na informalidade ou desempregadas na região.
“Tecnologia é mais uma postura do que uma carreira passo a passo. Não exige necessariamente uma formação habitual: graduação, pós-graduação, mestrado… Ainda assim, várias carreiras vão sumir, mas uma das únicas que garante certa relevância é a tecnologia e ela entra em diversas áreas: finanças, medicina, agricultura etc”, explicou a desenvolvedora. “Há um grande espaço para descobrir mulheres para trabalhar em TI em toda a América Latina. Em especial nas periferias, onde as mulheres não têm oportunidade”.
Já a executiva do Itaú explicou que a vantagem da tecnologia é que se trata de uma área que muda muito, tem demanda alta, e é promissora para mulheres. Em especial, Palmieri frisou que a mulher traz outro olhar para a área: ”Embora estejamos falando de um ambiente de tecnologia, acredito que a mulher consegue olhar muito bem para o lado humano da área”
Os desafios da mulher (e das minorias)
As executivas foram questionadas por Mobile Time sobre como está o dia a dia da mulher nas empresas e quais os desafios que elas enfrentam atualmente. Amoasei afirmou que o momento é o melhor dos últimos anos, embora ainda tenham barreiras a superar.
“Estamos em um momento bom. Propício para fazer a discussão [do espaço da mulher nas corporações] e trazer o tema para a mesa”, disse a especialista em desenvolvimento de TI. “Realmente, a aceitação da mulher dentro das empresas é mais lenta. A evolução tecnológica é rápida, mas a mentalidade não segue. Tem que mostrar, insistir, trazer para a mesa as coisas”.
Já Croce, lembrou que o desafio principal está na inclusão. Atuante também em dar suporte a grupos de afro-brasileiros e LGBTs dentro da sua companhia, a gerente frisou que o problema da inclusão não é apenas com as mulheres, mas também com as chamadas “minorias”.
“Existe uma necessidade de as empresas atuarem mais fortemente em diversidade. Não é só ter 50% de homens e 50% de mulheres em processos seletivos. Sexo, religião, etnia, nada disso importa, mas sim sua qualidade como profissional”, afirmou Croce. “Nós não conseguimos mudar um mundo de um dia para outro. Tem um tempo para a gente conseguir chegar aonde quer. É preciso dar treinamento, ter um networking bem estabelecido e criar metas nas diretrizes corporativas,”, explicou.
Eliana Palmieri também acredita que há uma lentidão de mudança de pensamento sobre mulheres e minorias no mercado de trabalho e que ainda há muito trabalho para ser feito. Mas ressalta que o primeiro passo é ter coragem e saber dizer ‘não’ quando algo lhe incomodar: “A gente tem que se posicionar e falar que está incomodado. Já participei de reuniões nas quais o gestor não falava comigo, mas só com os homens. Até o dia em que me posicionei e o questionei. No mundo corporativo, realmente, é mais lento”.