Após o anúncio nesta semana do lançamento ainda este ano do serviço de cloud gaming Stadia, o Google tem sido reticente em explicar como conseguirá entregar a experiência prometida. Em rodada de entrevistas com a imprensa internacional, o vice-presidente e gerente geral da companhia, Phill Harrison, explicou que não é por acaso que a plataforma over-the-top, que já vem sendo chamada de “Netflix dos games”, não estará disponível em todo o mundo desde o primeiro dia de funcionamento, mas apenas nos Estados Unidos e na Europa. A questão está justamente na disponibilidade de conectividade ao usuário, o que pode ser um mau sinal para a chegada do serviço ao Brasil.

Harrison disse ao site Engadget que sabe que o Stadia não chegará a todo lugar, e que a empresa não está prometendo isso. O avanço da banda larga no mundo já acontece, e com velocidades cada vez maiores, mas ele entende que há algumas tecnologias que estão “um pouco acima do horizonte”. O serviço OTT é um deles.

A conexão necessária para a fase beta, o Project Stream (lançado em outubro de forma pública), necessita de uma velocidade de no mínimo 25 Mbps para transmitir um jogo com resolução de 1080p (Full HD) a 30 quadros por segundo (fps). Para o lançamento comercial do Stadia, a promessa é de games em 4K e 60 fps, além do sistema de cores HDR (que também consume mais dados na transmissão). Ao site The Verge, o executivo se recusou a responder se fatores como 5G e até remoção de franquia de dados poderiam remediar isso. Apenas ressaltou a infraestrutura própria. “A principal inovação que o Google traz às tecnologias de streaming de games é o poder de nossos data centers – o tecido da rede fundamental que está dentro dos data centers e a forma como levamos os dados do data centers a sua casa por meio do seu ISP”, declarou. Ele também destacou a arquitetura distribuída da rede, com os 7,5 mil edge node locations espalhados pelo mundo e conectados ao backbone da empresa. “Não podemos vencer [o limite da] velocidade da luz, mas podemos trapaceá-la o suficiente para podermos entregar uma experiência de desempenho muito, muito alto.”

Se por um lado o Google conta com a robustez das conexões com maiores velocidades nos mercados dos Estados Unidos e Europa, terá que lidar também com a questão da latência. Embora a velocidade média da banda larga fixa nos EUA seja de quase 100 Mbps, segundo a Ookla (96,25 Mbps de download e 32,88 Mbps de upload, em média, durante o segundo e terceiro trimestres do ano passado), a penetração da fibra ainda deixa de fora 70% do mercado americano, segundo dados de 2017 da agência reguladora Federal Communications Commission (FCC). Por isso, apesar de permitir o uso de qualquer periférico como mouse e teclados USB, a companhia vai comercializar um joystick próprio do OTT, que se conectará diretamente à Internet por meio de Wi-Fi. “Os componentes internos do controle Stadia são efetivamente um computador, que fala diretamente pelo Wi-Fi com o data center. Isso aumenta o desempenho, reduz a latência e tem um impacto direto positivo na jogabilidade. Então, essa foi uma decisão de design muito importante que tomamos no começo da criação dos componentes”, disse o executivo.

O próprio relacionamento do Google com provedores de banda larga, pelo menos os maiores, ajudará na entrega da capacidade necessária. Harrison diz que a parceria com os grandes ISPs é parte fundamental do atual funcionamento da Internet atual, e que isso é um diferencial em relação a outros serviços de games OTT que já chegaram a ser lançados, mas acabaram não causando grande impacto (como o PlayStation Now, da Sony) ou foram descontinuados (como o OnLive). “Por 20 anos, o Google tem feito investimentos no tecido fundamental da Internet, a conexão de rede entre nossos data centers e a forma como eles se conectam. Somos uma empresa de hardware em data center há mais tempo do que somos uma companhia de hardware com o Google Home ou com smartphones. Isso nos dá vantagens de desempenho em termos da forma como os dados chegam ao ISP e como esses dados chegam a você, até sua casa”, declarou ele ao Engadget.

Contexto brasileiro

Como o serviço sequer tem data de lançamento estabelecida nos EUA e na Europa (apenas é certo que será ainda este ano), é difícil saber se e quando o Stadia chegaria ao Brasil. Uma resposta pouco otimista pode ser especulada ao se observar a penetração da banda larga fixa no Brasil. Segundo a pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), considerando todas as tecnologias, apenas 61% dos domicílios brasileiros tinham algum acesso à Internet em 2017, percentual que cai para 34% nas áreas rurais. Também há uma distribuição pior por região: no Nordeste e no Norte, apenas 48% e 49% dos domicílios tinham acesso, respectivamente. No Sudeste (69%), Centro-Oeste (68%) e Sul (60%), o percentual era mais da metade.

Ainda assim, há a questão da necessidade de uma conexão robusta. As conexões de fibra ou cabo de TV (ou seja, HFC) eram, juntas, 33% dos acessos fixos no País, ainda de acordo com a TIC Domicílios. Apesar de ser a tecnologia que mais avança, a fibra até a residência (FTTH) somava apenas 18,58% (ou 5,785 milhões de contratos) do total de acessos de banda larga fixa em janeiro deste ano – no total, o mercado brasileiro contava com 31,134 milhões de conexões, conforme os dados da Anatel. Além disso, desse total de contratos de banda larga fixa, apenas 27,24% (ou 8,481 milhões de acessos) eram com velocidade acima de 34 Mbps no Brasil.

Como a tecnologia 4G não possui a latência necessária, a esperança poderia estar em uma eventual chegada da 5G. Mas o primeiro leilão só está previsto para o final do primeiro trimestre de 2020, e ainda há dúvidas a respeito de formatação dos lotes na faixa de 3,5 GHz, embora a agência estude a possibilidade com outros espectros. Ainda assim, a rede móvel, mesmo que por meio de acesso fixo (FWA), não deverá ser um fator importante no Brasil pelo menos em curto e médio prazo.

Vale lembrar que no Brasil há centenas de redes metropolitanas com pelo menos um edge node do Google, a maioria concentrada nos grandes centros urbanos. Por sua vez, os pontos de presença (PoP) edge da rede estão localizados em pontos de troca de tráfego (PTTs) apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Porém, o único data center próprio do Google na América do Sul está localizado em Santiago, no Chile.

 

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