A abertura dos bancos (Open Banking, em inglês) e de seus dados ainda é vista com certo receio pelo ecossistema de pagamento brasileiro. Embora o Banco Central do País tenha uma agenda preparada até 2020 para debater o tema, os representantes veem alguns impeditivos antes de avançar com essa regulação, como a segurança e a experiência do usuário.
“Nós queremos evitar atritos e deixar em aberto questões do PSD2 (marco que regulou o Open Banking na Inglaterra). Como o fato de que eles deixaram em aberto o uso da padronização, da rastreabilidade, e de soluções que melhoram a experiência do usuário: como o uso da biometria no consentimento e autenticação”, disse o diretor de arquitetura de tecnologia do Itaú, Thiago Charmet, durante o CMEP, nesta semana.
O tema da segurança também foi defendido por Felipe Maffeim, diretor de produtos da ELO. Em sua opinião, a indústria precisa achar um equilíbrio entre segurança e experiência do usuário, para ajudar a aumentar a conversão nos estabelecimentos.
Contudo, Charmet frisou que uma vez bem estabelecido, o movimento de Open Banking será importante em sua corporação: “Os bancos europeus, pequenos, médios e grandes, veem o movimento como algo positivo. O fato de não haver nenhum caso negativo na Europa e nos Estados Unidos até agora ajuda a inovação por aqui. Quando estabelecidos (os processos de segurança), as APIs do Open Banking serão um novo canal para nós, assim como as agências, apps etc”.
Adaptação
Além da segurança, Ana Carla Abrão Costa, sócia nas práticas de finanças e risco de políticas públicas e head da Oliver Wynan Brasil, defende que o Open Banking é vantajoso por ampliar o ecossistema de pagamentos, ajudar a regular a entrada de novos players, trazer mais competição e reduzir custos ao consumidor, mas também há outros problemas além da segurança: “O primeiro é quanto à segurança de dados e transações. Com mais ferramentas, teremos mais exposições. O segundo é o passivo jurídico: em caso de fraudes e vazamentos, todos os participantes são responsáveis. A empresa que não é responsável terá o ônus de provar que não é responsável. Também tem o risco sistêmico. A entrada de novos players pode trazer esse desequilíbrio ao ecossistema. E a exclusão financeira também é um risco. É preciso lembrar que existe um gap de infraestrutura tecnológica. Você pode excluir a parcela da população que não é tecnológica”.
Abrão Costa ainda complementa: “Os bancos vão ter que se adaptar a um ambiente mais aberto, mais competitivo e mais próximo ao cliente. Existe uma cultura que precisa mudar. Mas não tenho dúvida que o sistema bancário brasileiro vai se adaptar a uma situação que é melhor para todos”.
Regulação e autorregulação
Durante sua presença no 13º Congresso de Meios Eletrônicos de Pagamentos (CMEP), na última terça-feira, 26, em São Paulo, João André Calvino Pereira, chefe de departamento de regulação do sistema financeiro no BC, defendeu que o Open Banking é um trabalho em desenvolvimento. De acordo com Pereira, o papel de regulação precisa ser feito em parceria com o ecossistema nacional, e terá tanto regulação com o BC atuando com governança quanto os players do mercado ajudando a estabelecer as definições de processos.
Pereira lembrou que existe uma agenda prévia estabelecida pelo BC, mas que pode ser alterada. Se confirmada, a agenda inclui: comunicado ao mercado com requisitos fundamentais do modelo de bancos abertos no primeiro semestre; workshop para apresentação do modelo e discussão dos próximos passos; abertura de consulta pública de regulação no terceiro trimestres de 2019; e a implementação gradual a partir de 2020, quando entrará a criação de padrão para dados públicos, depois dados cadastrais, dados transacionais e, por fim, serviços de pagamento. Inicialmente, o foco do Open Banking pode ser por instituições categorizadas em S1 e S2, ou seja, as mais robustas seguindo segmentação do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
“O processo tem que ser gradual com tempo para adaptação da sociedade e do próprio sistema financeiro”, disse o funcionário do BC. “Importante frisar que o agente central é o consumidor. Com o cliente você tem a figura do consentimento. Daí as possibilidades são grandes. Mas tem o desafio de abrir com segurança, com autenticação e protocolos e segurança, que deve ser discutido com o mercado na autorregulação. Vamos ter que definir padrões e protocolos robustos”.
Atraso?
Com os especialistas citando exemplos da prática do Open Banking nos Estados Unidos, na Europa e na Austrália, o Brasil parece estar atrasado em relação ao resto do mundo. No entanto, Pedro Coutinho, presidente da Abecs e da Getnet, acredita que não. Em sua visão, o desenvolvimento dos bancos abertos, principalmente na Europa, surgiram pois as instituições da comunidade europeia não conversavam entre si.
“Eu não acredito que estamos atrasados. Na Europa, eles começaram o processo (de Open Banking) no ano passado e têm até o fim do ano para implementar”, explicou Coutinho, em conversa com o Mobile Time.
Por outro lado, Ana Carla Abraão Costa, da Oliver Wyman Brasil, frisou que o processo de regulação começará em 2019 na Inglaterra. Contudo, assim como Charmet, do Itaú, disse que houve diversas falhas no processo do SPD2. Ela prefere dar o exemplo da Austrália, que começa seu processo de abertura a partir de julho deste ano, com término previsto para 2021.