A juíza Flávia de Macedo Nolasco, substituta na 16a Vara Cível da Justiça Federal do Distrito Federal, deferiu liminar em favor da Fox contra a decisão da Anatel de suspender, cautelarmente, a oferta de canais lineares da Fox por meio de Internet no modelo de venda direta ao consumidor. Confira aqui a íntegra do despacho da juíza.

A cautelar da agência, de 13 de junho, impunha à Fox a necessidade de que a contratação se desse por meio de uma empresa outorgada no Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), também conhecido como TV por assinatura. A juíza não entrou no mérito da questão, mas verificou apenas se a Anatel, no despacho cautelar, havia apontado os elementos necessários para uma medida suspensiva: indício concreto de irregularidade (fumaça do bom direito) e risco de demora em uma eventual decisão.

“A agência reguladora e suas autoridades coatoras não se mostraram convencidas de que o serviço oferecido pela impetrante caracterizaria prestação clandestina do SeAC ou, ainda, que esse fosse um serviço de telecomunicações e não de valor adicionado, o que inclusive não atrairia regulamentação do serviço de acesso condicionado (SeAC)”, analisou a juíza, ao consultar o despacho da Anatel. “Tanto não restaram evidenciados os elementos da denúncia que as próprias autoridades coatoras alteraram a classificação do pedido de denúncia, passando a recebê-la como direito de petição”, completou. Para ela “parece-me, prima facie, desproporcional a medida cautelar diante de fatos que sequer caracterizam, em uma primeira análise, uma denúncia”. Ainda segundo a liminar da juíza Flávia Nolasco, “quanto à verossimilhança das alegações, então, há constatação de extrema dúvida no setor, sendo imprescindível análise mais aprofundada, com a participação de diversos agentes do mercado de telecomunicações, por meio de consultas públicas. Ademais, também reconhecem tratar-se de situação nova no país, com inventividade e inovação”, disse ela, em referência à tomada de subsídios aberta simultaneamente pela agência.

“O contexto delineado evidencia, assim, dúvida razoável e não a verossimilhança necessária ao deferimento de medida cautelar”. Para ela, “o papel das agências reguladoras – no que se insere a Anatel – é a atuação pontual e de intervenção mínima, com o escopo de regular e agir apenas para evitar ou reprimir comportamentos predatórios, seja à livre concorrência, ao adequado funcionamento dos mercados ou à devida proteção dos interesses dos usuários/consumidores”. Para a juíza, “ao entender que a mencionada dúvida quanto à classificação do serviço oferecido pela FOX, penderia para a suspensão do serviço especificamente no que possui de inventivo, em prejuízo, daqueles consumidores que já contrataram livremente o serviço ofertado, as autoridades coatoras realizaram interpretação sem fundamento jurídico e em desacordo com a legislação de regência”.

Apesar da dúvida jurídica, “diante de tecnologias inovadoras, conforme já mencionado, há que se preservar, nesta fase incipiente do processo, o ineditismo e a livre opção dos consumidores e não um agir em sentido contrário, de forma a penalizar, a priori, tecnologias não tipificadas em sua inteireza nas normas de regência, mas de inegável desenvolvimento econômico e fomento à concorrência, até que seja devidamente estudada a matéria pelo órgão regulador”, diz o despacho da juíza.

Ela diz ainda que não havendo indícios da chamada “fumaça do bom direito”, também não ficou demonstrado o risco de demora em uma decisão na cautelar da Anatel. Isso porque a Anatel não demonstrou “concretamente qualquer evidência multiplicadora da prática analisada, nem efeitos deletérios oriundos de sua eventual replicação, não bastando, para tanto, conjecturas quanto a possível baixa de arrecadação”. Segundo a juíza, a mera alegação de que a Anatel ainda demoraria para se posicionar quanto à conformidade ou não do modelo ofertado pela impetrante não pode “militar em desfavor dos interesses de livre iniciativa e competição dos integrantes do mercado. Ou seja, se indeterminado o perigo da demora, como no caso, não há como subsistir decisão concessiva de liminar/cautelar”, disse a juíza. Para ela, “decorrido um razoável lapso temporal não ficou muito bem delineado qual seria o prejuízo, o perigo na demora que teria lugar com a permanência do aplicativo em comento, nem mesmo os deletérios impactos no mercado consumidor da manutenção da tecnologia da impetrante, tal qual desenvolvida, até que a agência delimite e regule tal prestação e sane, dentro de uma instrução processual mais abrangente, sua assumida dúvida sobre a citada tecnologia”.

Com isso, a cautelar da Anatel contra a Fox está liminarmente suspensa por ordem da Justiça. Caberá agora à agência recorrer da decisão.

Entenda o caso

As áreas técnicas da Anatel, no dia 13 de junho, emitiram uma cautelar impedindo a Fox de comercializar diretamente ao consumidor os seus canais lineares por meio da plataforma Fox+ (Fox Plus). Trata-se do modelo direct-to-consumer, que tem se mostrado bastante comum na estratégia das programadoras de TV paga tradicional como forma de se adaptarem a uma nova geração de consumidores e novos provedores de conteúdo que priorizam os conteúdos entregues pela Internet. O processo foi iniciado a partir de uma reclamação da Claro no final do ano passado, alegando assimetrias de regras na oferta de canais diretamente ao consumidor em relação àqueles ofertados a partir de operadoras de TV paga. A cautelar da Anatel diz que a programadora Fox deverá utilizar uma empresa outorgada no Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) para autenticar o acesso aos canais, assegurando o cumprimento das obrigações previstas na Lei do SeAC (Lei 12.485). Até o dia 15 de agosto a Anatel tem também uma tomada de subsídios aberta sobre o tema, para então o processo ser levado ao Conselho Diretor para uma decisão de mérito. As superintendências da agência já manifestaram, em entrevistas exclusivas aqui aqui, sobre os conflitos de interpretação entre a Lei do SeAC, Lei Geral de Telecomunicações e Marco Civil da Internet, e sobre os desafios conceituais em torno do caso. Além disso, o debate se insere em um contexto ainda mais complexo, pois em outro front a Anatel ainda analisa a aplicação da Lei do SeAC no caso da fusão entre AT&T e Time Warner (hoje Warner Media), cuja resolução depende agora do conselho diretor.

A agência também já se manifestou, inclusive ao Senado, sobre a necessidade de ajustes na Lei do SeAC. Importante destacar que a decisão cautelar é apenas sobre a Fox (não afetando outros casos similares, apesar do precedente), e tampouco afeta conteúdos sob-demanda (como aqueles oferecidos pela própria Fox, Netflix, Amazon etc), conteúdos ao vivo esporádicos (como jogos de futebol) ou conteúdos ofertados gratuitamente pela Internet. O assunto é polêmico e está dividindo a indústria de TV paga. Do lado da tese apresentada pela Claro e reconhecida, em parte, pela cautelar da Anatel, estão os programadores produtores independentes nacionais, a ouvidoria da agência e a associação NeoTV, que representa pequenas operadoras e TV paga e alguns ISPs de maior porte. Contra a posição da agência estão as gigantes de Internet, os grande grupos de comunicação brasileiros (especialmente os radiodifusores) e as programadoras estrangeiras e grandes produtores de conteúdo internacionais.

Evento

Os impasses regulatórios e legais decorrentes das questões em análise pela Anatel serão um dos principais temas do PAYTV Forum 2019, evento organizado pela TELETIME e pela TELA VIVA que acontece dias 30 e 31 de julho em São Paulo, no WTC Center. Mais informações sobre participantes confirmados, a programação completa e as condições de participação estão disponíveis no site www.paytvforum.com.br

 

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