Os cerca de 15 mil motofretistas que realizam entregas para a Loggi têm uma relação de emprego com a empresa, definiu a juíza titular da 8ª Vara do Trabalho de São Paulo, Lávia Lacerda Menendez, em decisão publicada nesta sexta-feira, 6, a partir de ação movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). A juíza determinou o prazo de três meses para que todos os entregadores sejam regularizados, sob pena de aplicação de multa de R$ 10 mil por infração por trabalhador. Também foi determinado que a Loggi cumpra uma série de medidas, como jornada máxima de trabalho de oito horas por dia; pagamento de adicional de periculosidade de 30% sobre o valor do frete; fornecimento de capacetes e coletes de segurança; garantia de descanso semanal de 24 horas consecutivas; dentre outras listadas mais adiante. Além disso, a Loggi e a L4B, transportadora que usa seus serviços e que também é ré no processo, terão que pagar R$ 30 milhões, a título de compensação pecuniária, a uma instituição beneficente à sua escolha. Ainda cabe recurso.
Vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em outra ação, entendeu que motoristas de Uber não são empregados da empresa. Os recursos da Loggi, entretanto, precisam acontecer dentro da Justiça do Trabalho, podendo chegar até o Tribunal Superior do Trabalh0 (TST). Leia ao fim desta matéria o posicionamento da companhia.
Em sua decisão, a juíza da 8ª Vara do Trabalho de São Paulo escreveu que o entregador da Loggi “não fixa o preço, forma de pagamento, logística, prazos, não define as condições da oferta do bem. Nesse caso, quem oferece o serviço e define suas condições é o aplicativo. Os clientes são do aplicativo, não dos entregadores. A relação do cliente se dá com o aplicativo, não com o entregador, visto que todos os entregadores fazem o mesmo serviço. O cliente não escolhe o entregador, o serviço ofertado pelo aplicativo, feito por qualquer entregador. O “bem” ofertado pela plataforma é um só: o serviço de entrega, sem distinção de preço ou qualidade. O aplicativo não é apenas o meio da realização da transação, mas seu próprio realizador, idealizador, vendedor, empreendedor. Ele estipula as regras e o prestador de serviços e o cliente final a elas aderem como num contrato de adesão: não se negocia preço ou modo de confecção ou realização.”
Em outro trecho, ela embasa sua decisão com argumentos sociais, jurídicos e econômicos: “Houve muita luta, muitas mortes para que se estabelecessem direitos trabalhistas mínimos no mundo todo. Não há como se dar as costas à História: a evolução humana demonstrou ser este o melhor caminho. A imposição de um patamar mínimo de civilidade é que fará o País progredir, com mais renda e proteção social aos que vendem sua força de trabalho a um aplicativo que também representa progresso. Não há como a nação progredir como tal deixando cidadãos à margem da evolução e das conquistas sociais. Uma nação não pode ser próspera apenas para o topo da pirâmide, sob pena de ser, no seu todo, pobre e desafortunada. E isso terá seu preço, com maior pobreza, marginalidade, ausência de educação, incremento de violência. O contrário do que preceitua a Constituição Federal de 1988. Trabalhadores bem empregados e com mais renda aquecem a economia do País, pois têm maior poder de compra e podem movimentar a venda de serviços e produtos, impulsionando o comércio e as indústrias de bens. É um círculo virtuoso. Nesse sentido, cumpre ao empreendedor obedecer a Constituição Federal e as leis trabalhistas, fomentando um real desenvolvimento nacional, não apenas de seu negócio e do negócio de seus clientes. Há que se ver seus trabalhadores também como seus clientes.”
Seguem abaixo as obrigações trabalhistas da Loggi determinadas pela referida decisão judicial:
1) Efetuar o registro em sistema eletrônico de todos os condutores profissionais cadastrados em seu sistema que tiveram efetiva atividade nos últimos dois meses, desde 6 de outubro de 2019. Isso deve ser feito até 6 de março de 2020.
2) Abster-se de contratar ou manter condutores contratados como autônomo, por meio de contratos de prestação de serviço, de parceria ou qualquer outra forma de contratação civil ou comercial.
3) Contratar condutores com idade mínima de 21 anos, dois anos de habilitação na categoria, aprovação em curso do CONTRAN e que usem colete de segurança dotado de dispositivos retroreflexivos.
4) Abster-se de contratar condutor inabilitado legalmente e vetar o uso de motocicleta ou motoneta que esteja em desconformidade com as exigências legais.
5) Abster-se de instituir prêmio por produção, taxa de entrega ou comissão, em caráter individual ou coletivo, como forma de pagamento de salário ou remuneração, não permitindo que os ganhos de produtividade dos seus empregados motociclistas se deem com a intensificação do trabalho ou aumento da carga de trabalho.
6) Implementar o pagamento de adicional de periculosidade, na base de 30% sobre o valor bruto do frete devido aos seus condutores, em rubrica própria, a partir de seis de março de 2020.
7) Comprovar a disponibilidade de imóvel apto ao estacionamento dos veículos, às dependências para escritório e aos condutores no aguardo de ordens de serviço, a partir de seis de março de 2020.
8) Considerar como jornada de trabalho de seus condutores o tempo de deslocamento até os pontos de coleta e entrega, na condução efetiva do veículo, bem como o tempo integral de coleta e de entrega das mercadorias, aí incluído todo o tempo de espera pelo cliente e para a conclusão do frete aceito, a partir de seis de março de 2020.
9) Implementar de forma efetiva e eficaz o controle da jornada de trabalho dos seus motoristas e condutores profissionais, documentando-a por meio eletrônico que garanta inviolabilidade e inalterabilidade dos eventos informados pelo motorista e captados pela plataforma.
10) Promover a disponibilização de acesso telemático de informações necessárias à checagem da jornada por parte das autoridades administrativas e judiciais competentes, bem como o acompanhamento e fiscalização por parte dos próprios condutores.
11) Limitar a jornada diária de trabalho de seus condutores ao máximo de oito horas de serviço por dia, observando-se o tempo de condução da moto e de espera para coleta e entrega na realização do frete, conforme tópico anterior, a partir de seis de março de 2020.
12) Implementar o período mínimo de 11 horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho, a partir de seis de março de 2020.
13) Implementar o descanso semanal de 24 horas consecutivas, a partir de seis de março de 2020.
14) Disponibilizar base para ponto de encontro ou espera, com condições adequadas de segurança, sanitárias e de conforto, para repouso e descanso dos motoristas e condutores profissionais com o fornecimento de água potável em quantidade suficiente nos locais de descanso.
15) Adequar e implementar o PPRA, de acordo com a NR 9, reconhecendo e especificando todos os riscos presentes, de acordo com o produto transportado, definindo-se, para cada caso, as medidas de proteção necessárias, incluindo-se os equipamentos de proteção individual obrigatórios às atividades e incluindo no documento as avaliações quantitativas programadas.
16) Adequar e implementar o PCMSO, após a revisão do PPRA, de acordo com os riscos a que os trabalhadores estão expostos, obedecendo-se ao disposto na NR 7.
17) Fornecer capacetes certificados de motociclistas, bem como coletes de segurança dotado de dispositivos retrorreflexivos, a 5 mil condutores dentre os mais ativos em sua plataforma, à sua escolha, exigindo seu uso, com especificação no PPRA, a partir de seis de março de 2020.
Resposta da Loggi
A Loggi emitiu o seguinte comunicado sobre a decisão judicial:
“A Loggi lamenta a decisão da Justiça do Trabalho que considerou, em primeira instância, a existência de vínculo de emprego entre entregadores e a empresa de tecnologia.
A empresa reitera que a decisão pode ser revista pelos tribunais superiores e que continuará gerando renda para milhares de entregadores, clientes e movimentando a economia brasileira.
Para garantir a proteção social aos milhares de entregadores autônomos, a Loggi só cadastra profissionais que sejam Microempreendedores Individuais (MEI), sistema criado pelo governo federal para formalizar os profissionais e assegurá-los aposentadoria e assistência social.
Preocupada com todos os parceiros, a Loggi disponibiliza seguro contra acidentes, oferece cursos de pilotagem, realiza campanhas permanentes de segurança no trânsito e disponibiliza locais para descanso e convívio (Toca da Loggi) para todos os entregadores autônomos.
As novas tecnologias vieram para promover a aproximação de profissionais liberais com pessoas interessadas na contratação, proporcionando maior geração de renda, oferecendo oportunidades que não existiam anteriormente. São médicos, advogados, motoristas e entregadores que podem se beneficiar dessa revolução tecnológica.
Essa transformação digital já está trazendo mudanças estruturais em todo mercado de trabalho e na economia, a partir de jornadas mais flexíveis e uso de tecnologias para encontrar oportunidades de renda.
Em modelos de negócio que promovem a inovação, é natural que haja dúvidas sobre como eles funcionam. Desde outubro de 2018, a empresa tem dialogado com o Ministério Público do Trabalho e os demais órgãos responsáveis, esclarecendo as dúvidas acerca do funcionamento de sua plataforma.”