O impacto do novo coronavírus (Covid-19) na indústria brasileira é visto como pontual, por enquanto, na opinião de especialistas da indústria e da economia brasileira. Mobile Time conversou com especialistas do Insper, FGV e Fiesp nesta quarta-feira, 4, para entender o atual cenário, e analisar o que pode acontecer no futuro. A economista e professora da FGV IBRE Renata de Mello Franco acredita que o principal efeito negativo do Covid-19 será na balança comercial, uma vez que a China é a segunda maior economia do mundo e o principal parceiro comercial do Brasil.
“O efeito será via importação e exportação. Tecnologia é o primeiro, pois necessita mais dessas peças. Para a economia, isso é um ‘choque de oferta e demanda’. Não é diminuição de demanda, ainda há consumo. Impacta a oferta e a produção, mas ainda é pontual”, comenta Franco. “Fizemos uma sondagem com a indústria – 1,1 mil entrevistados –, e a parte de eletrônicos deve ter impacto nos próximos meses de março e abril”.
André Rebelo, assessor de assuntos estratégicos da Fiesp, também acredita que as indústrias de eletrônicos, informática e automóveis serão as que sofrerão mais com o problema, mas ele minimiza o impacto no Brasil em comparação com outros países. “Aqui temos dois casos de contaminação provenientes da Itália. Não há indícios de contaminação dentro do território nacional. Pode ser que sofra menos no mercado interno. Na bolsa de valores e no mercado de commodities, eles reagiram de forma aumentada, principalmente com a chegada da doença na Europa”, afirmou Rebelo. “No mercado interno estamos vivendo um momento de retomada. Não teremos dificuldades. Na China, a produção já começa a retomar. Por enquanto nós temos indícios de efeitos localizados (como a fábrica da LG) no Brasil. Mas para ter a real extensão, teremos que esperar os efeitos concretos da balança comercial e do mercado interno”.
Embora acredite que o problema do Covid-19 no Brasil seja pontual, Juliana Inhasz, economista e professora do Insper, lembra que a doença chegou ao País há pouco mais de uma semana. Em sua visão, o cenário pode se agravar nas próximas semanas e se estender para setores como finanças e serviços. “A percepção é que, se isso se intensificar, a sensibilidade será maior. Hoje falamos de indústrias que trabalham com algum tipo de estoque. Não deve ter falta de tablet e celular, e o mercado consumidor não deve sentir esse efeito por enquanto. Mas pode se alastrar para outras áreas e massificar o efeito do novo coronavírus na economia”, disse a economista do Insper.
Cenários e comércio
Quando perguntados sobre o cenário com o Covid-19 em médio e longo prazo, os especialistas divergem. Enquanto Rebelo e Franco afirmam que o cenário é de aceleração na economia e até contratações na indústria eletrônica, mesmo com uma oferta reduzida por falta de insumos da China, Inhasz aponta que pode haver demissões.
“Se isso se alastrar, as pessoas não saem de casa e travam o consumo. Esse final da cadeia pode ser prejudicado. No contexto da economia brasileira, que está bem devagar (com PIB de 2019 tendo crescido 1,1%), todos os setores podem sofrer bastante. Mas serviços – como restaurantes e deliveries – podem sofrer mais”, prevê a professora do Insper. “O que vai prejudicar é a existência de demanda ou não. Isso acontece na China hoje. As fábricas não estão produzindo. Naturalmente, as fábricas paradas dão férias coletivas, demitem ou entram em falência”, diz.
Rebelo, por sua vez, entende que o cenário não é negativo, mas tampouco está claro. Para ele, a outra ponta da cadeia – o comércio e o consumidor – pode passar “incólume” ao Covid-19: “Se olharmos a indústria brasileira como um todo, os estoques estão abaixo da média, o que mostra que a economia está aquecida. Do celular, falta componente na linha de fábrica. Mas ainda não tem desabastecimento na ponta e tem demanda”.
Panorama positivo
Os entrevistados foram convidados a comentar dois possíveis cenários futuros: 1) um positivo, com retomada da produção chinesa a partir da segunda quinzena de março e começo de abril; 2) um negativo, em que os casos da doença começam a diminuir apenas na virada do primeiro para segundo semestre, quando as temperaturas esquentam e as doenças transmissíveis pelo ar perdem a força.
Se acontecer o cenário positivo, Franco, da FGV, acredita que a economia nacional sentirá um impacto leve nos resultados do segundo trimestre de 2020: “Talvez tenha um freio na indústria, mas não deve ser uma queda”.
Neste caso, por sua vez, Inhasz, do Insper, acredita que a indústria brasileira voltaria à plena produção apenas em junho, pois haverá um ritmo de reabastecimento das fábricas em abril e maio.
Rebelo, da Fiesp, reconhece que haveria alguma perda, mas pontual: “Nesse cenário com retomada da China em março, a economia sofre um soluço. É um choque, mas volta ao normal depois”.
Panorama negativo
Agora, no cenário negativo, Franco prevê impactos nas importações do Brasil para China. E, caso as fabricantes não realoquem a cadeia de produção global, algumas fábricas seriam “fechadas” e alguns produtos “não serão produzidos” em 2020. Por sua vez, Inhasz diz que neste caso o ano pode ser perdido.
“Se não resolver ou controlar a doença até junho ou julho, nós teremos mais danos na economia”, diz Inhasz. “Eles (chineses) só voltariam a produzir plenamente em setembro e outubro. No nosso caso, nós podemos sentir o efeito do Covid-19 – na economia – até o final do ano. Basicamente, acaba o ano para o Brasil”.