A atual crise do novo coronavírus (Covid-19) mostrou ao mundo o problema em relação à concentração da produção global de tecnologia na China. Procurando margens mais justas e mais lucro na produção, as grandes empresas de tecnologia levaram suas produções para a China Continental e agora sofrem os efeitos de uma crise.
“Se for pensar que a China é a segunda maior economia do mundo, é normal. Mas é um problema concentrar tudo no lugar só. No SARS (síndrome respiratória aguda grave) teve isso, mas a economia da China não impactava tanto”, disse Renata de Mello Franco, economista e professora do FGV IBRE. “Distribuir essa cadeia para outros países e regiões é algo a se pensar no futuro, como a logística pode ser feita para contornar esses problemas.
A especialista lembra que 40% das peças que atendem as indústrias de eletrônicos, eletrodomésticos, químicas, têxtil e automobilísticas vem de Hubei, região que responde pela maioria dos casos com Covid-19 na China. Além disso, 25% da produção mundial de insumos de tecnologia vêm desta província que está praticamente isolada do resto da China, para não agravar o cenário com mais casos no país.
Dependência
Para André Rebelo, assessor de assuntos estratégicos da Fiesp, a crise com a Covid-19 traz uma lição para as grandes empresas: “Esse é o grande resultado dessa crise. A concentração em um só país mostra o risco que traz para essa cadeia. Precisamos dar uma diversificada. Lógico, lá são plantas bilionárias e eles se especializaram em manufatura nas últimas duas décadas. Mas é estratégico dar uma diversificada”.
Ainda assim, o especialista da Fiesp lembra que a China tem relevância global na economia hoje. Recordou que a China nos anos 2000 nem era parte da OMC e que estava começando a indústria leve. Hoje, o país é o segundo PIB no planeta com crescimento anual variando entre 6% e 7% no PIB. “Eles têm um papel importante nas cadeias de valores internacionais. O Covid-19 parou a China, isso foi algo sem precedentes. Mas, mesmo arrefecendo o problema com o supply chain, as grandes sofrem com o efeito da demanda para o mercado consumidor chinês”.
Efeitos
Juliana Inhasz, economista e professora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), indica que foi uma “estratégia arriscada” das empresas de tecnologia colocar toda ou grande parte de suas produções na China: ”Os produtores sabiam que estavam diante dessa escolha. Mas ninguém pensou nesse problema. Eles podiam buscar outros fornecedores, mas eles ficaram na China pois era a opção mais barata”.
“Ninguém imaginou que o risco da China era grande. Imaginaram que o risco era baixo, improvável, mas isso também acontece. A indústria paga o preço, mas a sociedade paga junto”, completou.
Agora, o cenário da crise do novo coronavírus traz efeitos não apenas aos fabricantes, mas para toda sociedade brasileira. Inhasz explicou que a falta de peças por uma demanda não suprida pela China provoca efeitos para todos, não apenas para a indústria, principalmente com escassez de produtos. A economista explica que isso acontecerá independentemente de o Covid-19 se alastrar ou não no Brasil.
“Podemos ter problemas na oferta e no abastecimento mesmo sem o corona no Brasil, isso por conta da dependência dos importados. Estamos falando dos componentes, mas também daquilo que chega pronto, como os tecidos para roupas brasileiras”, explicou a profissional do Insper. “O mercado brasileiro pode ficar desabastecido e ter escassez por casos específicos do mercado chinês. Pode levar ao aumento abrupto de preços e demais consequências de falta de produtos”.
Eventualmente, Inhasz acredita que haverá aumento de preços para o consumidor final, inclusive de produtos que são feitos dentro do Brasil: “Vamos começar a enxergar mais caro tudo na prateleira. Não só aquilo que é importado, mas aquilo que é produzido aqui dentro. O caso recente do aumento da carne foi um exemplo”.
“Eles (chineses) vão começar a querer o produto brasileiro. Vamos sofrer efeito daquilo que é importado, eles vão chegar em menor quantidade e mais caros ao País. E, se tiver que usar o produto doméstico, ele é ruim e caro. No final das contas, o custo vai ficar para a sociedade”, completou.