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A segunda parte da série de reportagens sobre home office em tempos de coronavírus aborda as implicações legais e trabalhistas deste modo de serviço. Conversamos com especialistas em direito, líderes em recursos humanos, sindicalistas e economistas para entender quais os reais impactos do trabalho remoto na sociedade, e os deveres e direitos de empresas e trabalhadores. Vale lembrar que, na primeira reportagem, Mobile Time abordou como as empresas de diferentes portes estão se adaptando ao trabalho remoto.

Teletrabalho x home office

A primeira observação a ser feita é que há diferença jurídica entre home office e teletrabalho: o primeiro é uma medida informal entre empresa e funcionário e o segundo é um acordo contratual, como explica a professora de direito da Universidade São Judas, Laura Mascaro: “O teletrabalho entrega produtos, serviços, prazos. No home office é igual ao escritório. A empresa pode determinar que bata ponto no home office. O colaborador tem que se comportar da mesma forma na empresa, ou seja, precisa trabalhar das 8h às 18h, com hora de almoço, e pode ter horas extras”, explica Mascaro. “No teletrabalho, ele não tem o controle da jornada. Só precisa cumprir as atividades combinadas. No aditivo contratual tem que definir o reembolso e o contrato de equipamentos”.

Mascaro explica que uma empresa pode adicionar o aditivo contratual do teletrabalho a um funcionário que está no regimento de contrato normal, via CLT. No entanto, Arthur Braga, fundador do escritório B.onuz, acredita que o ideal para as companhias que têm funcionários que trabalham no escritório e farão suas jornadas em casa é manter o modelo de home office.

“O mais simples é o home office. Não precisa de contrato e assinatura do funcionário. É uma política interna da empresa. Mas no home office o funcionário precisa fazer autodeclaração da jornada dele”, disse Braga. “Para o trabalhador, o teletrabalho talvez compense, pois tem o pagamento de algum subsídio. Mas a empresa pode negociar algo para ele, como o vale-transporte, que acaba sendo destinado como subsídio sem alterar o contrato”.

Direitos do trabalhador

Para Mobile Time, a professora da São Judas explicou que embora não tenha uma legislação específica para casos de pandemia e quarentena na CLT, há algumas leis que devem ser seguidas e que garantem direitos aos trabalhadores, como o artigo 483 da CLT, que permite ao empregado rescindir o contrato de trabalho diante de mal considerável. Ou seja, sem justa causa com uma eventual indenização.

Há também o artigo terceiro da lei 13.979/2020, sobre falta justificada, que considera isolamento ou quarentena. É o caso de pessoas que ficam isoladas por suspeita de terem contraído a Covid-19. Nele, a falta é justificada em 14 ou 40 dias. Nos 14 dias, quem arca com a remuneração é a empresa; em 40 dias quem paga é o INSS por auxílio doença. E não se considera abandono de emprego ou abertura de precedente para justa causa.

Por sua vez, a constituição do Estado de São Paulo, no artigo 229, parágrafo segundo, prevê a greve de perigo. Se a pessoa trabalha em área de perigo, como uma pandemia viral, pode organizar uma greve de perigo.

“A CLT não tem previsão para a condição atual (Covid-19). No entanto, o empregador deve assumir os riscos da atividade econômica. Ele tem os lucros ou prejuízos. Mas tem a dignidade da pessoa humana, que é direito não do trabalhador, mas de qualquer cidadão”, completa Mascaro.

Direito do empregador

Pelo lado das companhias, Mascaro afirma que o trabalhador não pode exigir o home office. Esta é uma atividade de comum acordo, mas que deve partir do empregador. E, quando aplicada, deve seguir as mesmas regras do escritório. Ainda assim, Braga esclarece que as leis brasileiras não estavam prontas para o cenário pandêmico: “Como a pandemia é uma coisa nova, ninguém estava esperando, muitas coisas não estavam previstas na legislação. O código de defesa do consumidor não estava pronto, por exemplo. A gente tem que se basear hoje nos especialistas de direito e nas regras de outros países, como Alemanha e EUA”.

O executivo da B.onuz acredita que um diferencial para os empresários será a MP 927. Entre os termos da medida provisória que auxiliam as firmas estão: a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, algo em torno de três meses; a redução da jornada de trabalho (layoff) em até 50% – hoje é possível reduzir 20% do tempo e 25% do salário; e a notificação de férias de dois meses para 48 horas.

Contudo, independentemente do cenário com a MP, o advogado sugere analisar a situação do funcionário em relação às férias, individuais ou coletivas (via sindicato). A ideia é gerar menos impacto na empresa, e com isso se planejar melhor.

Em relação à ressalvas, o fundador da B.onuz lembra que o uso do WhatsApp para comunicação após o horário de trabalho deve ser evitado, pois pode caracterizar hora extra. E lembra que em caso de startups e outras firmas que contratam pessoas jurídicas (PJ), o contrato entre empresa e prestador de serviço não é determinante. Para o juiz do trabalho, o importante é o vínculo trabalhista que um empregador tem com o funcionário, independentemente se é PJ ou não.

Compreensão

Uma pesquisa da Robert Half da última semana revelou que 83% entre 240 profissionais brasileiros aderiram ao trabalho remoto na última semana. Desses, 3% dizem que a empresa não forneceu o material para trabalho e 30% não confiam totalmente em seus gestores neste cenário.

Simone Pita, especialista de recursos humanos e professora de carreiras na HSM University, explica que o ideal é que a empresa entenda o funcionário e suas necessidades. Ela cita como exemplo a oferta de benefícios neste período de crise, como Wi-Fi, dispositivos em comodato, flexibilidade de horários.

Em sua visão, Pita acredita que “uma empresa que se preocupa com o funcionário já é um diferencial”. Para a especialista, uma empresa que ofereça um bom clima e entenda que qualidade de vida para o funcionário faz diferença. Além disso, as companhias devem considerar essa relação para não mancharem suas imagens no mercado.

Impactos

Na prática, o cenário entre trabalhadores pode se agravar na crise. Na última semana, a Samsung esteve prestes a ter seus funcionários cruzando os braços na fábrica de Campinas, mas um acordo foi firmado com o sindicato local. Em São Paulo, o Sindicato dos Processadores de Dados (Sindpd/SP) tem notado aumento das reclamações neste período de crise.

“Aumentou um pouco (as reclamações). Mas isso é natural, sobretudo quando as pessoas estão apreensivas e amedrontadas. Mas nosso maior conselho é que devemos ampliar ao máximo o isolamento neste momento para recuperarmos a normalidade o mais rápido possível”, diz Antonio Neto, presidente da entidade de classe.

“Como nosso setor é essencial, estamos buscando adequar as demandas das empresas com a preservação e proteção dos trabalhadores. Dialogamos, consultamos os envolvidos para firmar acordos de home office, horário diferenciado de trabalho, redução de jornada, antecipação de férias etc. Enfim, tudo o que for necessário para reduzir o trânsito de profissionais e para garantir o funcionamento on-line das empresas”, completou.

Na economia, Fausto Augusto Junior, diretor técnico do Dieese, pede que as empresas não façam cortes de funcionários ou reduções de salários. Ele alerta que uma grande parcela da sociedade brasileira está sendo afetada pela crise pandêmica. Cita especificamente os trabalhadores informais e a população vulnerável. Para reduzir esses impactos, há necessidade de compreensão da sociedade de um terceiro grupo, os trabalhadores fixos e estabilizados que ajudarão a manter a economia ativa.

“O trabalhador tem que manter o máximo possível da renda. Um trabalhador formal não vai sustentar só sua família. Nessa crise, o mais provável é que esse trabalhador vai ter que ajudar o irmão desemprego, o cunhado informal, os pais idosos… Eles vão ter solidariedade”, prevê Augusto Junior. “São essas pessoas que poderão pegar a renda e partilhá-la. A manutenção do salário e das rendas dessas pessoas é o que manterá o sistema sobrevivendo”.

 

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