Embora as medidas de isolamento social por conta do coronavírus tenham causado impacto no perfil de tráfego, ainda não há um estresse nas redes suficiente para se repensar a gestão da infraestrutura, como a neutralidade de rede. O diretor de relações governamentais da Cisco, Giuseppe Marrara, reforça o que a empresa afirmou nesta semana – não há motivo para pânico, as operadoras ainda têm capacidade para lidar com a demanda gerada. Além disso, explica, a legislação brasileira pode cobrir eventuais necessidades de priorização no trânsito de pacotes, como em serviços de telemedicina.
Sobretudo em atividades corriqueiras para o usuário final e residencial, a quebra da neutralidade de rede continua sendo inexequível. “Não há que se discutir que existe alguns tipos de tráfego que são mais importantes que outros e precisam ser priorizados, e estamos agora descobrindo isso com esse novo normal. Capacidade das redes não é um problema”, afirmou ele em entrevista a este noticiário.
Para serviços críticos, mais sensíveis a um nível de acordo de serviço (SLA) mais alto, há a previsão no próprio Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que Marrara diz ser “bem flexível” para tratar de garantir excessões à neutralidade. Um exemplo é no gerenciamento. “Imagina como a Internet estaria agora [sem a gestão] com a redistribuição da origem do tráfego e com a mudança do balanço de upstream”, diz.
Outro ponto é o da própria segurança: com a maior presença online, aumentaram as ameaças. “Imagina o que seria da gente se já não tivesse a capacidade técnica de bloquear DDoS”, pergunta, citando o tipo de ataque de negação de serviço. Atualmente, graças a essa previsão na legislação, as operadoras conseguem bloquear portas e a origem de um determinado ataque DDoS. “Na minha opinião, essas duas regras são fundamentais para manter a estabilidade da Internet, e são mais importantes do que nunca agora”, afirma.
Serviços sensíveis, como a telemedicina, também são previstos na exceção do Marco Civil da Internet. Para o diretor da Cisco, seria apenas o caso de encaixar como a exceção prevista na legislação. Ele antevê que talvez seja necessário detalhar o serviço especializado, como home care, intensivo, cirurgia a distância ou uma simples consulta. “Talvez se a gente chegar nesse ponto, a gente entra na discussão prática do que é o serviço especializado”.
Redução da capacidade
Novamente, Giuseppe Marrara entende que as regras só precisariam ser rediscutidas se a capacidade da rede realmente virar uma questão, mas ele prevê que isso não será um problema de curto ou médio prazo. Isso porque as empresas já se preparavam para um crescimento exponencial da curva do tráfego, com maior uso de vídeo e mais dispositivos conectados com a Internet das Coisas. Além disso, a chegada de novas tecnologias como 5G e Wi-Fi 6 devem trazer um salto de capacidade. “Foi o motivo pelo qual a gente gastou para lançar um novo core de rede no ano passado, com 50 vezes mais capacidade”, declara. “As operadoras trabalham com pelo menos um ano de [previsão de] capacidade pela frente, já existia esse tipo de preparação”, diz.
Mesmo que as redes não estejam propriamente sobrecarregadas, existe uma preocupação para que a demanda possa ser atendida pelas teles. Por isso, e com pressão de reguladores em todo o mundo, empresas over-the-top como Netflix, YouTube e Facebook (além do Instagram e do WhatsApp) adotaram medidas para reduzir o tráfego. Marrara acredita que também cabe aos usuários um “bom senso no uso dos recursos” – como exemplo, cita a medida de redução de envios de uma mesma mensagem no WhatsApp, para evitar a disseminação de fake news. “Tem o efeito colateral de diminuir o tráfego, já que eles viram um crescimento de sete vezes na Europa.”
Obviamente há cenários mais pessimistas que forçariam novos sistemas essenciais. Marrara diz que um sistema de entrega de produtos por drones, por exemplo, teria que ter prioridade na rede para uma latência menor. “Até a análise do que é um serviço essencial pode flutuar ao longo do tempo. O que tem que acontecer realmente é que, nós como sociedade, estejamos munidos do mesmo objetivo no bem comum, e que reguladores e legisladores estejam sempre atentos para identificar novidades que exijam nova regulação.”
Futuro
Eventualmente passando a crise pandêmica do coronavírus, há uma expectativa de que o mundo já terá passado por muitas mudanças, algo que a Cisco chama de um “novo normal”. Isso terá reflexo na transformação digital, acelerada nas últimas semanas com o aumento exponencial da importância de atividades remotas como telemedicina, educação a distância e mesmo o teletrabalho (home office). “Não acho que se vai regredir o uso, porque depois que se der o passo [à digitalização], vão ver o conforto que isso traz”, avalia.
É o caso do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Brasil, que na semana passada conseguiu retomar atividades utilizando a plataforma Webex da fornecedora. “Não está sendo fácil para eles, mas depois que o juiz ver que o dia dele rende muito mais, é mais seguro, prático e barato fazer audiência de colaboração, claro que não vai ter volta.”