O Mercado Livre registrou em meados de abril a melhor semana em volume de vendas em toda a sua história no Brasil. Com a quarentena, seu braço de pagamentos, o Mercado Pago, precisou redefinir suas prioridades de curto prazo, focando no desenvolvimento de funcionalidades como o saque por QR code e o link de pagamentos, serviços cuja demanda tem aumentado neste período. Por outro lado, em razão da excepcionalidade do cenário atual, com empresas concentrando esforços em se reinventar, o vice-presidente do Mercado Pago no Brasil, Tulio Oliveira, teme que nem toda a indústria financeira e de pagamentos consiga cumprir o cronograma estabelecido pelo Banco Central para que o serviço de pagamento instantâneo PIX seja lançado em novembro. O executivo entende que seria mais prudente adiar o prazo, disse em entrevista para Mobile Time.
Mobile Time – O uso do Mercado Pago vinha crescendo muito antes da quarentena impulsionado pelo pagamento por QR code em estabelecimentos comerciais. Na Black Friday, com ajuda de promoções com redes como Burger King e McDonald’s, vocês registraram 500 mil downloads do app em dois dias. Qual foi o impacto na operação depois da quarentena?
Tulio Oliveira – Para responder a esta pergunta preciso primeiro separar bem as operações. São três mundos: e-commerce, maquininhas e conta digital/wallet. No e-commerce, houve nos primeiros dias bastante impacto no mercado. Muita gente estava sem saber o que fazer, não sabia se ia ficar em casa, se ia sair… Houve uma paralisia em todo mundo nas primeiras semanas. Mas depois as pessoas perceberam que iam ficar em casa por mais tempo e aí o e-commerce explodiu. Tanto no Mercado Livre quanto nos clientes do Mercado Pago que operam fora do Mercado Livre estamos vendo crescimentos bastante expressivos. A semana passada (nota do editor: na verdade, semana retrasada, pois a entrevista foi feita na quarta-feira, 22) foi a melhor do Mercado Livre na história no Brasil. Tivemos um volume forte. Muita gente que não comprava online ou que desconfiava desse canal está sendo forçada a comprar online. A tendência de digitalização, que já existia na sociedade, agora está se acelerando. Há muitos usuários novos comprando pela primeira vez.
Em termos de maquininhas, nosso público é o empreendedor individual, o pequeno empresário, o microempresário, o primeiro entrante no mundo empreendedor. Esse público está na rua trabalhando. O volume de processamento diminuiu um pouco, mas vemos bastante resiliência nesse público, porque são pessoas que não podem ficar sem trabalhar. Elas precisam sair de casa e ganhar a vida. Esse público está se reiventando também, não só vendendo no mundo fisico, mas começando também a vender online. O Mercado Livre é uma plataforma bastante democrática nesse sentido: qualquer pessoa com algum produto pode fazer a venda online, sem necessidade de ter uma loja de e-commerce. Vemos esse público acessando esse canal e fazendo vendas em outros canais, como aplicativos de comunicação, como WhatsApp ou redes sociais, e usando outros meios de cobrança. Temos uma solução de cobrança à distância, que é o link de pagamento, e vimos um crescimento forte na utilização dele, porque as pessoas começam a enviar cobrança por WhatsApp, Facebook e Instagram. Existe uma mudança de comportamento.
Por fim, a conta digital está sendo mais utilizada nas suas ferramentas intrínsecas: são muito mais clientes pagando compras à distancia, por exemplo. Até então muita gente não tinha aderido a pagamentos de contas ou boletos. Outros serviços online dentro do app também cresceram e alguns caíram, como transporte púbico, porque diminuiu bastante o trânsito de pessoas.
Em relação ao código QR, temos estimulado a base. Temos muitos pequenos estabelecimentos comerciais que processam via QR, e grandes cadeias também. Muitos têm utilizado nossa ferramenta de desconto dentro do app para gerar tráfego. Eles também estão se reinventando. Tirando as grandes cadeias, que estão com as lojas fechadas, está todo mundo indo para delivery ou entrega no balcão. É esse o comportamento que vemos no setor de alimentação.
Portanto, como nosso modelo é bastante diversificado, ele tem se mostrado resiliente e temos entregado soluções que facilitam a vida das pessoas.
Como está o volume de pagamentos diários atualmente, se comparado com a média de janeiro ou fevereiro, pré-quarentena?
Ainda não estamos com números abertos, porque estamos em período pré-publicação de resultado.
A pandemia alterou os planos da empresa para este ano? De que forma?
O link de pagamento é uma funcionalidade que a gente não botava foco e que tivemos que inverter a prioridade. Agora pusemos bastante foco nisso. E vimos uma resposta muito positiva. (Nota do editor: As transações com link de pagamento no Mercado pago cresceram 180% em março, em comparação com o mesmo período do ano passado, informou a assessoria de imprensa da companhia, após a entrevista).
Como funciona o link de pagamento?
O link abre uma tela de pagamento e não precisa ter conta no Mercado Pago para pagar. Pode pagar por boleto, por exemplo.
Alguma outra ferramenta foi priorizada por causa da pandemia?
O saque com QR Code na rede Tecban. Estávamos testando em menor escala e disponibilizamos para todo mundo agora. Desta forma, quem recebe o auxílio emergencial da Caixa, por exemplo, pode transferir para uma conta do Mercado Pago e sacar imediatamente. Começamos a comunicar essa ferramenta agora. Custa R$ 4,90 por saque com QR Code.
A pandemia altera de alguma forma a estratégia da empresa a longo prazo?
Não. Ela continua pautada no mundo de e-commerce para o Mercado Livre e pagamentos com Mercado Pago. Estamos bem posicionados nos dois para crescimentos no longo prazo. Claro que tem ajustes de prioridades: algumas iniciativas perdem prioridade em relação a outras. Alguns projetos de tecnologia também mudam. O saque por código QR teria roll-out mais lento e decidimos fazer muito mais rápido, enquanto paramos de fazer outras coisas. Fora esse exercício interno de priorização, no longo prazo prossegue a revolução de pagamentos digitais e contas digitais. O Mercado Pago vai servir a essa revolução. E o Mercado Live serve ao e-commerce.
Como vê a iniciativa de alguns governos de usarem apps de carteiras digitais ou mobile banking para pagamento de benefícios sociais, como fez o Governo Federal com o Caixa TEM e o governo de São Paulo com o PicPay?
A gente vem perseguindo isso também. Estamos conversando com o governo federal e com governos estaduais e municipais que possam ter essa necessidade. Temos tecnologia, capilaridade e falamos a língua desse público, que é o cliente que não tem um cartão mas que pode sacar dinheiro do auxílio emergencial. A gente resolve isso bem facilmente, de maneira simples. Achamos que antes existia um pouco de desconhecimento de que essas plataformas poderiam ser usadas. No momento em que todo mundo precisa repensar a forma de fazer, estamos preparados para atender. Estamos conversando com vários órgãos públicos.
E quais são as suas expectativas em relação ao PIX? O Banco Central tem reiterado que o lançamento está confirmado para novembro.
O pagamento instantâneo é benéfico para todos. Poder enviar dinheiro de uma pessoa para outra ou para uma empresa ou para um governo 24 por sete é bom para a sociedade como um todo porque será mais barato. Quanto ao cronograma, o grande desafio que se impõe, e temos falado disso com o regulador, é que todas as empresas estão focadas em reinventar seu negócio, o que constitui uma complexidade adicional para entregar algo em novembro. O Banco Central vem falando que não vai alterar o prazo ou o cronograma, e a gente segue com os planos internos de integração e desenvolvimento, mas vemos desafios da indústria como um todo para estar pronta em novembro. Tem gente que está mais confortável e outros menos nessa crise. Lançar um produto novo em um cenário de pandemia com as equipes trabalhando 24 por sete é complexo. Os recursos são limitados, e neste cenário estão ainda mais limitados. Com empresas com problemas financeiros ou de liquidez, colocar todo mundo numa janela de desenvolvimento neste momento em que precisam se reinventar, enquanto saem regulações, programas e leis novas todos os dias, é um desafio enorme. Acho que é um desafio para toda a indústria, porque para funcionar (o pagamento instantâneo), todo mundo tem que entrar. Temos que ver se todos vão conseguir.
Seria mais prudente adiar o prazo então?
Sim, achamos que seria mais prudente. É uma situação única, que nenhuma empresa estava preparada para viver. Isso exige bastante flexibilidade também do regulador. Quanto antes (o pagamento instantâneo) entrar melhor, mas a situação impõe um pouco mais de cautela.
Como imagina que será o mundo pós-pandemia?
O novo normal vai ser as pessoas muito mais habilitadas, confiantes e familiarizadas com soluções digitais de pagamentos. Vejo um encurtamento de futuro para soluções digitais. Coisas que estavam previstas para acontecer mais para frente vão acontecer mais rapidamente. Haverá uma perda de medo dos consumidores, que estarão muito mais aptos para soluções digitais do que estavam antes da pandemia.