| Publicada originalmente no Teletime | Na guerra comercial e política com os Estados Unidos, a China tem demonstrado uma abertura para o diálogo com países sob o fogo cruzado, como é o caso do Brasil. A falta de decisão do governo brasileiro a respeito da participação da Huawei como fornecedora de tecnologia em redes 5G ainda traz preocupações sobre possíveis consequências: há especialmente por parte do Ministério da Agricultura um temor de que o impedimento da Huawei no 5G possa implicar em retaliações nas relações de exportação de produtos brasileiros.

Porém, em entrevista por email ao Teletime, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, afirmou que o país asiático “é contra o uso de meios executivos para interferir ou impedir a participação legítima” de empresas – vale lembrar que o país é o maior parceiro comercial do Brasil. Ele criticou fortemente a postura dos EUA, mas declarou que acredita que o governo brasileiro “saberá tomar decisões racionais com independência e autonomia” em relação à presença da Huawei no 5G.

Para o  diplomata, os ataques norte-americanos são “infundados” e “puramente difamatórios”, defendendo que a fornecedora jamais teve problemas de segurança ou presença de backdoor, inclusive em relação à legislação chinesa. Além disso, ele cita que a própria estratégia dos Estados Unidos de tentar impor uma alegada “rede limpa” (Clean Network) não teria como propósito proteger a liberdade ou a privacidade.

O governo chinês também tem enfrentado campanhas virtuais e forte pressão política norte-americana para espalhar uma suposta “desconfiança” sobre a fornecedora, até mesmo com livre associação entre a companhia de tecnologia e o papel do país asiático na pandemia do coronavírus.

Confira abaixo, na íntegra, a entrevista de Teletime com o embaixador chinês. As respostas foram editadas apenas para fins de formatação do texto.

TELETIME: O senhor poderia apresentar argumentos contra a desconfiança da presença da Huawei no 5G?

Yang Wanming: Com mais de 30 anos no mercado, a Huawei é hoje o maior fornecedor de equipamentos de telecomunicações do mundo e líder da tecnologia do 5G. A empresa tem um excelente histórico de confiabilidade em todos os projetos que desenvolve, está presente em mais de 170 países e territórios e atende a mais de um terço da população do planeta. Não tem, em seu histórico, nenhum incidente de segurança cibernética, nem caso de espionagem ou vigilância na rede de informações. Também não há evidência de que os produtos da empresa tenham dispositivos para essa finalidade, os chamados backdoor. Na realidade, foi a primeira a se declarar disposta a assinar um acordo antibackdoor e a única a aceitar testes e supervisão por terceiros. Avaliações das autoridades de inteligência e segurança cibernética do Reino Unido e da Alemanha concluíram que não há motivo para banir os equipamentos da Huawei por questões de segurança. Atualmente, a Huawei já assinou 91 contratos comerciais de 5G, mais da metade dos clientes é da Europa. Vejo isso como um endosso do mercado internacional à segurança e à confiabilidade dos equipamentos da Huawei.

Por outro lado, a China é uma economia de mercado na qual as empresas operam de forma autônoma e competem em pé de igualdade. A Lei de Inteligência Nacional da China, citada repetidas vezes por políticos americanos, é, na verdade, uma legislação destinada a proteger a segurança de dados dos cidadãos. Segundo suas disposições, o trabalho no âmbito da inteligência nacional deve respeitar e proteger os direitos humanos, seguindo uma regulamentação clara e rigorosa para garantir a segurança dos dados e privacidade de pessoas físicas e jurídicas. Não há, na China, legislação que exija a colaboração das empresas para acessar dados sigilosos de forma inadequada.

Como a embaixada chinesa vê campanhas contra a Huawei?

Wanming: Na verdade, quem deve apresentar provas são os políticos americanos que vêm caluniando a Huawei e a tecnologia do 5G da China. São  ataques infundados e puramente difamatórios. Os Estados Unidos têm um histórico problemático em matéria de segurança cibernética, mas sob o pretexto de preservar a segurança nacional, usam o poder do Estado para cercear empresas chinesas de alta tecnologia, interferindo abertamente na escolha de fornecedor do 5G nos outros países. O objetivo não é, de forma alguma, criar uma pretensa “rede limpa”, nem proteger a liberdade e a privacidade. Valendo-se de meios impróprios de engodo, intimidação e coerção, a intenção real dos Estados Unidos é tentar manter sua rede de vigilância cibernética e sua hegemonia digital ao barrar o crescimento de empresas chinesas de tecnologia de ponta. São práticas típicas de bullying tecnológico. Aconselhamos os EUA a corrigirem sua conduta para devolver ao mundo um espaço cibernético livre, aberto e seguro.

Como a China vê as diversas declarações do governo brasileiro em favor do posicionamento político e ideológico dos EUA a respeito da Huawei?

Wanming: O 5G é uma importante ferramenta para alavancar uma nova etapa da revolução industrial. Ao politizar ou ideologizar essa tecnologia e as cooperações nesse campo, os EUA estão forçando empresas de outros países a optar por alternativas mais dispendiosas e obrigar os consumidores pagarem mais caro por uma experiência de Internet medíocre. Isso vai atrasar o desenvolvimento da economia digital de outros países. A China não vai pressionar nem intervir na escolha de fornecedor do 5G em nenhum país. Acreditamos que o Brasil saberá tomar decisões racionais com independência e autonomia, levando em consideração os interesses nacionais de longo prazo.

Há alguma conversa com o governo brasileiro para tentar resolver o impasse?

Wanming: Mantemos abertos os canais de comunicação com o governo brasileiro, as operadoras e associações do setor para disponibilizar informações verdadeiras e objetivas, que servirão de base para decisões bem fundamentadas.

Existe alguma “crise de confiança” no mundo relacionando a Huawei e outros fornecedores chineses à pandemia da covid-19? Parece haver um forte elemento de preconceito ao tentar conectar os assuntos.

Wanming: Trata-se de um conjunto de teorias da conspiração fabricadas por políticos americanos. É muito claro o cronograma da resposta da China à epidemia da covid-19. Notificamos a comunidade internacional com abertura, transparência e responsabilidade e estamos dando apoio ao enfrentamento tanto no Brasil como em outros países. O que a China fez é altamente reconhecido não só pelo povo chinês, mas também pela grande maioria dos países no mundo. Com a desinformação e propagandas difamatórias, forças anti-China nos EUA tentam desviar a atenção e jogar a culpa na China. A atitude desrespeita os fatos e nenhuma tentativa nesse sentido terá sucesso.

No caso de o governo brasileiro decidir pelo banimento, haverá consequências em relações comerciais entre a China e o Brasil?

Wanming: Não posso responder a uma pergunta hipotética. No entanto, a parte chinesa é contra o uso de meios executivos para interferir ou impedir a participação legítima de empresas chinesas na cooperação internacional ou na concorrência de mercado, por motivos políticos e sob pretexto de segurança. A abertura, a transparência, a equidade e a imparcialidade do processo de licitação do 5G serão critérios-chave para que as empresas internacionais, incluindo um grande número de empresas chinesas, avaliem as regras de mercado e o ambiente de negócios do país em questão, o que influenciará diretamente os seus planos de investimento e outras cooperações.

A Huawei já tem atuação forte no Brasil em tecnologias atuais, como 3G, 4G e rede fixa. O senhor acredita que alguma decisão contrária do governo brasileiro afetaria também essas infraestruturas?

Wanming: Com 21 anos de atuação no Brasil, a Huawei mantém uma boa cooperação com as principais operadoras locais. Cerca de 50% da rede de telecomunicações e 40% da rede de núcleo [N.E.: core de rede] do Brasil utilizam equipamentos da Huawei, atendendo 95% da população brasileira. Seus produtos e serviços são altamente reconhecidos pelo mercado. O povo brasileiro merece desfrutar de um serviço 5G verdadeiramente seguro, confiável e de qualidade.

O senhor vê investimentos chineses no setor de telecomunicações no Brasil? Há o interesse de bancos chineses na infraestrutura da Oi?

Wanming: A China é uma das principais fontes de investimentos no Brasil, com um aporte acumulado de quase US$ 80 bilhões. O setor de telecomunicações é um importante integrante dessa parceria bilateral, portanto empresas do setor e instituições financeiras da China estão acompanhando de perto os planos de desenvolvimento e as políticas de atração de investimentos para esse ramo. Espero que as duas partes possam estreitar seus diálogos para identificar oportunidades de parceria.

 

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