Um dos setores mais afetados pela pandemia foi o de produção de eventos. Estima-se que 400 mil eventos deixarão de acontecer no Brasil este ano. Mas foi também um dos setores que mais inovaram, com a realização de shows e peças de teatro transmitidas por streaming, e até espetáculos virtuais dentro de jogos eletrônicos. Agora, com a gradual reabertura de cinemas, teatros e casas de show em algumas grandes cidades, como São Paulo, e com a recente decisão do STJ de permitir a cobrança da taxa de conveniência para vendas online, o setor inicia uma retomada, conforme explica o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Venda de Ingressos (Abrevin), Maurício Aires, em entrevista para Mobile Time.
Mobile Time – Como está sendo o impacto da pandemia até agora no mercado de venda online de ingressos?
Maurício Aires – Foi um grande susto para todo mundo. Nosso setor foi completamente paralisado em março com a determinação das autoridades de que eventos estavam suspensos por prazo indeterminado. Foram sete meses sem faturamento das empresas produtoras de eventos e empresas de venda de ingressos. Não sabíamos quanto tempo levaria. No começo se pensou que seria apenas um mês, depois três meses, e acabou se estendendo muito mais. Passados os primeiros dois meses, os geradores de conteúdo começaram a caminhar para o live streaming, que acabou ocupando um espaço alternativo de entretenimento. Surgiram lives de todos os tipos, nacionais e internacionais, espetáculos teatrais etc. Isso acelerou o uso da tecnologia de live streaming pelos geradores de conteúdo e por quem distribui essa tecnologia.
Vieram depois experiências com realidade aumentada e realidade virtual. Os mais criativos acabaram se dando muito bem. Houve experiencias de shows dentro de games, como o do Travis Scott no Fortnite, para um público de 14 milhões de pessoas.
Houve ainda a convergência de tecnologias de live streaming e realidade aumentada. E não são tecnologias novas, mas cuja adoção se acelerou na pandemia. E acho que vieram para ficar. Nosso entendimento é que nada substitui o evento ao vivo, mas em alguma medida essas experiências vão continuar acontecendo como parte da plataforma de divulgação e de conteúdo artístico. Não voltaremos ao patamar que estávamos antes.
Houve muitas lives gratuitas…
Os artistas começaram com soluções muito caseiras, fazendo lives improvisada em casa, com som acústico. Tinham um papel social: eram gratuitas, em plataformas abertas. Depois surgiram patrocinadores para viabilizar espetáculos. E começamos a entrar agora na era das lives pagas. É um fenômeno global, mas cada país tem a sua velocidade para entrar nessas lives pagas. A banda coreana BTS fez live para 756 mil pagantes. Foi o recorde mundial de uma live paga.
E no Brasil?
Já começamos a ter experiências com lives pagas. Mas não sabemos qual o tamanho potencial disso, nem como o preço deve ser estabelecido. Mas uma live paga precisa ser muito bem produzida. Não pode ser uma coisa caseira. Precisa ter qualidade de som. Idealmente o artista deve estar em estúdio ou em um palco real, para produzir um conteúdo mais atrativo para o consumidor.
Quantos eventos deixaram de acontecer no Brasil por causa da pandemia?
Estimamos que até dezembro 400 mil eventos deixarão de acontecer no Brasil. Realizavam-se aqui 590 mil eventos por ano. Muitos foram adiados, mas a maior parte, cancelada. Uma pequena parte foi transformada em digital.
No teatro, houve peças encenadas via streaming…
Sim, alguns teatros migraram para o formato de live streaming. A adesão não foi muito grande porque o teatro é um tipo de espetáculo que depende da energia presencial. Mas essa iniciativa exerceu um papel importante porque movimentou a produção, os artistas etc. E agora estamos iniciando a retomada, com a reabertura das casas. Daqui a algum tempo vamos descobrir quais teatros e casas de espetáculo aderiram a essa retomada, considerando que a ocupação desses espaços está limitada a 60% em São Paulo, por exemplo. Por conta disso, em alguns casos o evento não é viável e precisa aguardar uma ocupação maior para voltar a produzir.
O que exatamente está liberado em São Paulo agora?
São Paulo abriu para teatros, cinemas, shows e espetáculos, respeitando algumas limitações, como público máximo de 2 mil pessoas, e respeitando uma série de normas sanitárias, como medição de temperatura e distanciamento social.
Quando espera que o setor alcance de volta os números de antes da pandemia?
Vai depender da evolução da pandemia, mas mantendo a queda de casos e com a vacina tendo eficácia a partir do início do ano que vem, espero que no segundo semestre de 2021 a gente retome uma normalidade em eventos. Mas o impacto econômico ainda será sentido em 2021. Vamos ter 1 ano e meio sem eventos com lotação máxima. Acho que 2021 será um ano de transição para toda a indústria. O mercado deve reagir para valer a partir de 2022. Não vamos recuperar esse prejuízo antes de 2022. Há demanda reprimida. As pessoas estão sedentas por entretenimento, por eventos. Quando as condições forem favoráveis o consumidor vai reagir.
Houve empresas que não aguentaram e precisaram fechar as portas ou sair do Brasil?
A Eventbrite, que é uma empresa global, deixou o país logo no início da pandemia. E empresas menores descontinuaram a operação. As grandes reduziram a estrutura de custos, diminuíram o staff… Bem, todos os setores fizeram isso.
Vale lembrar que no meio da pandemia surgiu uma medida provisória sancionada pelo presidente que estabelecia algumas regras para eventos. Ela virou a lei 14.046. O texto determina que, no caso da impossibilidade de realização do evento em razão da pandemia, uma vez remarcando para nova data e mantendo condições originais, o organizador está desobrigado do reembolso. Para a indústria de eventos isso foi muito importante. Se não fosse essa lei, seria desastroso.
Antes da pandemia, canais digitais respondiam por quanto das vendas de ingressos no Brasil?
Nossa associação tem empresas de venda de ingressos de cinema, teatro, futebol, eventos grandes e pequenos, enfim, uma pluralidade grande. Entre os nossos associados, o online representava 50% do total. Mas se olharmos eventos especiais, chega a 80%. Nossa indústria está mais avançada que o varejo tradicional na venda online. E a pandemia transformou as vendas em 100% online.
E qual a participação do mobile nas vendas online de ingressos no Brasil?
Mobile representa aproximadamente 50% do digital. Ou seja, 25% do total era vendido via mobile antes da pandemia. Mas agora não tem mais ingresso em papel retirado na bilheteria. Os tíquetes são 100% eletrônicos. Então, ou a pessoa imprime em casa ou leva na tela do celular. E tem muita gente que ainda prefere imprimir.
Nesse contexto de flexibilização e reabertura de cinemas, teatros e casas de espetáculo, qual a importância da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de liberar a cobrança da taxa de conveniência na venda digital de ingressos?
Veio em ótima hora. A decisão anterior, que era de março de 2019, proibia a cobrança de taxa de conveniência porque entendia que seria uma venda casada. Mas, na decisão recente, o STJ entendeu que o julgamento anterior extrapolou o pedido inicial da autora. Se o prestador de serviço informar clara e ostensivamente a taxa de conveniência, esta pode ser cobrada. Agora temos segurança jurídica. Ficamos mais confortáveis.
Por que é cobrada a taxa de conveniência?
É preciso separar as atividades: aquela de produção de entretenimento e aquela de venda de ingressos. O produtor cultural contrata o serviço de venda de ingressos, cuja infraestrutura é custeada por uma empresa de venda de ingressos. É uma prática mundial. Nos EUA e na Europa cobra-se essa taxa também.
Qual a prioridade da Abrevin agora?
O papel que temos agora é o de promover a retomada. Estamos muito seguros em relação aos protocolos que municípios e estados estão determinando, com as regras de segurança para o consumidor. Quanto mais cedo a retomada acontecer, melhor para todo o ecossistema dessa cadeia de consumo. Estamos buscando incentivar o retorno para que a indústria consiga respirar o mais rápido possível.