A remoção do aplicativo Parler das lojas App Store e Google Play assim como dos servidores da AWS desperta uma importante discussão sobre os limites do poder nas mãos das grandes plataformas de tecnologia. Até onde vai o direito de Apple, Google e Amazon de agirem como xerifes da Internet? À primeira vista, a resposta é simples: a liberdade dessas plataformas acaba onde começa a lei. O problema é que nem sempre a lei é clara. E, não raro, há leis conflitantes dentro de um mesmo país.
O advogado especializado em direito digital Rafael Pellon, sócio do escritório Pellon de Lima, entende que Apple, Google e Amazon agiram contra o Parler por conta da pressão da opinião pública. E pondera que se os mesmos critérios forem usados para todo mundo outros apps ou conteúdos também precisariam ser removidos. Na sua opinião, as próprias empresas desejam uma regulação mais clara sobre retirada de conteúdo, para se protegerem de questionamentos judiciais. Só que surge então outro problema: “Como criar uma regulação única que valha para 200 países? É impossível ter uma ética ou uma regra que valha para a California, Arábia Saudita, Coreia do Sul e Brasil ao mesmo tempo”, questiona o advogado.
Leo Xavier, especialista em mobile marketing e sócio da Môre, ressalta que é importante distinguir o propósito de um serviço e o conteúdo nele distribuído. Ou seja, não se pode bloquear o meio por causa da mensagem, a não ser que o propósito do meio seja explicitamente trafegar aquele tipo de mensagem. Dito isso, ele enxerga com naturalidade que haja mecanismos de controle dentro das lojas de aplicativos: “Penso que as app stores são hoje tão importantes quanto as redes sociais. Isso porque vivemos na última década a aplicatização de relações entre marcas, produtos e serviços com seus diversos públicos. Nesse sentido, tanto os comentários sobre apps assim como a própria disponibilização deles devem ter um olhar extremamente criterioso. Logo, nada mais correto do que estender para as app stores o mesmo grau de regulação e adoção de mecanismos para combater discursos de ódio e extremismos.”
Flávia Lefèvre, advogada especializada em direito digital e do consumidor, reforça que as plataformas não são livres para fazerem o que quiserem: seus termos de serviço precisam respeitar a lei de cada país. E se algum usuário utiliza determinada plataforma para praticar ações manifestamente ilegais, Lefèvre entende que a plataforma tem todo o direito de pró-ativamente removê-lo.
Por fim, a advogada levanta outra questão importante: a grande concentração de poder nas mãos de poucas plataformas de tecnologia. “Como consequência, qualquer decisão delas interfere no fluxo de informação do planeta. Essa concentração de mercado implica em uma concentração de poder”, critica.