Em uma viagem ao interior do Brasil, acompanhei a movimentação da população que foi até um banco local para receber o INSS. Passei um dia inteiro de olho em como as pessoas se comportam, o que falavam, que informações pediam. A fila, formada em sua maioria por idosos de classe média e baixa, dava duas voltas no quarteirão. Quase todos enfrentaram horas de espera para ir até o caixa e sacar o dinheiro da aposentadoria.
Ali perto, em uma farmácia popular, continuei minha pesquisa de campo. Notei que muitos clientes pegavam o produto que tinham interesse em comprar, viam os preços, faziam uma conta rápida no celular e se dirigiam a um caixa eletrônico para sacar aquela quantia. Depois disso, com o dinheiro em mãos, pagavam pela mercadoria.
Terminei o dia me perguntando: por que aquelas pessoas preferiam encarar duas filas e pagar com dinheiro, mesmo tendo um cartão de débito à disposição? Na verdade, fiz esse questionamento direto para algumas delas. Em geral, tive como resposta as seguintes frases: “dá muito trabalho” ou “não quero pagar taxas”.
No último ano, mergulhamos neste universo para entender seu comportamento de consumo, em especial o relacionamento com os meios de pagamento. E começamos a compreender melhor porque quase metade da população, que movimenta cerca de R$ 1,48 trilhão (de acordo com dados do Instituto Locomotiva), tem desconfiança da indústria de pagamento, e prefere, em razão disso, usar dinheiro em espécie nas transações.
Não existe uma resposta única – nem simples. Neste período, aprendemos que estamos diante de um segmento composto por muitos jovens em começo de carreira que dividem a casa com filhos e outros parentes. Com salário curto, costumam ter mais de um emprego para complementar a renda e, mesmo entre os bancarizados, têm o hábito de sacar o valor que recebem no fim do mês.
Observamos que algumas dores desse público revelam muito sobre seus costumes. Em vivências que fizemos na casa das pessoas, percebemos que usar o dinheiro tem a ver com a sensação de controle maior dos gastos. Muitos jovens têm histórico de familiares que acumularam dívidas no banco, por isso eles têm medo, desconfiança e desconhecimento sobre as instituições financeiras. Apesar da grana curta, muitos deles guardam o que podem e investem numa educação melhor para os filhos, em assistência médica para a família. É uma vida dura, mas não deixam de sonhar.
Diante desse cenário, vem uma pergunta fundamental para nós da indústria de pagamentos: como oferecer soluções que realmente possam fazer a diferença para esse segmento no fim do mês, como “esticar” o orçamento e falar de forma simples sobre controle de gastos, gestão das finanças pessoais. Nosso objetivo é repensar o acesso a benefícios em áreas que muitas vezes impactam no seu rendimento mensal, como educação, saúde e emprego. Como poderíamos, por exemplo, ajudar viabilizando acesso a cursos de aperfeiçoamento, descontos em exames e consultas ou incentivo para acesso a uma plataforma de empregos.
Trata-se de um esforço no sentido de aumentar a inclusão financeira e digital da população, ao mesmo tempo em que é necessário desconstruir alguns mitos em relação à indústria de pagamento (o medo das taxas, por exemplo). Para isso, é fundamental saber dialogar, comunicar de forma acessível e promover uma experiência mais confortável e descomplicada aos consumidores.