Luiz Augusto de Castro Neves achou graça quando esta reportagem pediu uma análise sobre o impacto geopolítico nas relações do Brasil com a China no processo de chegada do 5G. “A discussão atual é a emergência da China como potência econômica e tecnológica – e não sobre uma possível espionagem do governo chinês no Brasil a partir de uma empresa fornecedora (Huawei) – até porque, convenhamos, todos os países têm um serviço de inteligência”, disse em entrevista ao Mobile Time nesta sexta-feira, 30.

Ex-embaixador do Brasil na China (2004-2008), no Paraguai (2000-2004) e no Japão (2008-2010), ex-secretário-geral adjunto das Relações Exteriores, e atual presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Neves brincou: “sobre espionagem, quem sabe não diz. E quem não sabe, especula”. Entretanto, lembrou que não existe nenhuma análise política no mundo sem serviço de inteligência. Alguns são mais ostensivos e outros, ocultos. “Durante o governo Dilma Roussef, por exemplo, soubemos que a Presidente estava sendo grampeada pelo governo americano. A experiência histórica nos diz que todos os sistemas de comunicação têm uma backdoor”, comentou.

Segundo ele, é muito difícil que as negociações do 5G no Brasil, incluindo um possível veto à Huawei na implementação da rede, coloquem em risco as relações comerciais e diplomáticas entre os dois países. Ele aponta que o comércio Brasil/China vive hoje um salto considerável e não há possibilidade que o ruído do leilão de 5G abale isso. O mesmo ele considera sobre os insumos das vacinas contra a Covid-19 – principal negociação do governo brasileiro com Pequim no momento. “Relação diplomática não é um toma lá, dá cá. Você me dá a vacina que eu te dou o 5G. Não existe isso, as negociações são muito mais complexas. Naturalmente, quanto mais negócios se faz com um país, mais a confiança aumenta. Mas isso não é determinante”, explicou.

5G para 200 milhões de pessoas

Na China, a economia digital pode chegar a responder por 50% do PIB do país até 2027, segundo o CEBC, tornando-se o principal motor de crescimento econômico do país. Em 2020, mais de 98% da zona rural chinesa tinha acesso ao 4G, que cobre toda a área urbana. Até o final deste ano, a China quer ter 200 milhões de habitantes cobertos pelo 5G. A tecnologia já está presente em todas as grandes cidades – entretanto, ainda é dependente de componentes estrangeiros, especialmente semicondutores. “Este é um ponto importante a ressaltar: no mundo globalizado, os processos produtivos são internacionais, ou seja, um grande número de países está envolvido na manufatura de produtos, existe um entrelaçamento de interesses. A China é o principal parceiro comercial dos Estados Unidos – 95% da linha de montagem da Apple, por exemplo, está na China. Uma guerra entre os dois países seria um tiro no pé”, analisou.

Neves lembrou que, apesar de alguns países terem boicotado a Huawei no 5G por pressão dos Estados Unidos, não existe mais uma Guerra Fria, quando o mundo se dividia entre dois polos hostis, em que um ganhava, e o outro perdia. Hoje existe uma cooperação mútua. “O planeta está numa transição acelerada. O pós-guerra acabou com quatro eventos: o fim da União Soviética, a reunificação da Alemanha, o atentado de 11 de setembro, e a ascensão da China. O centro de gravidade se deslocou e não sabemos onde isso vai dar”, completou.

 

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