Um decreto da Presidência da República que exige ordem judicial para que conteúdos considerados impróprios ou inverídicos sejam retirados das redes sociais está gerando indignação entre especialistas. A minuta expedida pelo governo muda a regulamentação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), o que, de antemão, já seria irregular. “Uma lei só pode ser alterada por outra lei e não por decreto. O presidente está promovendo uma mudança radical no Marco Civil que jamais poderia acontecer por meio de um decreto”, argumenta Flávia Lefèvre, advogada especializada em direito digital e do consumidor, representante do coletivo Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede.

Lefèvre lembrou também que, para alterar o Marco Civil, a lei determina a participação do CGI (Comitê do Marco Gestor da Internet), que sequer foi ouvido para o decreto. “A previsão de que qualquer conteúdo para ser removido demande uma ordem judicial não é compatível com a dinâmica do uso da Internet, pois as coisas se espalham pelas redes muito rapidamente”, completou a advogada.

Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital, sócio do escritório Pellon de Lima Advogados,  concorda sobre a necessidade de a minuta ser discutida no Congresso, e também lembrou a velocidade das informações nas redes comparada à lentidão do Judiciário. “O decreto diz que as redes não são juízes, mas a frequente demora da Justiça, numa rede social, pode fazer a publicação crescer de forma exponencial em abrangência. Se for para ser assim, temos que antes preparar o Judiciário para absorver esta demanda, treinando juízes, com varas específicas, para que estes casos sejam julgados mais rapidamente”, diz, em conversa com Mobile Time.

Lefèvre ressalta que as empresas têm liberdade para estabelecerem regras para remoção de conteúdos, regras que só não podem ser ilegais, ou seja, devem estar de acordo com a Constituição. Porém, a proposta do decreto tenta criar uma regra invertendo toda a lógica do Marco Civil da Internet ao propor que as empresas só possam remover conteúdos com expressa ordem judicial.

Questão política

Durante um evento no Palácio do Planalto no início de maio, o presidente Jair Bolsonaro, em pronunciamento, afirmou que ele e seus seguidores são frequentemente perseguidos pelas redes sociais, e ameaçou alterar o Marco Civil da Internet.

“O presidente que mais foi desmentido nas redes sociais foi o atual. Este decreto mais parece uma peça de propaganda de ideologia”, comenta Pellon.

Daphne Keller, diretora do Programa de Regulação de Plataformas do Centro de Cyber Policy de Stanford, deixou uma reflexão importante, durante o Ciclo de Conferências sobre Regulação de Plataformas, promovido nesta quinta-feira, 20, pelo CGI.br: “Nos Estados Unidos, a regulação de plataformas é vista dentro dos direitos políticos. Esta discussão é mundial: quem tem o poder de gerenciar e decidir sobre o que podemos ou não ver? Você gostaria de estar num mundo em que todo o conteúdo pudesse estar disponibilizado, sem cortes, sem exceção, com pornografia, notícias falsas etc? Este é um mundo que ninguém quer viver, nem mesmo os políticos”.

 

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