A pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov 2) trouxe novas formas para as pessoas consumirem produtos de forma confortável. Além de todo o avanço visto no e-commerce, com o crescimento de 31% dos pagamentos não presenciais reportado pela Abecs, os mercadinhos de condomínio também aparecem como novidades e começam a ganhar força no varejo.
Batizados de honest markets, esses mercadinhos são autônomos. Ou seja, o morador pega o que deseja e paga via meio eletrônico, que pode ser um aplicativo, QR Code ou maquininha de cartão. Esses espaços de compra geralmente estão com gôndolas e geladeiras nas áreas livres dos condomínios, como explica a advogada especializada em direito condominial Alessandra Bravo.
“Os mercadinhos podem ser instalados em construções modulares, ou customizadas conforme necessidade e regras de cada condomínio. Dispensam tempo, custo e mão de obra de uma construção convencional – com barulho, circulação de pessoas durante a obra, e possui mobilidade de instalação”, disse. “A ideia central é a venda de produtos de itens básicos do cotidiano através do autoatendimento, sem vendedor físico e com pagamento feito por aplicativo. Isso auxilia na redução do contato entre as pessoas e na circulação dentro da área comum do prédio. Sua finalidade é facilitar a vida dos moradores do condomínio”, completa Bravo.
Além da conveniência, a advogada condominial cita o baixo custo para o condomínio e a segurança para o morador, uma vez que paga pelo aplicativo ou outros meios digitais.
A CEO da Accioli Condominial Consultoria e Sindicatura Profissional, Amanda Accioli, explicq que, para adotar a novidade em um dos condomínios que administra, fez uma pesquisa com os moradores prévia sobre o interesse neste tipo de serviço. Em seguida, estudou empresas do mercado que não gerassem custo e pediu para as firmas visitarem o condomínio para saber se havia espaço para receber o mercadinho.
“Na pesquisa, a maioria dos moradores pediu a presença do mercadinho. Poucos não fizeram questão ou simplesmente não queriam. Portanto, escolhi uma empresa que aceitou deixar o mercadinho inicialmente por três meses no condomínio como experiência e caso, ao final destes período, não quiséssemos mantê-lo, poderíamos encerrar a parceria sem nenhum prejuízo”, explicou a síndica, ao dizer que a entrada do mercadinho não precisou de aprovação de Assembleia, pois não estavam amarrados por um contrato.
Formatos
Uma empresa que está no segmento de honest market é a Minha Quitandinha (Android, iOS). Criada em Santa Catarina em 2020, a empresa chegou a R$ 1 milhão de receita no último ano com presença em 40 cidades de 12 unidades da federação, inclusive o Distrito Federal. A startup de varejo atua no modelo de franquia e oferece mais de 350 produtos em diversas categorias, como bebidas, beleza e bombonière, mas seu começo foi um pouco duvidoso, não apenas pelo novo coronavírus, mas pela dinâmica de funcionamento.
“Tínhamos um grande ponto de interrogação quando começamos esse negócio, que é novo. É orientado a software e baseado em dados, que são passados ao operador do negócio, o licenciado. Vimos que esse negócio nasceu com a pandemia e veio para ficar. É a operação comercial mais próxima do morador. A oportunidade nasceu e a barreira é baixa”, relatou o COO da marca, Marcelo Vilares. “Estão nascendo empresas e operadoras de marcas (mercadinhos) em condomínios. Nós expandimos com o pé no chão”, completa.
Outra startup que atua neste setor é a Take and Go (pegue e leve, na tradução livre do inglês), porém optou pelo nicho de venda de bebidas (alcoólicas e não alcoólicas). Instalada na cidade de Ribeirão Preto em 2020, a companhia tem parceria com a Ambev, está em 25 estados brasileiros com 1,3 mil geladeiras de bebidas automatizadas (cervejeiras) e uma rede de 150 licenciados.
“Enxergamos uma defasagem nos modelos convencionais de vendas, no segmento de hipercomodidade. Percebemos que talvez seria um bom tiro apostar nesse segmento. Então decidimos empreender e criar alguns modelos de cervejeira autônoma”, diz o sócio, Vinícius Orsi Valente, ao explicar que a geladeira utiliza inteligência artificial para reconhecer os produtos e os clientes.
Como funciona para o usuário
No Minha Quitandinha, o formato é de uma loja autônoma. O consumidor baixa o aplicativo e faz seu cadastro. Para comprar, a pessoa lê o código de barras do produto com a câmera do celular via app, vai para o carrinho do aplicativo para fechar a compra com cartão de crédito, ou com saldo adicionado no app do celular ou pela máquina POS no local. Importante dizer que apenas pessoas com mais de 18 anos de idade podem comprar.
Já no caso da Take and Go (Android, iOS), o condômino faz o cadastro (CPF, data de nascimento) e insere os dados do cartão de crédito no aplicativo. Há uma validação com uma transação de R$ 1 que volta ao consumidor. Depois disso, o usuário abre a câmera do celular pelo app para ler o QR Code da cervejeira, abre a geladeira, o sistema reconhece o cliente e todo o produto que ele pegar será debitado diretamente em seu cartão.
Honesto demais?
Por funcionar na confiança, os honests markets dão margem a fraudes e roubos. Contudo, as duas empresas do setor disseram que não sofrem tanto com isso. “A geladeira está ligada a servidores. O sistema controla 24 horas por dia, via cloud. Tem IA, hardware, sistema e app. O consumidor enxerga a cervejeira no condomínio, baixa o app e faz o cadastro. Mas a pessoa só acessa a cervejeira após colocar o cartão de crédito no app e abrir com o QR Code”, lembra o sócio da Take and Go.
Por sua vez, Vilares explica que trabalham com uma margem de perda de 2% da operação, mas é bem abaixo disso: “Nesses casos, o conceito de honest market vem a ser bem aceito. Instruímos o licenciado a sempre estar próximo da loja. Isso inibe as possibilidades de furto. É muito gratificante que o povo é muito mais honesto do que imaginamos”, diz.
O COO da startup explica ainda que caso seja detectado um furto, a companhia entra em contato com a pessoa. Afirma que existiu um “caso extremo de má fé” e o síndico adotou medidas “mais enérgicas”. Mas ressalta que a Minha Quitandinha não pode gerar problema para o condomínio, e prefere arcar com eventuais prejuízos.
Modelo de negócios
O business model do Take and Go é baseado em licenciamento. Ou seja, a empresa tem um vendedor licenciado que faz o contato com os condomínios para oferecer as geladeiras. Um licenciado deve comprar pelo menos cinco cervejeiras para entrar no negócio e dividir o lucro das vendas com a startup.
Na Minha Quitandinha, o modelo de negócios é baseado em microfranquias. Qualquer pessoa pode se associar, inclusive moradores e síndicos. Contudo, o processo de adoção passa por entrevista e treinamento, que envolve: criação do CNPJ; prospecção de condomínio; abertura de loja; uso do sistema de reposição e estoque; e até o projeto arquitetônico para instalar o mercadinho em uma área livre do condomínio. A startup fatura com o pagamento com o fee mensal da franquia e dos royalties de vendas mês a mês.
Pelo lado do condomínio, o custo principal é a energia elétrica que muitos prédios não cobram por considerar que o mercado está beneficiando o morador. Contudo, Accioli explicou que durante sua pesquisa para encontrar empresas do ramo, uma pequena porcentagem do faturamento era revertida para os condomínios, entre 2% e 7% , a depender dos valores da conta de energia elétrica.
Futuro
Tanto Minha Quitandinha quanto o Take and Go atuam em prédios residenciais e comerciais, sendo este segundo um mercado a ser mais explorado em 2022. Em termos financeiros e operacionais, a Take and Go quer faturar R$ 200 milhões e ter 20 mil máquinas instaladas no País. O Minha Quitandinha pretende fechar o ano com cerca de 200 lojas e faturamento de R$ 8 milhões.
O Minha Quitandinha aposta em levar os mercadinhos para as ruas, como loja autônoma. Uma primeira unidade foi instalada em Balneário Camboriú, ao lado de um hotel que substituiu o frigobar dos quartos pela loja. E o Take and Go quer aumentar a oferta de bebidas sem álcool. Mas também enxergam parcerias no horizonte com oferta de carnes e sorvetes.