Comandando um time de cerca de 100 pessoas na área de tecnologia, o CTO da Buser, Tony Lâmpada, relata em entrevista para o Mobile Time os projetos mais recentes da sua equipe, como a transição para microsserviços, o lançamento de um bot de vendas e a construção de uma API aberta. E fala também sobre os esforços da companhia para a formação de mão de obra em TI, junto com outras medidas para manter o turn over baixo.
Mobile Time – Várias startups têm o discurso de serem antes de mais nada empresas de tecnologia, e não da área onde prestam serviço. A Buser também se enxerga como uma empresa de tecnologia?
Tony Lâmpada – Se você fizer essa pergunta para pessoas diferentes aqui dentro vai ter respostas diferentes. Eu, como CTO, enxergando a tecnologia como enabler para tudo o que a gente faz, acho que a Buser é uma empresa de tecnologia. Mas sempre falo, desde o começo de qualquer processo seletivo, que a nossa visão de tecnologia na Buser é muito pragmática. A área de tecnologia existe para servir o propósito do negócio. Toda inovação ou novo desenvolvimento é puxado por alguma necessidade de negócio. Se você perguntar para o diretor de operações, ele dirá que é uma empresa de transportes, porque precisamos entender muito bem tudo o que uma empresa de transportes precisa entender: logística, ônibus reserva, descanso do motorista etc. Mas, perguntando para mim, a minha resposta é de que somos uma empresa de tecnologia.
Como está estruturada a sua equipe de tecnologia? O desenvolvimento do app é 100% interno ou terceirizam? São quantos desenvolvedores, como estão divididos?
Nosso aplicativo é a ponta do iceberg do que tem aqui dentro em tecnologia. A área está dividida em algumas partes. A maior delas é a de engenharia de software. Alguns problemas a gente resolve com a construção de software. Outros, entregando a informação certa para a pessoa certa na hora certa para a tomada de decisão. Temos cientistas de dados que fazem das tripas coração para entregar essas informações. Tem a área de segurança que cuida de segurança da informação, o que envolve cybersecurity sobre nossa superfície de ataque, mas abrange também processos internos. E tem ainda a área de sistemas. Para alguns problemas precisamos comprar softwares e configurar, descobrir qual se adapta melhor. A área de tecnologia conta com cerca de 100 pessoas, das quais pouco mais de 50 estão em engenharia de software, incluindo os devs de back-end, front-end e mobile. Essa área se divide em squads, com equipes multidisciplinares compostas primariamente por programadores. Cada equipe tem uma missão voltada para o negócio. Ou seja, para o app funcionar, tem um monte de outras coisas por trás funcionando.
O custo de mão de obra em TI é muito caro no Brasil. Como consegue manter seus profissionais motivados e evitar perdê-los para outras empresas?
Esse é um problema que o mundo inteiro enfrenta e que me faz perder cabelo todo dia. Felizmente temos turn over baixo. Já perdemos gente que foi seduzida por proposta de trabalho em casa ganhando em dólar. Mas tem bastante gente que fica por conta de alguns elementos que fazem sentido para vida e carreira: 1) propósito (quem trabalha aqui acorda motivado porque sabe que está vindo resolver um problema que importa); 2) ambiente de trabalho descontraído, zoeiro, mas levando o trabalho a sério; 3) e cultura forte de autonomia e responsabilidade que vivemos de maneira intensa no time de tecnologia. Queremos selecionar e formar pessoas que, antes de serem programadores, são resolvedores de problemas, mas que por acaso sabem programar. Isso muda a postura da pessoa dentro do sistema de trabalho. Ela se sente mais conectada com o valor que gera na ponta. Além disso, conseguimos pagar salários justos para o mercado brasileiro. Temos programa de stock option, que é fator adicional de retenção. Quem recebe vê que vale a pena ficar porque será mais interessante lá na frente. Também contribui para a retenção a nossa preocupação com a qualidade de código: uma coisa que expulsa dev é trabalhar dentro de uma casa suja em termos de ambiente de desenvolvimento, com aqueles ‘ninhos de rato’, pedaços de código que você tem medo de botar a mão. A gente faz esse básico bem feito.
A Buser tem um trabalho de formação de mão de obra em tecnologia?
Sim. Pensando no futuro, procuramos formar nossos próprios devs. Primeiro fizemos uma rodada do Buser Camp, que durou três meses e pelo qual passaram 19 pessoas em duas turmas. A primeira tinha seis pessoas, das quais contratamos cinco. A segunda tinha 13, das quais contratamos oito.
E agora faremos o Buser Tech, uma iniciativa ambiciosa de trazer a molecada que quer fazer formação universitária em tecnologia. Usamos o Enem como processo seletivo. A pessoa terá uma formação universitária paralelamente à formação profissional. Selecionaremos 50 jovens para começarem estágio com a gente em abril enquanto fazem faculdade online com o Descomplica. Já entram ganhando R$ 3 mil e com parte da nossa equipe de tecnologia dedicada a atuar na formação deles para virarem full stack ou cientistas de dados. Enxergo como um projeto estratégico para conquistar o coração e a mente dos devs. É a Buser que paga a universidade EaD no Descomplica. O aluno escolhe dentre oito cursos de tecnologia. A pessoa começa pela parte prática: a primeira aula é com a gente. É um modelo que nunca vi no mundo: fazer um vestibular direto para uma empresa para chegar trabalhando e aprendendo com profissionais experientes interessados no seu desenvolvimento.
Outro problema no mercado de trabalho brasileiro em tecnologia é a falta de diversidade. Muita gente reclama da concentração em homens brancos heterossexuais. Como lidam com a questão da diversidade na Buser?
Sendo bem transparente, na Buser somos em maioria homens brancos héteros. Mas (a diversidade) é uma preocupação nossa. Pensamos em maneiras de atrair talentos para trazer diversidade maior. No panfleto do Buser Tech, pusemos a imagem de um rapaz negro programando e de uma moça usando o celular, para mostrar que são bem-vindos. No processo de seleção do Buser Tech não adotamos nenhum tipo de cota, mas usamos um critério social: priorizamos quem vem de escola pública. No Buser Tech tivemos mais de 10% de mulheres inscritas, as chamadas ‘devas’. Lá atrás, quando a equipe era pequena, só tinha uma mulher, a Ana, que ficou sendo por um ano a única mulher. Agora temos 11 mulheres na equipe. Elas se organizam, palestram. É um ambiente livre de piadinhas etc.
Com que frequência criam features novas e como é esse processo de construção? Ouvem os clientes?
Novas features surgem o tempo todo. Mas, se olhar o histórico de release do app na loja, verá que são poucos releases. Isso se deve a uma questão técnica. Nosso app é um webview, ou seja, é uma casca: o app abre o site direto. Existe uma estratégia tecnológica por trás disso. Assim, quando atualizamos o site com features novas, elas entram no app sem que usuário precise atualizá-lo. A maioria dos nossos desenvolvedores são web.
Do ponto de vista tecnológico, a Buser é pé no chão e feijão com arroz. Várias das melhorias que a gente faz são incrementais, pensando em como melhorar algum aspecto da vida do passageiro. Por exemplo: vira e mexe tem ônibus atrasado e o passageiro manda mensagens para a gente, porque fica ansioso. Então pusemos um robô que monitora os dados de telemetria do ônibus e avisa a pessoa sobre um atraso antes de ela perguntar. Isso foi implementado recentemente. Volta e meia percebemos que dá para acrescentar uma informação na tela principal ou mudar seu design. Fazemos teste A/B para ver o resultado de novas telas.
A Buser está estruturada em microsserviços?
Estamos em processo de transição. Quando começamos a construir a plataforma em 2017, ela era um monolito. E ela nos serviu muito bem, porque dá agilidade quando você tem uma equipe mais enxuta. Só que vira um problema quando tem várias equipes com missões diferentes tendo que mexer no mesmo código, podendo uma pisar no pé da outra. Aí se misturam problemas de gestão e de engenharia. Por isso estamos em transição. Nosso monolito não é mais um monolito, estamos separando algumas lascas, mas ainda não são microsserviços, mas ‘minilitos’. Isso exige amadurecimento da nossa plataforma de engenharia. Uma das grandes mudanças que precisamos fazer no back-end é a evolução incremental dessa plataforma para que possa ter serviços mais isolados, independentes e com poder de escalar o time de tecnologia, para aí sim escalar o negócio.
A Buser tem APIs públicas abertas?
Estamos desenvolvendo uma API para afiliados para que outros sites possam disponibilizar viagens e fazer compras pelo nosso site. Está em desenvolvimento ainda.
Em geral, fazemos MVP primeiro, testamos no mundo real, e depois escalamos. Foi o que fizemos para vender pelo WhatsApp. E está funcionando. Começamos com uma pessoa. Agora em cima dessa experiência criamos um modelo de promotores externos, gente que ganha dinheiro vendendo pelo WhatsApp conectada ao nosso sistema, e estamos criando um robô para fazer a venda autônoma. Isso está sendo desenvolvido com um parceiro. Precisa de muita integração com o nosso sistema. Gostaríamos de ter o bot pronto no final de abril.
Houve muitos vazamentos de dados no Brasil recentemente. Antigamente era um caso público por ano, depois virou mensal. Agora está praticamente semanal. Vocês aumentaram a proteção na Buser por causa desses eventos?
Eu morro de medo disso. O nível de competência dessa turma é alto. Felizmente o nosso nível de competência também é. Mas não podemos descuidar. Temos que ter DevSecOps como parte da esteira, do processo de desenvolvimento, com profissionais de segurança fazendo parte do processo de construção da plataforma. Precisa de monitoramento contínuo de tudo o que está acontecendo com a API. Nós temos isso. Temos profissionais trabalhando nisso. O time de tecnologia tem uma visão de segurança acima da média do mercado. É uma galera preocupada com qualidade de código e arquitetura. Temos um sistema bem redondinho, atendendo as melhores práticas de mercado. Precisamos melhorar sempre, não podemos descuidar. Tem que gastar não só dinheiro, mas energia e tempo. Mas ninguém está livre do risco. Quanto mais famoso, aumenta o tamanho do alvo nas nossas costas.
Quanto o mobile representa no total de acessos à Buser?
A maior parte dos acessos é mobile. Pelo telefone a pessoa pode entrar pelo site, através do navegador, ou pelo app. Em primeiro lugar está o app. Em segundo, o site móvel. Em terceiro, o site web, pelo computador.
Você diria que a Buser é uma empresa ‘mobile first’?
Depende do produto. O app é um produto que é todo pensado mobile first. Os apps do passageiro e do motorista são assim. O motorista registra o embarque do passageiro e a troca de motorista em um app. Mas temos outros produtos de backoffice usados pelas equipes financeira e de atendimento que são ‘desktop first’. Para cada problema procuramos a solução adequada.