ITS

Carlos Affonso Souza é diretor do ITS. Foto: Divulgação/ITS

O que o Poder Legislativo precisa fazer para combater a desinformação na Internet brasileira e impedir que a disseminação em massa de notícias falsas não se repita como nas eleições de 2018?

A resposta parece simples, e é. Este era o propósito do PL 2630, o PL das Fake News, no início dos debates, em 2020. Com o passar do tempo, entretanto, o projeto cresceu, foi ficando mais ambicioso, e acabou mexendo no desenho regulatório de toda a Internet – e assim, lidando com interesses de modelos de negócios diversos, sejam de empresas de comunicação, sejam de big techs. O texto atual altera a regulação de três segmentos ao mesmo tempo: redes sociais, ferramentas de busca, e aplicativos de mensagens instantâneas. Ou seja: a base da Internet atualmente. Talvez este seja o principal motivo do imbróglio que tem travado a votação do projeto no Congresso.

“Do jeito que está hoje, este PL é a maior mudança regulatória da Internet dos últimos anos. O problema é que, para mudar tudo isso, seria necessário muito mais debate do que houve até aqui, a exemplo do Marco Civil da Internet. O PL pretende reescrever o funcionamento destes três segmentos e, claro, pisa no calo de vários interesses”, analisa Carlos Affonso Souza, diretor do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade), em conversa com Mobile Time.

O Instituto divulgou, nesta terça-feira, 29, um manifesto com os 10 pontos mais polêmicos do texto e que vem gerando discussões em diversos setores. Entre eles, dois pontos são os que mais chamam a atenção de Souza.

O primeiro é o artigo 22, que assegura imunidade parlamentar nas redes sociais. Isso pode ser um passe livre para que contas de deputados e de senadores sejam usadas para ampliar a disseminação de notícias falsas e desinformação nas redes. “Este é um ponto grave e pouco debatido. Ele concede um salvo-conduto a parlamentares falarem o que quiserem. Ao colocar isso numa lei federal, a plataforma não vai moderar este conteúdo”, lembra Souza.

Este dispositivo parece ter agradado a integrantes do governo federal, que acenaram apoio ao texto. Segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), o relator do PL, deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), já conversou sobre a matéria com integrantes do governo e também com o Ministério da Casa Civil.

Internet versus veículos de comunicação

Outro ponto preocupante, segundo Souza, é o artigo 2, que propõe para a Internet a mesma regulação de veículos de comunicação, como revistas, jornais, rádios e canais de televisão. A redação não se restringe à hipótese de abuso do meio de comunicação social. Ao contrário, afirma que: “para os fins desta lei, todas as pessoas jurídicas referidas no caput serão consideradas meios de comunicação social”.

“O que isso significa na prática? Redes sociais, ferramentas de busca e aplicativos de mensagem passariam a responder como se fossem editores de jornal ou programadores de rádio e TV pelo conteúdo publicado em suas plataformas. Essa mudança desconsidera a diferença lapidar entre uma televisão, que escolhe a sua programação, e uma rede social que viabiliza a publicação de conteúdo de terceiros”, explica manifesto do ITS.

Para Souza, o principal perigo deste dispositivo é o de oferecer um poder excessivo ao governo. “Veículos de comunicação social têm condicionantes. Lá na frente isso pode ser o gatilho para o governo também impor autorização para redes existirem. O que devemos fazer é um debate saudável sobre moderação de conteúdo, isso sim”.

O artigo 38, que determina a remuneração de veículos de imprensa pelo uso de conteúdo jornalístico em provedores de redes sociais e em ferramentas de busca, também pode gerar interpretação perigosa. Como não há a definição do que é conteúdo jornalístico, existe o risco de provedores terem que pagar justamente aqueles que espalham a notícia falsa e a desinformação. “Acaba sendo paradoxal: um texto que busca combater a desinformação, mas afirma que cada um pode ter sua visão, oferece imunidade parlamentar, e manda remunerar jornalismo sem definir o que é. Do jeito que está, as redes terão que pagar quem espalha fake news. Ou seja: pode criar um ambiente que mais dissemina notícias falsas”.

Disputa de negócios

As Big Techs abriram fogo contra o PL das Fake News. Estão trabalhando pesado para que o texto não seja aprovado. Na semana passada, o Google acusou o texto de facilitar a ação de pessoas que querem disseminar a desinformação. Já o Facebook divulgou uma campanha, apontando que o PL vai dificultar “pequenas empresas que usam publicidade para vender e gerar mais empregos”.

Por outro lado, nesta segunda-feira, 28, um grupo de 42 entidades nacionais e estaduais de comunicação manifestou apoio à aprovação do PL exatamente como está. A carta é assinada por instituições, como a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel), a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), a Associação dos Profissionais de Propaganda (APP) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner).

“Trata-se de uma disputa comercial. De um lado, grandes grupos de mídia tradicional enxergam que perderam publicidade para as redes, que prejudicaram seus negócios, e esta é uma chance de recuperar essa fatia. Já o momento para as empresas de tecnologia não é tão favorável mais. Elas estão com dificuldades de atender às demandas de transparência e, no mundo todo, tem buscado consertar esse cenário de desconfiança”, observa Souza.

No fim, as discussões acabam passando longe do início do debate, que era simplesmente o combate à desinformação. “Ao tentar tratar de coisas demais, o texto acaba sendo menos efetivo. E há mais dificuldade de aprovação”, resume.

 

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