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|Publicado originalmente pela Agência Pública como parte do projeto Sentinela Eleitoral|

O professor de História Carlos Eduardo Bartel tem mais de 20 anos dedicados ao ensino. Há cerca de um mês, ele virou alvo de uma campanha de difamação e assédio nas redes por defender melhorias na educação. As mensagens de ódio foram impulsionadas no Instagram e no Facebook por perfis bolsonaristas que se articulam com políticos locais e com uma rede de ataques ao ensino público no Brasil, conforme apurou a Agência Pública.   

Em 9 de junho, docentes de vários institutos federais do país protestaram contra o bloqueio de 14,5% do orçamento de universidades e institutos federais de ensino, determinado pelo governo Bolsonaro. Em Ibirama, município catarinense de pouco mais de 18 mil habitantes, e onde Bolsonaro teve mais de 85% dos votos, docentes do Instituto Federal Catarinense (IFC) paralisaram as atividades por 24 horas. Além dos cortes orçamentários, eles reivindicavam reposição salarial.  

Estudantes do campus Ibirama se uniram ao ato. Organizaram cartazes, debates e fizeram transmissões nas redes sociais. Durante a manifestação, o professor Carlos postou uma foto no seu perfil do Instagram, ao lado da professora de Artes Aline Meyer e de uma estudante. Ao fundo aparece uma bandeira do Brasil com pintura propositalmente inacabada, simbolizando a falta de recursos para a educação, e a hashtag #TiraAMãodoMeuIF. 

“Levei um susto quando acordei no outro dia e vi um monte de comentários acusatórios no meu Instagram”, contou ele, que recebeu mais de 10 mensagens com ataques. A professora Aline também foi alvo dos xingamentos. “Chamaram a gente de ‘comunistas’, ‘esquerdistas’, ‘doutrinadores’”, disse. “Senti medo. Um homem que tem uma foto segurando uma arma no perfil do Facebook, chamou a gente de vermes. Assusta porque não sabemos do que essas pessoas são capazes,” disse Aline.  

Além dos ataques no perfil pessoal de Carlos, a foto diante da bandeira começou a ser compartilhada por perfis bolsonaristas. No dia 10, às 13h11, Gedi Carol Oliveira postou a imagem destacando o nome do professor Carlos e anexou fotos dos cartazes produzidos pelos estudantes, com dizeres como “educação para todos, todas e todes”. “Você manda seu filho para o IFC e ele sai de lá politizado e militante de esquerda”, escreveu Gedi. A publicação recebeu 16 curtidas e três compartilhamentos, um deles feito pelo próprio Gedi, no grupo Ibirama Urgente, que tem mais de cinco mil participantes no Facebook.  

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Publicação de Gedi no grupo Ibirama Urgente (Reprodução Facebook)

Gedi Oliveira, que na verdade se chama Gediel Clayton de Oliveira, é servidor da Prefeitura de Ibirama e próximo do vereador bolsonarista Jorge Eli de Oliveira do PL, que se apresenta como um “conservador cristão”. Jorge é autor de um projeto de lei que proíbe o uso da linguagem neutra nas escolas de Ibirama, aprovado por unanimidade na Câmara dos Vereadores mas foi suspenso pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.  

Patrulhamento do ensino público 

No mesmo dia 10 de junho, o advogado Pablo Ideker da Silva foi ao IFC em Ibirama para, como ele mesmo escreveu, “constatar, pessoalmente, a veracidade das informações” sobre as manifestações no campus. Ele teria sido procurado por pais de estudantes. “Ao chegar à instituição observei que, realmente, as denúncias eram procedentes”, escreveu no Facebook, onde ele também faz declarações de apoio a Bolsonaro. A postagem feita no dia 11, às 11h57, tem mais de 480 curtidas e 80 compartilhamentos. Nela, o advogado promete “tomar todas as medidas cabíveis para evitar que tais fatos se repitam”.  

Pablo é consultor jurídico da prefeitura de Dona Emma, município a aproximadamente 28 quilômetros de Ibirama. No post do Facebook, ele diz que foi recebido por duas diretoras do campus Ibirama, Andressa Thaís Schwingel e Sônia Imhof. Segundo o seu post, elas teriam afirmado que o protesto partiu de professores “militantes sindicalizados” que extrapolaram as suas funções “no objetivo de doutrinar” os adolescentes. A Agência Pública contatou as duas servidoras por e-mail, mas elas não responderam até a publicação da reportagem. 

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Pablo Ideker visitou o IFC após repercussão do caso (Reprodução Facebook)

O professor Carlos comentou o post do advogado, que tem mais de 400 curtidas, mas recebeu xingamentos como resposta. “Escrevi que considerava a postagem irresponsável, ‘uma incitação gratuita ao ódio e a violência’. Foi pior porque ele me respondeu com mais ofensas, me chamando de ‘analfabeto funcional’ e me expondo novamente.”

Mas foi o deputado estadual bolsonarista Jessé Lopes (PL-SC) que fez os ataques aos professores do IFC em Ibirama ganharem dimensão estadual. Ele publicou, no dia 10 de junho, as mesmas fotos dos cartazes dos estudantes na sua conta do Instagram, com mais de 40 mil seguidores.  

“Mais um caso de doutrinação em uma escola pública de Santa Catarina. Cartazes com a ideologia esquerdista foram espalhados pelo pátio”, diz o post. Entre os mais de 60 comentários, há várias mensagens de ataque aos docentes. “Cadeia para professores esquerdistas !!! Pais abram o olho!!!”, escreveu um internauta. “Bando de retardadEs…”, comentou outro.  

O Instagram do deputado é repleto de publicações contra unidades de ensino público. Na postagem sobre o IFC campus Ibirama, ele divulga um celular para denúncias, registrado em nome de sua esposa, a cirurgiã dentista Moyra Feltrin Lopes.  

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Deputado estadual Jessé Lopes (PL-SC) fez os ataques aos professores do IFC em Ibirama ganharem dimensão estadual (Reprodução Instagram)

“Nos primeiros anos de governo [Bolsonaro], recebemos muitas denúncias de intimidações e ataques a professores. Isso arrefeceu na pandemia, quando as aulas presenciais foram suspensas”, diz o procurador Fábio de Oliveira, da procuradoria de Direitos Humanos do Ministério Público Federal de Santa Catarina.  

“Dei aulas um semestre inteiro sendo filmada. Cheguei a ser processada por um aluno bolsonarista”, contou Elenira Vilela, dirigente do SINASEFE (Sindicato dos Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica). “Há uma atuação sistemática contra institutos, universidades federais e professores em Santa Catarina”. Entre casos de ataques a docentes no estado, Elenira cita Jaraguá do Sul, onde professores foram ameaçados de morte depois de um protesto contra Bolsonaro, no ano passado. “No próprio IFC já houve um caso de afastamento de professor do Câmpus Abelardo Luz, em 2017, por críticas à ditadura”, acrescenta.  

Em Santa Catarina, pouco menos de um mês antes dos protestos de professores em Ibirama, o deputado estadual do PL Jessé Lopes propôs uma moção de repúdio ao que chamou de “realização de evento sobre ideologia de gênero no Centro de Ciências Biológicas”, na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis”. A Câmara dos Deputados de Santa Catarina aprovou a moção por unanimidade. Na época, Jessé declarou: “a audácia está em tratar ideologia de gênero dentro do Centro de Ciências Biológicas. Vão numa aula de ciências para dizer que a ciência não existe”.

Medo e censura 

Depois dos ataques, o professor Carlos retornou à sala de aula sentindo insegurança. “Sou cidadão e pai de dois filhos. Continuo meu trabalho porque não posso aceitar que algo tão leviano possa me constranger”.  

O professor de História diz que muitos dos seus colegas também se sentem inseguros. “Ibirama é uma cidade muito conservadora.  Inclusive tinha células do partido nazista nos anos 30 e do movimento integralista, cujo lema é Deus, pátria e família”, disse. “O que esses grupos que estão nos atacando querem é implantar o medo, a censura, o silêncio”.  

O IFC campus Ibirama emitiu nota oficial sobre os “fatos ocorridos no dia 9/6”. O texto diz que “não cabe à gestão do campus Ibirama tomar posições políticas partidárias”.  

Carlos denunciou os ataques virtuais ao Ministério Público de Santa Catarina. Por e-mail, o MPSC informou que a representação será remetida ao Ministério Público Federal (MPF). Até a publicação da reportagem, o MPFSC ainda não tinha recebido a denúncia. 

O advogado Pablo Ideker e o servidor público Gediel não responderam os questionamentos da reportagem até a publicação. A Assessoria de Imprensa do deputado Jessé Lopes enviou nota onde reforça a “existência clara de doutrinação ideológica no interior das unidades de ensino e das Universidades Públicas”. O texto, que pode ser lido na íntegra aqui, diz que “denúncia de irregularidades no oferecimento do “ensino” não caracteriza, em nosso entendimento, patrulhamento ideológico”.

Esta reportagem faz parte do Sentinela Eleitoral, projeto da Agência Pública que investiga e analisa as redes de manipulação do debate público (fake news) nas eleições em parceria com o Berkman Klein Center for Internet & Society da Universidade de Harvard.

 

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