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Cassio Bobsin, CEO e fundador da Zenvia (Crédito: Divulgação)

Egressa do mercado brasileiro de SMS, a Zenvia é hoje uma provedora de soluções para experiência do cliente (CX) em modelo de software como serviço (SaaS). Essa transformação foi viabilizada a partir da sua abertura de capital na Nasdaq e de uma série de aquisições realizadas nos últimos anos. Com isso, a empresa trabalha para ser um player global desse setor, e agora começa a planejar qual será o seu próximo ciclo estratégico, conforme relata seu fundador e CEO, Cassio Bobsin, em entrevista para Mobile Time.

Mobile Time – A Zenvia nasceu como uma integradora de SMS. Quais foram as principais transformações da empresa nos últimos anos e como você a descreve atualmente?

Cassio Bobsin – Começamos com o SMS como canal para empresas. E o SMS sempre foi um canal muito bom para comunicações pontuais de marketing, cobrança, logística, transações etc. À medida que as empresas foram adotando o SMS nas suas diversas frentes de processos, a gente sempre procurou fazer com que esse canal se tornasse mais interativo, onde se pudesse conversar. Mas a realidade é que esse canal sempre teve limitações de usabilidade. E quando WhatsApp surgiu ficou claro que canais que estimulam a conversação seriam os que ganhariam outros tipos de uso na jornada do cliente. Conforme fomos explorando novos canais de comunicação, vimos que as empresas precisavam de softwares, de soluções. Não adianta replicar no WhatsApp o uso que se faz no SMS. A pessoa quer interagir com aquela mensagem. Isso trouxe aquela onda de automação, chatbots, fluxos que permitam que a conversa seja automatizada. Mas qualquer comunicação não é algo isolado, mas parte de uma jornada mais completa, que toca o processos da empresa em outras partes. Então começamos a entrar nisso. O que acontece quando uma automação simples não resolve? Quem conversa com o cliente? Quais processos o amparam? Vimos que a experiência do cliente é mais profunda e envolve toda a relação que existe entre empresa e consumidor. Então fomos em direção ao customer experience (CX). Buscamos entender quais são esses pontos e como podemos prover uma solução que pudesse ser adotada de um jeito simples, e que pudesse aprofundar quando a empresa precisasse. Empresas menores tendem a fazer processos mais simples. E as maiores são mais complexas. Então fomos construindo uma plataforma de CX. Hoje o que oferecemos são soluções de atração, conversão, atendimento e sucesso do cliente, com ferramentas para automação e integração de processos, usando muito dados ao longo da jornada e usando a multicanalidade. Oferecemos SaaS para experiência do cliente nas diferentes etapas da jornada. Cada área que lida com parte da jornada tem uma solução nossa que pode ser usada com múltiplos canais.

Diria que a Zenvia atua no mercado de CPaaS?

Quando se fala em transformação digital de CX, tem várias camadas tecnológicas que se complementam. O CPasS mais puro consiste em canais baseados em telecom e que tenham complexidade de interconexão que precisa ser resolvida. Os players de CPasS simplificam essa interconexão, basicamente em SMS e voz. Mas em WhatsApp e outros canais da Meta, o CPaaS não tem uma camada de valor tão presente. Pela ótica do SaaS, o valor está no uso de software. Para CX não se usam canais da mesma forma, não necessariamente você está intermediando telecom quando vende SaaS. Você provê a interface que o agente usa para aquele atendimento, mas não resolve a estrutura de telecom. São lentes diferentes, mas todas se interconectam quando se fala de CX como um todo. Na prática, a Zenvia atua uma combinação desses mercados.

Como enxerga hoje a competição entre os canais de mensageria disponíveis no Brasil para o mercado B2B: WhatsApp, SMS, RCS, Telegram etc?

Quando uma empresa quer melhorar a experiência do cliente e gerar mais satisfação, geralmente ela tem um problema de negócio que quer resolver. Pode ser melhorar a recompra, recuperar mais crédito etc. Às vezes para certo caso de uso algum canal específico tem melhor fit. Quando você fala com o gestor responsável, ele se importa menos com o canal, e mais com a experiência que quer gerar. Quanto mais você vai para a tecnologia, mais você se importa com o canal. O feature set de cada canal e seu custo é o que acaba definindo a decisão de negócios. Posso fazer o mesmo caso de uso ativo funcionar para três canais diferentes, mas cada um vai ter uma taxa de resposta diferente e dependendo do avanço do caso de uso bato em alguns limites. Na prática, as empresas testam e definem qual o melhor canal para cada caso de uso. Para o receptivo existe barreira tecnológica: boa parte das soluções não são multicanal. Mesmo em marketing tem muitas soluções baseadas apenas em email e site. E aí é o cliente que vai escolher. Ele vai procurar a marca nos canais onde estiver. Ele manda a mensagem. E na dúvida ele posta publicamente, marca o perfil da empresa e espera que alguma coisa aconteça.

O Brasil é apontado como um dos mercados líderes no desenvolvimento de chatbots no mundo. Você concorda?

A grande força motriz disso é a adoção massiva do WhatsApp pelo consumidor, que puxa a demanda para que empresas atendam no WhatsApp. Se olharmos outros países ou regiões, como EUA e Europa, o WhatsApp não é unânime, não é todo mundo que usa, e, portanto, não é óbvio para uma empresa que ela precise atender pelo WhatsApp. O Messenger já foi o canal mais utilizado e o primeiro a ter bots. A diferença é que o uso ativo de Messenger não aconteceu, enquanto o WhatsApp combina comunicação ativa e receptiva. O WhatsApp é mais versátil, entra no mix da empresa de forma mais intuitiva. O Instagram e outros vão na carona. Isso tudo se soma com a qualidade das empresas brasileiras em software. O que fazemos aqui tem a mesma qualidade de EUA e China. Temos ambiente propício para liderar esse espaço. Isso movimenta a Zenvia, que a partir do Brasil constrói um core tecnológico que permite se expandir e internacionalizar.

Pouco mais de um ano após o IPO, qual o seu balanço sobre a abertura de capital?

A abertura de capital está ligada à nossa estratégia de evolução da empresa para CX. Fizemos IPO para financiar aquisições e R&D. E foi exatamente o que executamos. Fizemos três aquisições de empresas de SaaS para CX e lançamos um produto de SaaS para CX. Fomos a primeira empresa de SaaS na América Latina listada na Nasdaq. Aliás, não só de CX e SaaS, mas da América Latina na Nasdaq. Isso significa que o ambiente de SaaS é majoritariamente de empresas globais. O que fizemos como pioneiros foi criar uma empresa global de tecnologia de SaaS a partir do Brasil. E estamos tendo sucesso. Nos últimos meses, os países desenvolvidos convivem com uma combinação de inflação e recessão, o que é raro, pois não acontecia desde a década de 1970. É uma combinação ímpar. O mercado tem que se adaptar para olhar as empresas pela capacidade de geração de dinheiro e não apenas por múltiplos. Tem que olhar pela sua capacidade de geração de valor ao longo do tempo, o que cria um equilíbrio de como se avaliar empresas de tecnologia. Os frameworks de valuation estão sendo refeitos e, por consequência, como se atribui valor. Empresas de tecnologia estão com queda acentuada de 60% a 70% no último ano. Executamos nosso plano de IPO em um janela que existiu. Foi muito proveitoso. Agora vamos para uma fase normal de integração dessa estratégia, que é algo para cinco a dez anos. Agora estamos em uma fase de menos risco. 

A Zenvia fez uma série de aquisições nos últimos anos. Há mais alguma em vista?

Compramos Sirena, D1 | Smarkio, SenseData e Movidesk… Quando fizemos o plano do IPO, o objetivo era completar o portfólio de soluções de SaaS para cumprir a jornada. Fizemos rebranding em julho. O IPO era para fazer isso. O ciclo de aquisições para esse plano se fechou com Movidesk. Agora estamos trabalhando em outras teses que envolvem R&D e M&A, mas em um novo ciclo. Fizemos tese de consolidação lá atrás com Comunika, PureBros e Spring. Depois, a tese de expansão do portfólio, começando com TotalVoice. Agora abre-se um terceiro ciclo. Estamos estudando, há mais de uma nova tese em análise. São ciclos de quatro a cinco anos.

Qual a importância de contar com sócios estratégicos como Tencent e Twilio?

Ambos são acionistas de perfil superestratégico porque olham a construção de longo prazo da companhia. Sempre há acionistas que são mais curtoprazistas e outros mais longoprazistas. Twilio e Tencent são longoprazistas, fazem uma superdiligência da companhia e estão com a gente para o longo prazo. São profundos conhecedores do espaço, da indústria, e entendem o que estamos construindo. 

Como está o processo de internacionalização da Zenvia? Abriram escritórios em outros países?

Somos agora ‘asset light’. 10% dos colaboradores estão fora do Brasil, entre Argentina e México. Focamos primeiro na América Latina, onde estão os países em que temos similaridade de maturidade digital e perfil de uso e softwares de comunicação para CX. Em outras regiões é um pouco diferente. Estamos aproveitando o conhecimento desses mercados para crescermos primeiro na América Latina.

Há um processo de consolidação global, com a formação de grandes players internacionais, e que já atinge o mercado brasileiro, vide a compra da Wavy pela Sinch. Como a Zenvia se enxerga nesse jogo?  

Tem muito chão pela frente. Mas espero esta liderando essa consolidação nos próximos 10 anos. Temos feito uma expansão orgânica da nossa atuação em outros países, que pode ser complementada com expansão via aquisições. É um caminho possível de a gente fazer. Fizemos isso com a compra da Sirena na Argentina, mas o objetivo principal era o de complementar o portfólio. 

Há alguma outra tendência do mercado que queira comentar?

Falamos muito de comunicação, mas pouco de dados. Fala-se muito em buzz word, hype, mas a realiade é que as empresas usam poucos dados para melhorar a jornada do cliente. É comum as empresas terem dashboards, que oferecem uma visão dos dados do cliente. Com eles, conseguem ver gráficos para entender como cliente faz as coisas. Nosso foco é no dado acionável: como pego o dado gerado a partir do conjunto de interações, em que consigo atribuir tags e pontuações sobre o cliente, para aperfeiçoar a interação com ele. Com quais clientes faz mais sentido interagir em determinada campanha? Quais têm maior propensão de recompra? Quais têm maior risco de perda? Dependendo da análise dos dados, as interações são diferentes. É isso que estamos construindo. Ao tocar todos os pontos de contato usamos esses dados na interação. Temos algumas centenas de clientes que usam essa CDP (Customer Data Platofrm), como um data lake de clientes. Posso usar dados de transações para aumentar a recompra e dados de perfil de consumo para prevenção de churn. Cada empresa ao longo do tempo vai tendo a sua própria jornada e sua própria construção, seus próprios scores e tags. E a gente ajuda a começar simples com um caso de uso.

Essa análise de dados utiliza inteligência artificial?

Pode envolver machine learning e ciência de dados, mas não necessariamente. Nem todo problema precisa ser resolvido com IA. O valor está em como você usa os dados para melhorar as próprias jornadas de interação. A transformação que provemos como visão de longo prazo é que a jornada é da pessoa. A empresa constrói os processos que devem servir melhor para a jornada daquela pessoa. Cada pessoa é única e queremos que isso seja levado para o processo. 

 

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