Em todos os países com regulação de viés liberal, se discute o eterno dilema sobre o melhor momento de regular a inovação. Toda indústria inovadora é rápida, disruptiva e, consequentemente, difícil de regular. Regular antes ou regular depois é sempre uma dúvida. Usualmente, a boa prática regulatória manda que mercados em inovação acelerada sejam regulados apenas quando estiverem amadurecidos o suficiente, com acompanhamento, educação e orientação no meio tempo.
No Brasil, em razão da privatização do setor de telecomunicações nos anos 1990, quase toda a regulação se concentrou no setor de infraestrutura, com a Lei Geral de Telecomunicações e as regulamentações da Anatel se iniciando no limiar dos anos 2000. No campo das aplicações de internet, nossos queridos apps, a regulação só chega de fato com o Marco Civil da Internet em 2014, sendo complementada pela Lei Geral de Proteção de Dados em 2018. De lá pra cá, mais de 100 projetos de lei tentam alterar essas leis no Congresso Nacional, até o momento sem muito sucesso. Mas a cada virada de ciclo legislativo isto se questiona.
No atual gabinete de transição não é muito diferente. Os representantes do setor de comunicações já sinalizam que é necessário discutir a taxação específica de aplicativos de internet, especificamente os que tem no Brasil mercados relevantes. No bom português, taxar Google, Facebook, TikTok, Amazon e quais plataformas mais forem consideradas relevantes, considerando seu faturamento no país.
Mas taxar o que? Todas as plataformas já pagam impostos no país, tal qual seus concorrentes e similares. A carga tributária já beira os 20%, distribuídas entre impostos municipais e federais, afora impostos indiretos, o que coloca o Brasil em linha com outras nações e blocos como a União Europeia. A taxação adicional parece ser mais uma punição por terem sido bem sucedidas no país do que em razão de um fato específico. Ficaram muito grandes, tem que pagar mais. Este tipo de pensamento é justamente o que leva empresas a outras praias, mais amigáveis a negócios inovadores.
Afora o espírito punitivo, eventual taxação adicional ainda ignora as conversas no âmbito da OCDE, que tentam impor uma taxa global de 15% para a indústria global de software, redes sociais e afins, para que este percentual seja cobrado do faturamento local das plataformas nos países que adotarem a taxa, efetivamente mantendo parte do faturamento nos países onde o faturamento se deu. A estratégia acabaria com paraísos fiscais em blocos geopolíticos. Irlanda e Luxemburgo, por exemplo, que taxam menos no território da União Europeia para ter as subsidiárias de grandes empresas de tecnologia em suas praias, perderiam esta capacidade.
A eventual taxação brasileira em desalinho com as negociações da OCDE só traria maior insegurança às empresas e plataformas que por aqui aportam, além de alimentar ainda mais uma indústria de litígios tributários. O manicômio tributário brasileiro agradece.
Na mesma linha de regulação, mas em ângulo distinto, há diversas iniciativas de regulação de conteúdos nas redes sociais. Seja para limitar o alcance das famigeradas fake news, para limitar o poder de influenciadores do fim do mundo, reduzir discursos de ódio, enfim, limitar o direito infinito à liberdade de expressão, que sequer conta com tal privilégio em nossa Constituição, sendo obrigado a conviver com outros direitos fundamentais, sob o jugo e análise do Judiciário.
No mundo, todos os outros BRICs, à exceção do Brasil, contam com regras para a distribuição de ideias e informações na internet. A Inglaterra, pós-Brexit, tenta aprovar regras para limitar os malefícios de discursos anti-democráticos, mas sofre com sua própria tradição de liberdade de expressão, que impede e dá um nó em qualquer consenso sobre como executar tal limitação.
O problema é o mesmo no Brasil. Quando os canais e meios eram limitados, curadores, editores e donos de jornal tinham mais facilidade em moldar o discurso que queriam passar à opinião pública. Após 30 anos de internet, há um discurso para cada um, uma bolha para cada incauto e a verdade há de estar lá fora. Nas eleições de 2018 sofremos com isto. Nas eleições de 2022 se decidiu levar o pêndulo da regulação para o outro lado, com o Judiciário determinado a evitar ser taxado de omisso. O resultado, todos sabemos, se ilustra com as já famosas palavras da Ministra Carmen Lúcia, receosa de que o período de exceção e censura descambe para mais censura. Não há saída fácil.
No novo governo que se avizinha, a discussão será novamente travada nos corredores do Congresso, tentando minimizar o alcance das informações que dominam quase metade do espectro dos eleitores, que teimam em aceitar que votos foram contados. Será censura? Talvez. Como evitá-la?
No país que vez por outra joga às favas seus escrúpulos, vai chegando a hora em que a defesa da democracia passa por atos menos democráticos. É paradoxal. Mas talvez chegue a ser necessário.