A banda larga fixa sem fio (FWA, na sigla em inglês) sobre a rede 5G começou recentemente a ser oferecida pelas operadoras no Brasil como redundância de acesso à Internet para o setor bancário. Empresas de outras verticais que precisam garantir a disponibilidade da sua conexão devem seguir o mesmo caminho, para não ficarem dependentes apenas da fibra óptica. Mas qual é a vocação afinal do FWA no Brasil: ser um serviço de nicho, atuando como conexão alternativa para o mercado corporativo, ou um serviço de massa para o consumidor final? Mobile Time entrevistou seis especialistas sobre as perspectivas para essa tecnologia no Pais.
Antes de analisar o contexto brasileiro, vale apresentar o cenário internacional. Nos EUA, essa tecnologia é um sucesso. No ano passado foram vendidas mais conexões de FWA do que de fibra. Na Europa e no Oriente Médio também há exemplos bem-sucedidos, alguns nos quais as operadoras incluem nos planos serviços de streaming. E na Índia a operadora Jio está entrando agora com FWA e promete ser agressiva nos preços.
No Brasil, a Ericsson estima que o mercado potencial para o FWA é composto de 9,5 milhões de conexões. Esse número é dividido em dois grupos:
1) 3,5 milhões de residências que contam com banda larga via par metálico, tecnologia ultrapassada, de baixa velocidade e frequentemente afetada por vandalismo e roubo de fios de cobre;
2) 6 milhões de residências e pequenas empresas que hoje estão desconectadas, mas que possuem renda para contratar o serviço e estão localizadas em áreas onde haverá cobertura 5G. Se esses 9,5 milhões de clientes forem atendidos com FWA, gerariam um faturamento anual da ordem de R$ 10 bilhões, calcula a Ericsson.
A principal vantagem do FWA sobre a fibra é a sua instalação rápida e simplificada. Enquanto a fibra demanda obra civil e acordos com distribuidoras de energia para a passagem dos fios, no FWA basta plugar o modem/roteador (CPE) na tomada com um SIMcard dentro e configurar uma rede Wi-Fi.
No Brasil, boa parte da fibra foi instalada como rede aérea, ou seja, ao longo de postes de eletricidade. Se por um lado isso barateia sua implementação, por outro, submete a fibra a um risco maior de rompimento, por conta de intempéries, acidentes ou vandalismo.
Além disso, há muitos lugares em que a fibra não chega, mesmo dentro das grandes cidades. Isso acontece em comunidades onde há restrições de segurança que impedem a entrada de técnicos das operadoras. Mas também ocorre em prédios antigos de classe média em que não há espaço nos dutos internos para a passagem de fibra, pois já estão ocupados com outros cabos. Prédios tombados como patrimônio histórico enfrentam problemas similares.
Outra vantagem do FWA é a portabilidade do CPE. Ele pode ser retirado da casa do assinante e levado para qualquer outro lugar onde haja cobertura da operadora que presta o serviço. Na Europa, um dos principais casos de uso de FWA é justamente para a conexão temporária em casas de veraneio.
Mas se hoje os planos móveis comportam franquias tão altas, por que não usar o smartphone como roteador em vez de contratar o serviço de FWA? Primeiro porque o CPE, por estar ligado na tomada, trabalha com uma potência muito maior que qualquer smartphone, aumentando o seu alcance de sinal da rede móvel. Ou seja, o CPE recebe cobertura em locais em que o smartphone não consegue. A mesma diferença é percebida na capacidade de distribuição do sinal de Wi-Fi, que é muito maior no caso do CPE que do smartphone. Diante disso, é importante que as teles posicionem o FWA como uma tecnologia de acesso para a casa conectada, não para o indivíduo.
“Dentro de casa, o principal usuário da conectividade com Wi-Fi provida por 5G ou fibra é a própria casa conectada, ou seja, dispositivos como geladeira, câmera e televisão inteligentes”, explica Carlos Roseiro, diretor de soluções integradas da Huawei no Brasil.
Além do espectro em 3,5 GHz, as operadoras podem usar para FWA em 5G as faixas de ondas milimétricas adquiridas no leilão, como a de 26 GHz. “Havia o paradigma de que as ondas milimétricas teriam alcances curtos, mas isso está sendo revisto. Com arranjos em software fazemos repetição de pacotes em sincronismo, o que possibilita que o sinal em ondas milimétricas alcance 8 quilômetros. É preciso que haja visada, mas a topologia do Brasil, com seus morros, ajuda”, explica Wilson Cardoso, CTO da Nokia para a América Latina.
Consumidor final
Aparentemente, é uma questão de tempo para que as teles lancem planos de FWA para o consumidor final no Brasil. Elas ainda estão concentradas no cumprimento das metas do leilão, cuja cobertura foi iniciada nas capitais e grandes centros urbanos.
Alguns especialistas acreditam que o FWA será posicionado como uma tecnologia de acesso de massa nas cidades de menor porte, onde há menor capilaridade de fibra, e será uma alternativa para nichos nas grandes cidades. Um primeiro teste comercial de uma operadora é esperado para os próximos meses, informa uma fonte, sem revelar maiores detalhes. Mas a maioria dos lançamentos deve acontecer mais para o final deste ano ou no começo de 2024, com a interiorização da cobertura 5G.
“Para operadoras que não têm rede fixa, o FWA é uma chance de ouro”, aponta Luciano Saboia, diretor de pesquisa e consultoria de telecom para América Latina da IDC.
Há, contudo, a barreira do preço do equipamento. CEOs da Claro e da TIM já externaram publicamente sua preocupação quanto a esse ponto, mas demonstram otimismo de que o problema vai ser resolvido. Por enquanto, apenas a Intelbras tem fabricação nacional de um CPE para FWA em 5G. Seu primeiro modelo se chama Gx 3000, mas o preço está acima de R$ 1 mil. Ele vem sendo utilizado para o atendimento do mercado corporativo com FWA, mas o preço ainda é alto para viabilizar uma oferta ao consumidor final. A fabricante brasileira, porém, promete que o preço vai cair ao longo do tempo, e espera lançar mais modelos até o fim deste ano. Para 2024, a expectativa da Intelbras é ter entre 12 e 15 opções de CPEs e extensores de sinal para FWA, com muitos deles voltados para o mercado residencial. “Fizemos com design bonito para ninguém esconder dentro da gaveta”, diz Carlos Reich, gerente de soluções de rede 5G da Intelbras.
Paralelamente, o lançamento de FWA pela operadora Jio, na Índia, deve ajudar a derrubar os preços dos equipamentos no mundo todo, em razão do ganho de escala, preveem os especialistas ouvidos por Mobile Time.
Velocidade X Franquia
Uma dúvida que permanece é como as operadoras vão estruturar seus planos para FWA no Brasil. Serão vendidos por velocidade, como acontece na banda larga fixa, de maneira a facilitar a comparação com as tecnologias concorrentes? Ou serão comercializados por franquia de dados, como acontece nos serviços móveis?
O problema da oferta por velocidade é a dificuldade de garanti-la em uma rede móvel. Por um lado, há maneiras de minimizar esse problema por meio de software e, mais à frente, com o network slicing. E tudo depende também da forma como isso for comunicado ao consumidor. Uma das apostas é de que serão montados planos mesclando as duas coisas: velocidade e franquia. Todos concordam que é importante haver um limite de dados, ainda que seja alto, para evitar o uso abusivo, como a revenda ilegal do serviço.
De todo modo, é fundamental que o preço seja competitivo na comparação com as outras tecnologias disponíveis. “Para o consumidor final é uma questão pragmática de preço. Não vejo o consumidor pagando mais caro por um serviço que ele não perceba vantagem”, alerta Saboia, da IDC. “Acho que o preço vai estar muito alinhado com a fibra. Não haverá grande diferença. Não dá para ser mais caro ou mais barato”, diz Roseiro, da Huawei.
“Enxergamos o FWA com muito bons olhos, pois vai ajudar as operadoras a monetizar os investimentos que estão fazendo no 5G. E para a população o FWA será uma excelente opção nos locais onde a fibra não for viável economicamente”, resume Marcos Scheffer, vice-presidente de redes de serviços para o Cone Sul da Ericsson.
Ao que tudo indica, falta pouco para o FWA chegar às casas dos brasileiros. Faltam apenas alguns passos na montagem dos planos, na interiorização do 5G e na queda no preço dos equipamentos.
Fórum de Operadoras Inovadoras
As perspectivas para o FWA no mercado brasileiro será tema de um painel de discussão no 6º Fórum de Operadoras Inovadoras, evento organizado por Mobile Time e Teletime e que acontecerá nos dias 22 e 23 de março, no WTC, em São Paulo. Estão confirmados nesse painel: Ari Lopes, gerente para as Américas de mercados de telecom da Omdia; Carlos Reich, diretor de soluções de rede 5G da Intelbras; Carlos Roseiro, diretor de soluções integradas da Huawei; e Wilson Cardoso, CTO da América Latina da Nokia. A programação atualizada do evento e mais informações estão disponíveis em www.operadorasinovadoras.com.br