| Publicada originalmente no Teletime | No final de maio, o governo de Portugal deu um passo importante, mas controverso, para se adequar aos interesses da União Europeia e dos Estados Unidos: estabelecer critérios de segurança de infraestrutura de telecomunicações que basicamente excluem empresas chinesas e russas. Naturalmente, a medida afeta especialmente uma das maiores fornecedoras de equipamentos, a Huawei, inclusive em redes 5G. Segundo fontes próximas ao assunto ouvidas por Teletime ao longo deste mês, esse banimento mostra paralelos com o processo do leilão do 5G no Brasil em 2021, mas também pode significar um posicionamento mais contundente do bloco europeu na questão.

A medida vem por meio de uma deliberação (clique aqui para acessar) da Comissão de Avaliação de Segurança, vinculada ao Gabinete Nacional de Segurança do governo e criada na Lei de Comunicações portuguesa de 2021. Em suma, o documento afirma que a segurança de rede e serviços 5G fica na categoria de “alto risco” quando a empresa não faz parte da União Europeia, nem do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ou da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Desta forma, a Comissão determina o cumprimento pela Agência Nacional de Comunicações (Anacom), o órgão regulador de Portugal, junto às operadoras – Meo (antiga Altice e Portugal Telecom), Nos (antiga Zon Optimus) e Vodafone.

Fonte ouvida por este noticiário explica que a Comissão, constituída em 2022, funciona como uma célula dentro da presidência, como na Casa Civil, levando em consideração que Portugal tem o regime parlamentar de governo. O colegiado é formado por representantes do governo e da própria Anacom – na figura do presidente da agência, João Cadete de Matos. “Ou seja, estando o presidente da agência, é o mesmo que ter o órgão, é quase uma coisa ad-hoc”, explica.

Impactos

“Achei que aqui o movimento tinha dado uma arrefecida pela saída do [ex-presidente dos EUA, Donald] Trump, mas o fato é que o Canadá avançou nessa direção e isso acaba gerando um efeito manada de países do mesmo porte”, declarou outra fonte ouvida por este noticiário. Ela compara a decisão com o que aconteceu no Brasil, na época do leilão do 5G, mas que acabou tendo um caminho diferente ao limitar a restrição apenas na rede privativa do governo.

Em Portugal, causa preocupação o impacto financeiro que a decisão terá sobre os investimentos das operadoras. No Brasil, o impacto estimado por esta fonte seria de pelo menos 30% do investimento anual das operadoras, incluindo as prestadoras de pequeno porte (PPPs) – mas isso apenas na implantação das redes novas. Nas legadas ainda haveria a necessidade de troca.

“A gente sabia que seria inócuo porque você não substitui completamente a rede, faz uma evolução. Se ainda tiver qualquer entrada [em redes de gerações anteriores ao 5G], faz-se o mesmo estrago”, declara. “Aí a única solução viável seria trocar toda a rede e indenizar as prestadoras.” Ou seja, seria inviável, ainda mais considerando-se a pulverização com as PPPs.

Outro ponto em comum: apesar da pressão constante dos Estados Unidos durante o governo Jair Bolsonaro, especialmente na figura do então embaixador norte-americano, Todd Chapman, não houve nenhuma contrapartida para oferecer incentivo financeiro real para que as operadoras deixassem de usar fornecedores como Huawei e ZTE. “Era sempre com pressão de retaliação de não compartilhar mais informações com o Brasil”, afirma a pessoa próxima ao assunto na época. “Eles ficaram de mandar um relatório para a gente [com as razões técnicas e provas], mas nunca veio.” O mesmo teria ocorrido em Portugal, segundo apurou Teletime.

Os EUA chegaram a oferecer uma oportunidade de linha de crédito para as empresas que optassem por não utilizar equipamentos chineses, mas isso não foi encarado bem como um incentivo. “Linha de crédito a gente tem aqui, ainda mais agora com o Fust”, compara, citando também recursos do Funttel em linhas com a Finep e o BNDES.

A solução encontrada “para dar satisfação à ala mais radical com alinhamento completo com os EUA” foi a de limitar a restrição aos equipamentos chineses apenas na rede privativa, o que, no entendimento desta fonte, foi uma saída “feliz” para uma questão complexa. Por conta disso, a comitiva liderada pelo ex-ministro das Comunicações, Fábio Faria, foi à Finlândia para conhecer o projeto da Nokia com redes privativas no governo do país europeu. Houve também conversas com a própria Huawei no sentido de procurar apaziguar os ânimos.

Relação histórica

No entendimento da fonte próxima ao assunto em Portugal, a decisão do governo não teria expressado fundamentos e se mostrou uma virada radical antes mesmo de a Comissão Europeia chegar a fazer alguma pressão direta ao país. Cita ainda que há rumores de que a embaixada norte-americana teria ficado ciente da questão antes mesmo das operadoras, o que reforçaria a teoria de decisão política, e não técnica. O fato é que Portugal tem um relacionamento comercial histórico com a China, para além das telecomunicações, até pela ligação com Macau, que foi colônia portuguesa até 1999.

Doutor em ciência política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista em China, Diego Pautasso contextualiza a importância da relação comercial internacional entre os países. “A China é o maior parceiro comercial de Portugal e da União Europeia. É possível ficar a par das inovações tecnológicas chinesas nos mais variados campos? Essa estratégia vai dar pé?”, indaga, contrapondo ao citar medidas recentes de investimento de empresas europeias em território chinês.

“Acho que isso está precipitando o desenvolvimento da tecnologia chinesa, e o risco é de Estados Unidos e Europa ficarem à margem do crescimento expressivo do sul global”, declara Pautasso. “Tem uma política muito clara por parte de Washington que vem se intensificando com o governo Joe Biden”. Ou seja: ele enxerga a movimentação de Portugal como um alinhamento com a Casa Branca.

 

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