Há quem diga que o – já famoso – “Ctrl+c e Ctrl+v” é uma das melhores invenções da humanidade. Em maior ou menor grau, todos já desfrutamos da agilidade (com zero esforço) que essa ferramenta nos proporciona. No entanto, convenhamos que copiar e colar também nos leva à perda de originalidade e pensamento crítico.

Um bom exemplo do que não copiar e colar é a regulação de outro país. Não só porque cada país tem suas particularidades, desafios e oportunidades, mas também porque uma regulação que funciona bem em um contexto normativo pode não ser adequada ou eficaz em outro. 

Na linha do copia-e-cola, o Brasil adotou a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais da União Europeia (GDPR), que foi projetada em função do contexto europeu e de seu viés protecionista, visando justamente proteger o mercado digital europeu da atuação de empresas estrangeiras. Sem entrar no mérito se era o que o Brasil de fato precisava, importamos o conceito e instituímos a nossa Lei Geral de Proteção de Dados.

Agora parece que a ideia é importar todas as demais regulações europeias para a economia digital – AI Act, DMA e DSA – como se fossem verdades absolutas, ou mesmo leis de alcance universal, independentemente do nosso peculiar estágio de inovação, desenvolvimento econômico e – o mais importante – literacia digital. Esquecem que uma regulação afeta todos os atores envolvidos, inclusive a parte mais fraca, neste caso, o cidadão.

O Brasil deve buscar sim inspiração e aprendizado nas experiências de outros países – afinal, uma fragmentação regulatória global só prejudica a inovação e a concorrência –, mas também deve desenvolver sua própria regulação, levando em conta suas necessidades, objetivos e valores. Para isso, é fundamental que haja um debate amplo, qualificado e prévio entre os diversos atores envolvidos, como governo, empresas, academia, sociedade civil e usuários, para buscar soluções equilibradas e eficazes. Não estamos a sugerir qualquer ideia de protecionismo ou de defesa da indústria nacional, por melhor que seja. O que estamos a dizer é, apenas, que o modelo regulatório deve estar pautado antes de tudo pela realidade do país, sob pena de se criar uma legislação ineficaz, anacrônica ou até mesmo limitadora da inovação e do desenvolvimento.

Em vez de uma caça às bruxas imaginária ou de um filme de ficção científica em que as empresas de tecnologia são sempre as vilãs, é fundamental falarmos sobre a necessidade de preparar a população para os usos da tecnologia e capacitá-la para os empregos do futuro. Neste caso, a ordem dos fatores altera sim o produto: políticas públicas são urgentes para diminuir a divisão digital no Brasil, em que o analfabetismo digital é um dos principais determinantes – já que estamos nos propondo a copiar e colar os países desenvolvidos, que pelo menos observemos todo o cenário.

De acordo com o relatório Digital 2022, o Brasil tem 150 milhões de usuários de internet, que representam 70% da população. Estamos acima da média se comparados a países em desenvolvimento, mas bem abaixo da média dos países desenvolvidos em termos de cobertura e acessibilidade da rede. Além disso, quando vemos que mais de 90% das pessoas usam a internet apenas para fazer chamada de voz ou vídeo, como indicado em pesquisa realizada pelo CGI.br, identificamos um grande desafio – como sociedade – na diminuição das diferenças de uso, acesso e aproveitamento das tecnologias. 

Recentemente, foi realizada audiência pública na Câmara dos Deputados para debater os impactos da dependência tecnológica na sociedade. Um tema complexo, sem dúvida, que demandaria várias audiências para ser exaurido, mas que foi tratado de forma incompleta e, pior, com um olhar enviesado, trazendo apenas a opinião de especialistas sobre o risco do excesso de tela, sem sequer abordar outros usos, ou as oportunidades oferecidas. A tecnologia é uma ferramenta para aumentar a capacidade humana: construir prédios mais seguros, garantir a qualidade do solo para o plantio, fazer pesquisas acadêmicas em bibliotecas do mundo todo, para citar pouquíssimos exemplos. Somos dependentes da tecnologia no nosso dia a dia. Muitos não tiram o carro da garagem sem usar ao menos duas aplicações ao mesmo tempo – seja para entretenimento, comodidade, segurança ou simplesmente para evitar engarrafamento. Evoluímos e investimos em inovação para chegarmos aonde estamos. 

Em um mundo cada vez mais conectado e dependente da tecnologia, é crucial que o Brasil encontre o equilíbrio certo entre a adoção das melhores práticas globais e a criação de soluções internas para a regulação digital. Vamos fazer uma regulação que vá além do ‘copia e cola’, em que possamos aprender com as experiências de outros países, mas também reconhecer que somos únicos em nossa diversidade e desafios. Ao promovermos um debate amplo e inclusivo entre os diversos atores envolvidos, podemos criar uma regulação digital eficaz, que respeite os direitos dos cidadãos, promova a inovação e estimule o desenvolvimento econômico. Ao olhar para dentro de casa e fortalecer nossa literacia digital, podemos enfrentar os desafios internos e nos preparar de forma mais adequada para o futuro digital, garantindo que todos os brasileiros possam colher os benefícios dessa era tecnológica em constante evolução.

Afinal, para quê tanta modéstia? Já temos capacidade humana e intelectual, e qualidade, mais que suficientes para que consigamos desenvolver um sistema próprio de regulação, baseado em experiências estrangeiras, mas ajustado às nossas vicissitudes. 

 

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