A condenação da Uber pela justiça brasileira a pagar R$ 1 bilhão por danos morais coletivos e a contratar em regime CLT todos os seus motoristas ativos na plataforma deixou os advogados especialistas em direito digital preocupados com a insegurança jurídica que tal decisão causa e os sindicalistas esperançosos de que a relação trabalhista entre motoristas e empresas possa melhorar.
“Ainda que a medida fosse posta em prática pela Uber, como fariam com os motoristas? Todos teriam que trabalhar oito horas sequenciais diariamente, com uma hora de intervalo, cinco dias por semana? A experiência nos ensina que não é desta maneira que os próprios motoristas atuam e provavelmente nem gostariam de atuar. Esperemos agora que o Tribunal Regional do Trabalho e as cortes superiores revejam este entendimento e impeçam maior insegurança jurídica na economia digital”, comentou para Mobile Time Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital e sócio-fundador da Pellon de Lima Advogados.
Esperança
Luiz Corrêa, presidente do SindMobi (Sindicato dos Prestadores de Serviço por Aplicativo do Rio), acredita que o juiz responsável pela sentença levou em consideração a precarização do trabalhador para tomar sua decisão. Em conversa com este noticiário, o sindicalista reclamou que o Grupo de Trabalho organizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com empresas, sindicatos e entidades do governo e da sociedade civil não está andando como gostaria.
“Estamos no GT da regulamentação federal dos aplicativos, tentando fechar um acordo para aumentar a remuneração dos trabalhadores. Infelizmente está bem difícil avançarmos nessa questão. A empresa poderia dar uma demonstração que está preocupada com o ganho, com a saúde e a segurança desta classe trabalhadora que vem sendo explorada por eles já há 10 anos. O juiz levou em consideração essa precarização para tomar sua decisão”, disse.
“A sentença nos alegrou muito. Agora temos que aguardar os próximos capítulos porque sabemos que a empresa vai recorrer. Mas comprovou a tese de que existe um vínculo empregatício, sim”, contou Leandro Cruz, presidente do S.T.A.T.T.E.SP (Sindicato dos Motoristas com Aplicativos do Estado de São Paulo).
Decisões em cortes superiores
Em nota enviada a este noticiário, a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia) afirmou que o trabalho do motorista por aplicativo não possui vínculo empregatício nos moldes da CLT, “formato que não se adequa à realidade criada pelo trabalho em plataformas.”
A entidade lembrou ainda uma série de decisões favoráveis às empresas feitas pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), TST (Tribunal Superior do Trabalho) e STF (Supremo Tribunal Federal). Neste caso, a corte negou a existência de vínculo e revogou duas decisões de Minas Gerais que desrespeitaram “o entendimento do STF, firmado em diversos precedentes, que permite outros tipos de contratos distintos da estrutura tradicional da relação de emprego regida pela CLT” e que destoaram “da jurisprudência do Supremo no sentido da permissão constitucional de formas alternativas à relação de emprego”.
Ausência do Poder Legislativo
Para Henrique Rocha, advogado especialista em direito digital e sócio do Peck Advogados, a decisão, se mantida, inviabiliza a operação da companhia no Brasil e pode comprometer também os motoristas, usuários e a arrecadação tributária realizada. Rocha lembrou ainda que o Poder Legislativo deveria ser mais célere na regulação dos aplicativos de motoristas e de entrega.
“Sob o ponto de negócios, certamente a decisão gera uma insegurança jurídica não só para a Uber, como também para todas as empresas que tentam desenvolver um modelo semelhante. A forma de estruturação do poder judiciário no País permite que varas enfrentem os mesmos temas já decididos por cortes superiores, vez ou outra causa esse tipo de episódio”, comentou.
“Do ponto de vista regulatório, mais uma vez será objeto de discussão sobre a negligência por parte do poder legislativo em regular de uma forma mais clara as interações nesse novo modelo de negócio. É mais do que necessário que se faça uma revisitação pelo legislativo de forma mais clara e também dos juízes, que passem a observar também as decisões proferidas em casos anteriores e julgados, inclusive, por cortes superiores”, disse.
O caso
A decisão, tomada pelo juiz do Trabalho Maurício Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, é referente à ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho.
A empresa tem seis meses para estar em conformidade. Para a contratação, o juiz determina que a Uber deverá informar quantos motoristas estão ativos em sua base e deverá comprovar um sexto de regularização por mês ao longo do tempo estipulado. “A multa incidirá a cada período mensal de comprovação e percentual de regularização.”
Em comunicado, a Uber informou que vai recorrer e que “não vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados”. “Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho contra plataformas, como nos casos envolvendo iFood, 99, Loggi e Lalamove, por exemplo”, completa a nota.
De acordo com a sentença, o descumprimento poderá acarretar em multa, com direcionamento dos valores apurados para o Fundo de Amparo ao Trabalhador, “na proporção de 50%, sendo os demais 50% direcionados para as Associações de motoristas por aplicativos que tenham registro em cartório e constituição social regular, em cotas iguais de tantas quantas forem encontradas pelo Ministério Público do Trabalho.”
A Uber ainda poderá recorrer no Tribunal Regional do Trabalho. Se for o caso, em seguida, poderá ir para o Tribunal Superior do Trabalho e, por fim, ao Supremo Tribunal Federal.