Após abordar a paralisação nos avanços regulatórios e os eventuais caminhos para começar, a segunda parte do especial de open health no Brasil aborda os seus possíveis usos e modelos de negócios. Mas também os desafios de implementação para o sistema aberto de saúde, em especial em um País com dimensão continental e tantos contrastes no acesso da população aos serviços de saúde.

Cadu Lopes, CEO da Doctoralia, citou quatro desafios que devem ser resolvidos antes de implementar o sistema aberto de saúde: segurança da informação dos pacientes; legislação de proteção de dados; interoperabilidade; mas principalmente formas de evitar conduta discriminatória. Comparando com o open finance, o CEO da plataforma de saúde afirma que os sistemas das operadoras precisam ser diferentes na oferta de planos e não podem copiar o modelo de crédito dos bancos. “(Plano de saúde) é diferente de dar crédito para quem tem score ruim. Não pode negar saúde para quem passou dos 60 anos e tem risco de sinistralidade grande”, explica.

Para Castelano Santos, CEO da TechTrail, o movimento de open health tem sido puxado pelas healthtechs, que têm forçado a discussões que confrontam as grandes corporações de saúde para terem mais acuracidade nos produtos: “As healthtechs vão lá dentro e confrontam as seguradoras (de saúde) sobre o produto que está sendo pago”, diz o executivo da empresa de inteligência de dados. Outro grande desafio que Santos vê é na oferta do seguro individual, uma vez que hoje o mercado de saúde é pautado no corporativo, mas poderá trazer ofertas melhores a 49 milhões de pessoas que estão no mercado sem plano de saúde.

O segredo está nos dados

Henrique Couto, gerente de business marketing da Philips, alerta para os problemas de sistemas legados e interoperabilidade. Em legado, o executivo afirma que há hospitais brasileiros (privados e particulares) trabalhando com infraestrutura antiga, da década de 1980. E em interoperabilidade é preciso ter uma gestão de dados estruturada e definir qual padrão deve ser usado para troca de informações com segurança.

Atualmente, o setor de saúde tem dois grandes modelos de dados, Health Level 7 (HL7) e Dicom. A diferença entre os dois é que Dicom está voltado para envio de arquivos de imagens (tomografia, por exemplo) e HL7 funciona como uma plataforma de mensageria e, portanto, é mais amplo: “O dado precisa ser gerado em HL7 ou Dicom. Mas é preciso que todo mundo nessa direção. Não pode ser um formato próprio. Temos várias iniciativas de interoperabilidade, como Forecare, para melhorar o nosso produto e conversar com o melhor formato de imagem. Outro modelo que pode ser trabalhado é por APIs”, afirma Couto.

Para Marco Bego, CIO do InovaHC, há outros problemas no open health, como a semântica e a dicotomia na troca de dados entre o setor público e o privado. Com aproximadamente 80% da população usando o sistema de saúde público, o executivo acredita que será necessário definir quais dados poderão ser usados e tratados que interessam ao SUS e quais interessam aos players do setor privado. Mas precisa ser uma estrada de via dupla.

“Se o dado for aberto precisa ter mais clareza em todos os elos protetores. As companhias só querem que o outro abra e o meu fica aqui ‘fechadinho’. Por exemplo, é muito difícil calcular sinistro para confrontar com os dados do convênio. Os dados estão todos dispersos. Não tem uma regra”, conta Bego. “Todo mundo precisará abrir um pouco mais para trocar dados. Dar sua parte de contribuição nesse processo como um todo. Por isso que a regulação é importante. Ela poderia prever esse caminho de abertura”, completa.

Modelos

Embora cite modelos de open health que estão em desenvolvimento na Europa e são similares ao SUS, como Reino Unido, Holanda e Suécia, e os Estados Unidos como contraponto com dados públicos setorizados por estado, o executivo do InovaHC acredita que o Brasil pode criar um modelo próprio de open health, em especial pelos recursos financeiros aplicados no segmento.

“Apesar de o percentual de população atendida ser bastante diferente (80% no público e 20% no privado), o percentual de dinheiro investido em saúde é praticamente 50% a 50% no Brasil. É o recurso financeiro que movimenta muito essa parte de troca de dados. Portanto, acho que precisaremos de bons exemplos”, explica Bego.

“Mas não precisa criar tudo do zero. Tenho a interoperabilidade praticamente definida. A RNDS (Rede Nacional de Dados em Saúde) dá alguns caminhos de como começar. Tenho o uso do prontuário (eletrônico) e o sistema de indicadores das cidades. Temos muitas inovações que poderíamos começar a conectar e mostrar os exemplos”, diz, ao lembrar que o governo tem indicado o HL7 como padrão de troca de dados na saúde.

Inovações e negócios

Para Santos, da TechTrail, o opt-in será o grande propulsor para o sistema aberto de saúde funcionar de fato junto ao consumidor. Na visão do executivo da empresa de inteligência de dados em finanças, saúde e farmácia, o aceite do usuário transformará o quanto uma empresa entregará de melhoria na experiência e de menor custo. E novos serviços vão surgir, como portabilidade de plano, ampliação da telessaúde e até o pay per use. “Isso virá do conhecimento, da coleta de dados. Hoje, a margem de lucro é pequena e não permite avançar com modelos de negócios mais flexíveis em saúde”, completa.

Com 25 milhões de usuários únicos por mês no Brasil, 35 milhões de views e 700 mil profissionais de saúde cadastrados em sua plataforma, Lopes, da Doctoralia, explica que sua plataforma está pronta para o open health, ao plugar desde os wearables de pacientes até sistemas robustos de saúde de rivais, como a Memed. Inclusive, o CEO da plataforma de saúde revela que está usando inteligência artificial generativa (copiloto) para dar apoio ao profissional no atendimento ao paciente, em tecnologias plugadas na nuvem da Microsoft Azure e criadas por especialistas da companhia na Polônia e na Espanha. E usando exemplos de projetos de open health de operações polonesas, espanholas e italianas de compartilhamento de informações de redes de hospitais, Lopes afirma que está em negociações com planos de saúde locais para replicar esses modelos.

O líder de tecnologia da Philips, Leonardo Sasso, explica que a companhia tem investido pesado em software, equipamento médico de ponta (tomografia e ressonância, por exemplo) e integração de todas as informações em unidades clínicas e hospitalares nos últimos 20 anos para trazer informações que vão auxiliar o paciente em seu tratamento: “O que estamos fazendo em open health é ajudar as instituições a organizar os dados. Criar padrões que permitam replicar isso para outros sistemas. Óbvio, há toda a questão da segurança em LGPD, por isso, também é necessário ter ferramentas que sigam padrões e permitam a troca de informações”, diz.

“Queremos acompanhar a jornada do paciente nas instituições de saúde. Do diagnóstico e da possível internação até mesmo o home care (tratamento em casa). Nessa jornada tem interações e sistemas aos quais queremos conectar tudo. Mas falta mão de obra especializada”, completa Sasso.

 

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