Está nas mãos da Anatel uma decisão que pode abrir as portas para a Telebras se tornar, no futuro, uma operadora móvel estatal. No projeto de construção da rede celular privativa do governo federal foram incluídas entre as especificações, a pedido do Ministério das Comunicações, que haja interoperabilidade com as redes públicas; plano de numeração pública; e direito a roaming. Se assim for feito, essa rede privativa terá todos os “poderes” de uma rede pública móvel, só que estatal, sob o controle e gestão da Telebras. Isso acendeu um sinal de alerta dentro das operadoras móveis, que entraram com recurso na Anatel contra essas especificações. O assunto está sob análise da Procuradoria Federal Especializada (PFE) junto à agência, que dará a sua opinião nas próximas semanas. A decisão final ficará com o conselho diretor da agência reguladora.
A princípio, a licença para a rede privativa do governo federal seria nos moldes do SLP (Serviço Limitado Privado), e abrangeria somente o Distrito Federal, com previsão de instalação de 215 sites que vão operar em um bloco de 5 MHz na faixa de 700 MHz e atender a 150 mil linhas móveis. Porém, com as especificações adicionais solicitadas pelo Ministério das Comunicações, essa licença ganharia características típicas de Serviço Móvel Pessoal (SMP), aquela usada pelas operadoras de telefonia celular em redes públicas – Claro, Vivo, TIM etc. Outra dúvida no ar é se a licença terá caráter primário ou secundário, o que faz toda a diferença para uma eventual comercialização dos serviços.
Segundo fontes que acompanham o assunto, o governo tem dado sinais de que teria interesse em “reeguer a estatal” e transformá-la em uma operadora móvel para atender não apenas órgãos governamentais, mas, eventualmente, atuar como uma operadora de rede neutra para players privados.
“Mas se a Telebras virar uma operadora competitiva, 5 MHz não serão suficientes. Aí precisaríamos olhar outra faixa. Talvez haja espaço em 800 MHz”, comenta uma fonte em conversa com Mobile Time. “Se a Telebras receber uma licença em caráter primário, poderia até virar uma operadora neutra móvel para ISPs e outras teles”, acrescenta.
O problema regulatório em torno de uma outorga especial para a rede celular privativa do governo federal está sendo discutido há cerca de um ano e já havia aparecido em debates no MPN Fórum, em novembro de 2022.
RFPs
As RFPs para a construção da rede celular privativa do governo federal já foram lançadas e os prazos para entrega de propostas vencem ao longo do mês de novembro. São quatro RPFs: plataforma de comunicação crítica; core e rede de acesso; rádios micro-ondas para backhaul; e roteadores. A expectativa é de que haja bastante interesse dos fornecedores. O projeto está orçado ao todo em R$ 1 bilhão, incluindo também uma rede fixa nessa conta. Porém, se as especificações solicitadas pelo Ministério das Comunicações forem alteradas pelo conselho diretor da Anatel, as RFPs precisarão ser ajustadas, o que deve mudar todo o cronograma.
Análise
A possibilidade de a Telebras virar uma operadora móvel estatal competitiva, obviamente, desagrada os players privados, que investiram pesado em leilões de espectro, na construção e constante evolução de suas redes ao longo das últimas três décadas. A seus olhos, não parece justo ter que enfrentar da noite para o dia um competidor estatal, que contaria com a vantagem de ter o governo ao seu lado. Provavelmente, se imaginassem esse risco, os cálculos que fizeram para o leilão de 5G seriam diferentes.
Ao mesmo tempo, é também verdade que o mercado móvel vem passando por um processo de consolidação, após as vendas da Nextel e da Oi Móvel. O próprio presidente da Anatel reconhece a necessidade de se estimular um aumento da competição no setor, porém, não através de um player estatal, mas fomentando atores regionais, como foi perseguido ao se estruturar o leilão do 5G, que resultou nas vitórias de Brisanet, Unifique e Ligga.
Para o governo federal, controlar uma operadora móvel estatal poderia servir para conduzir o mercado de telecomunicações em alguma direção do seu interesse ou ocupar espaços que a iniciativa privada não ocuparia, como faz no financiamento habitacional com a Caixa Econômica ou no desenvolvimento de tecnologia para extração de petróleo em águas profundas com a Petrobras. Porém, dependendo do quão forte e competitiva for essa operadora, o tiro pode sair pela culatra, resultando na diminuição do interesse dos players privados no mercado brasileiro e na redução dos investimentos.