O advento da IA generativa provocou pânico entre profissionais das mais diversas áreas. Tal como em outras revoluções tecnológicas, surgiu o temor da obsolescência e a consequente perda de empregos. No jornalismo não é diferente. Há muita gente preocupada com as consequências que a IA generativa terá no futuro da profissão.

São basicamente dois temores:

1) O ofício de jornalista seria substituído pela inteligência artificial

2) O hábito de leitura de veículos de imprensa seria substituído por consultas em ferramentas de inteligência artificial, como ChatGPT, o que inviabilizaria o modelo de negócios do jornalismo

Considero as duas previsões alarmistas. Sem dúvida haverá impactos, mas não a ponto de extinguir o jornalismo. Explico a seguir.

Primeiro vou refutar a previsão da obsolescência do ofício de jornalista. É verdade que as ferramentas de IA generativa conseguem produzir textos mimetizando a linguagem jornalística e sem erros ortográficos, a partir de conteúdos que lhes sejam fornecidos (ou coletados por elas próprias). Porém, o trabalho de um jornalista não se resume à redação de matérias com base em outros textos. O (bom) jornalista precisa pensar em pautas; construir fontes, o que requer relacionamento humano; realizar entrevistas; ter tino editorial para identificar ‘lides’; e, em alguns casos, estar fisicamente presente onde a notícia acontece.

Um robô não constrói fontes. Dificilmente uma pessoa vai confiar em um jornalista-robô para fazer uma denúncia ‘em off’. Uma entrevista olho no olho, entre seres humanos, tem potencial para ser muito melhor do que uma feita por inteligência artificial, porque o jornalista vai ser capaz de captar também outros detalhes para além das respostas do entrevistado – seu comportamento, seus gestos, suas roupas etc, e tudo isso pode contribuir na composição da matéria depois.

Quem precisa ter medo do ChatGPT é quem produz jornalismo raso. É quem não pensa pautas pró-ativas; não faz entrevistas; não sai da redação para testemunhar a notícia. São aqueles que basicamente copiam e colam releases. Para esse tipo de jornalista, de fato, a IA generativa é uma ameaça. Para esse trabalho, a IA é inclusive bem mais eficiente. 

Para os demais jornalistas, em vez de uma ameaça, a IA pode ser uma aliada, se utilizada de forma ética e transparente. Ela pode ajudar na transcrição de entrevistas, na revisão de textos, na elaboração de resumos de longos documentos, em consultas na Internet etc, tudo sempre com a devida supervisão humana.

Sobre o risco de a IA generativa inviabilizar o modelo de negócios dos veículos de notícias, é preciso separar o debate em diferentes aspectos. Comecemos pela questão do direito autoral. É verdade que os modelos de LLM estão sendo treinados com conteúdo disponível na Internet, incluindo sites de notícias e livros. Caberia remunerar as fontes originais desse conteúdo? Me parece uma discussão pertinente, ainda mais quando considerado que muitas vezes a ferramenta de IA generativa simplesmente “regurgita” longos trechos de matérias jornalísticas, copiando palavra por palavra, e não cita a fonte. O assunto já está nos tribunais e a briga mais emblemática opõe New York Times e OpenAI.

As pessoas vão trocar o hábito de leitura de jornais por consultas no ChatGPT? Talvez, em alguma medida, sim, mas só quando souberem o que querem pesquisar. Os veículos de notícias continuarão tendo a vantagem das notícias em primeira mão, as “breaking news”. Nem a mais poderosa ferramenta de IA é capaz de prever as notícias. Elas simplesmente acontecem. E os veículos jornalísticos continuarão sendo a fonte mais confiável para o consumo das últimas novidades.

Ainda que parte do consumo de conteúdo noticioso passe a ocorrer dentro de ferramentas de IA generativa, estas têm a obrigação (e já estão fazendo isso) de informar as fontes, ou seja, os veículos de onde estão tirando cada resposta. O ChatGPT já faz isso em sua versão paga – eu mesmo pude constatar inclusive com matérias exclusivas do Mobile Time. E isso pode ser uma nova fonte de tráfego para os sites de notícias. Aliás, acho que as ferramentas de IA generativa constituem uma ameaça muito maior para buscadores tradicionais, como o Google, do que para o jornalismo em si.

E vale lembrar que o jornalismo não se restringe ao modelo de negócios bancado por publicidade e dependente de audiência. Há outras fontes de remuneração, como conteúdo pago por assinatura.

Em resumo, a IA generativa não vai acabar com o ofício de jornalista, muito menos com o jornalismo. Mas vai transformá-los, assim como está transformando as mais variadas profissões. A tendência é que seja incorporada como uma nova ferramenta que vai conferir ainda mais qualidade e eficiência aos bons jornalistas.

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Aproveito para informar que Mobile Time publicou nesta semana sua Política de Uso de IA Generativa, em razão da nossa primeira experimentação com ilustrações feitas com essa tecnologia. Acredito que diante de tão complexas discussões em torno de IA, muitas delas ainda nebulosas, é fundamental para a credibilidade dos veículos de imprensa informar ao seu público como estão aplicando essa tecnologia. Leia aqui as nossas diretrizes.

Crédito da imagem no alto: ilustração produzida por Fernando Paiva com a ferramenta de IA generativa Dall-E 3

 

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