Todos os dias, faço uma pequena peregrinação em meu celular: passo por cinco ou seis aplicativos de mensagens para saber das novidades e responder pessoas. Seria ótimo se fosse um só, não?
Eu achava que sim, e mais gente — que sabe programar e/ou tem recursos — também. Embora os principais aplicativos de mensagens do mercado não trabalhem com rivais, soluções como Beeper, Texts e Element One conseguem, ainda que na base da gambiarra, juntar as mensagens do WhatsApp, Signal, Telegram e outros, todos sob um único ícone na tela do celular.
No final de 2023, consegui acesso ao Beeper. Trata-se de uma camada em cima do Element, aplicativo principal do protocolo Matrix.
A empolgação não demorou muito para virar decepção. Já nos primeiros dias de Beeper, tive uma revelação: talvez essa ideia de um só aplicativo não seja das melhores.
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Os apps universais (chamemo-los assim, para facilitar) têm problemas em duas dimensões, a do usuário final e a da viabilidade a longo prazo.
No lado do usuário, dois detalhes me incomodam.
O primeiro são as concessões que um aplicativo do tipo precisa fazer para lidar com conversas de vários outros.
WhatsApp e Telegram, para ficarmos em dois exemplos, têm recursos distintos, às vezes sem equivalentes no outro. Por conta disso, o Beeper nivela por baixo, ou seja, funciona apenas com os recursos básicos de cada aplicativo, o que pode causar alguns ruídos.
O outro detalhe, mais subjetivo e, curiosamente, mais grave, é o colapso de contexto.
Ainda que o Beeper se esforce para sinalizar e segmentar as conversas por aplicativo/plataforma, quando todas estão na mesma tela é mais difícil processá-las.
Troquei a peregrinação por vários apps por um destino só, mas um mais exaustivo. Mais ou menos como trocar lojas de rua, com toda a diversidade e peculiaridades que elas podem ter, pela homogeneidade e sobrecarga dos sentidos de um shopping.
Talvez com exemplos isso fique mais claro.
Uso o Telegram basicamente para trabalho, Signal para conversar com pessoas próximas e WhatsApp para todo o resto. Quando abro o app do Telegram, entro em “modo profissional” e lido com todas as pendências do tipo. No Signal, falo com minha família, o que demanda outra postura.
Graças a essa divisão, consigo ignorar o trabalho (leia-se: o Telegram) quando não é o momento, como à noite e nos fins de semana.
Com o Beeper, tudo acontece ao mesmo tempo, momento e lugar. É impossível separar as coisas da maneira que aplicativos separados permite. (Fico imaginando quem coloca Discord e/ou Slack na mistura; deve ser enlouquecedor.)
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Aplicativos do tipo têm um desafio maior que o de me convencer a usá-los. Aqui, entramos na esfera da viabilidade a longo prazo.
As empresas que desenvolvem tais soluções não têm modelo de negócio outro que não a cobrança de assinaturas.
Por ora, o Beeper é gratuito, mas não será sempre; o Element One custa US$ 5/mês; e o Texts, que a Automattic comprou em outubro de 2023 por US$ 50 milhões, cobra US$ 15/mês dos usuários (e nem tem um aplicativo para celular pronto).
É o preço da conveniência, o que me leva a questionar se ela vale US$ 5 ou US$ 15 por mês, com o ônus de uma experiência inferior se comparada à dos apps originais.
A maior ameaça, porém, é a de uma abertura dos aplicativos que Beeper e companhia tentam juntar. Se hoje vivemos um cenário de “balcanização”, há indícios fortes de que estamos à beira de uma era de interoperabilidade.
Por força do Regulamento de Mercados Digitais (DMA, na sigla em inglês) da União Europeia, o WhatsApp terá que dialogar com outros apps em 2024.
O recurso já foi flagrado em versões de testes do WhatsApp e, apesar das muitas incógnitas (como funcionará?; será só na Europa?), é um primeiro passo para tornar universal a camada fundamental da comunicação por mensagens.
Quem precisa do Beeper se for possível falar com pessoas que usam o WhatsApp a partir do Signal, ou Telegram? Eu, não. E desconfio que, para muita gente, isso será mais que o bastante.
Desconfio também que poucas pessoas se incomodam em terem que usar dois ou mais apps de mensagens. Nesse sentido, Beeper, Texts e Element One resolvem um “não problema”, atendem a uma demanda inexistente ou muito limitada, e que talvez esteja com os dias contados.
De todas as soluções que se apresentam, o protocolo Matrix parece-me o mais bem posicionado. As “pontes”, complementos que viabilizam a conexão com outros aplicativos, são apenas isso, complementos.
Matrix é uma solução completa e autossuficiente e que, desde a sua concepção, funciona de maneira descentralizada. É, para apps de mensagens, o que o protocolo ActivityPub é para plataformas sociais.