O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) e o líder do seu partido, Mario Jerry (MA), levarão à reunião do colégio de líderes da Câmara Federal, na próxima terça-feira, 9, a proposta de voltar à discussão do PL 2630, que ficou conhecido como PL das fake news. Silva, relator da matéria, reforçou que a soberania do País está sendo atacada e o Congresso deve fazer o que tem que ser feito: regular as plataformas para tomar as rédeas da discussão e não deixar o caso no Judiciário.
“São sucessivos episódios que demonstram a necessidade de a Câmara dos Deputados votar a matéria. Independente do resultado da votação. O plenário é soberano para manter o texto apresentado, para modificar, suprimir, acrescentar. Esse exemplo do Elon Musk está sendo muito comentado por ser uma agressão brutal à democracia brasileira. Temos o dever de dar uma resposta política e institucional a esse ataque. A nossa soberania está sendo atacada e devemos responder com mais soberania”, disse em entrevista à Globonews nesta segunda-feira, 8.
O deputado defende a importância de o Congresso trazer para si pautas que são típicas de lei. “Medidas para combater o uso malicioso da inteligência artificial nas eleições e o combate à desinformação são matérias típicas de lei (e que estão nas normas das Eleições 2024). Na medida em que não votamos uma lei, o poder judiciário é acionado e age. Vou conversar com outros líderes para que possamos avaliar como proceder. Não necessariamente votar nesta semana, mas ter um horizonte para que a Câmara possa cumprir o seu papel. A matéria é polêmica, mas a câmara vota temas polêmicos. É natural”, resume.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também defendeu que o Congresso precisa votar a lei para que o Poder Judiciário não seja obrigado a tomar medidas sem que haja uma legislação clara. Em entrevista a jornalistas depois de reunião com ministros do governo e líderes governistas no Congresso, o presidente do Senado disse que acredita que a regulamentação das redes é “inevitável”, mas é preciso estabelecer um quadro legal para que as plataformas se sintam obrigadas a seguir um padrão ético no tratamento de informação e desinformação.
O governo federal também pressiona Arthur Lira, presidente da Câmara, para a volta a discussão do projeto de lei que regulamenta as plataformas digitais.
Alexandre Padilha, por exemplo, ministro da Secretaria das Relações Institucionais, afirmou que Elon Musk promoveu um ataque à soberania brasileira e que as instituições precisam dar uma resposta. Em evento em Brasília, o ministro cobrou reação de todas as instituições: Três Poderes, o executivo, o Congresso Nacional e o Judiciário. “A nossa soberania está sendo atacada, nós vamos responder com mais soberania.”
O caso
O tema voltou à mesa depois do embate entre Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), e o ministro do STF Alexandre de Moraes na referida rede social. Ao longo do fim de semana, o empresário questionou decisões do ministro em bloquear alguns perfis no X que divulgariam desinformação. No sábado, 6, Musk afirmou que não cumpriria as determinações e reativaria contas bloqueadas, desrespeitando ordens judiciais. Até o momento, não se sabe se o X teria cumprido essas “promessas”.
https://twitter.com/elonmusk/status/1776989005848207503
“Resumindo, X publicará tudo o que é exigido por @Alexandre e como essas solicitações violam a legislação brasileira. Este juiz traiu descaradamente e repetidamente a constituição e o povo do Brasil. Ele deveria renunciar ou sofrer impeachment. Vergonha @Alexandre, vergonha”.
Moraes reagiu à fala de Musk: estabeleceu uma multa diária de R$ 100 mil à plataforma para cada perfil que X reativasse; abriu investigação contra a rede social; e incluiu o empresário no inquérito das milícias digitais e determinou que seja investigado pelos crimes de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime.
Repercussão
O embate repercutiu para todos os lados. O deputado federal Orlando de Moraes (PCdoB-SP) e autor do PL 2630 sobre as fake news escreveu no X repercutindo uma frase de Guilherme Boulos (Psol-SP): “é isso aí, meu irmão! O faroeste digital não pode continuar. O que é crime na vida real é crime também na Internet. Regulação Já! PL 2630 sim!”.
Nesta segunda, continuou pedindo que o PL voltasse à mesa de discussão: “É impossível continuarmos no estado de coisas atual. As Big Techs se arrogam poderes imperiais. Descumprir ordem judicial, como ameaça Musk, é ferir a soberania do Brasil. Isso não será tolerado! A regulação torna-se imperativa ao Parlamento. PL 2630 SIM!”
Em nota, o presidente do STF, ministro Alexandre Barroso, defendeu a atuação de Moraes: “O Supremo Tribunal Federal atuou e continuará a atuar na proteção das instituições, sendo certo que toda e qualquer empresa que opere no Brasil está sujeita à Constituição Federal, às leis e às decisões das autoridades brasileiras”, escreveu.
“Decisões judiciais podem ser objeto de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado. Essa é uma regra mundial do Estado de Direito e que faremos prevalecer no Brasil”, finalizou Barroso.
Em vídeo postado no X, o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) fala que, com informação de bastidores, a Anatel está preparada para “derrubar” o X no Brasil “De fato, está tudo pronto para cair o X no Brasil”.
Especialistas
Flávia Lefèvre, advogada e especialista em direito do consumidor, pede cautela para o STF não bloquear o X. “Seria muito temerário o ministro (Moraes) mandar bloquear o Twitter no Brasil porque só vai alimentar o discurso da direita dizendo que estamos vivendo em uma ditadura, violando a liberdade de expressão”, explica em entrevista a Mobile Time. “Temos que ter cuidado para não elevar a temperatura, mas temos que nos basear em provas concretas de que ele está descumprindo ordem judicial. Até o momento, que eu saiba, não há provas”, completa.
A advogada acredita que o embate entre as duas partes reacende a discussão do PL das fake news no País e ele pode voltar à Câmara dos Deputados para ser votado. “O governo agora vai se empenhar em fazer mais negociações no Congresso para tentar aprovar a lei.”
Lefèvre, no entanto, reforça que a legislação brasileira já possui instrumentos legais para reprimir práticas ilegais nas plataformas digitais, como desinformação, discursos de ódio, entre outras, não somente com o Marco Civil da Internet, como também o Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor. “De qualquer maneira, é importante se pudermos aprofundar, dar um passo a mais, com uma lei mais detalhada”. Mas, atualmente, muitas práticas não foram investigadas a fundo e não tiveram consequências, como o caso Cambridge Analytics ou as campanhas antivacinas durante a pandemia. “Nada aconteceu, absolutamente nada”, afirma.
O embate entre a justiça e as plataformas digitais não será solucionado sem que haja um acordo entre as partes. É o que acredita Patrícia Peck, advogada especialista em direito digital e sócia do escritório Peck Advogados. “Apenas com a colaboração das big techs será possível desenvolver uma sociedade digital, do futuro e que seja ética, segura e sustentável. Os embates precisam alcançar uma solução. É preciso pensar no bem da sociedade e da comunidade e não somente no individual”, diz.
Em conversa com este noticiário, Peck avalia a regulamentação como algo fundamental nos dias atuais, em que há uma grande concentração de mercado. Quando existem desequilíbrios de concorrência que colocam em risco o consumidor final e da própria livre concorrência, se faz necessária uma regulamentação. “Pode ser que essa regulamentação seja o PL 2630 ou um outro que possa trazer uma participação responsável das big techs e empresas de tecnologia. Todos os setores produtivos têm sua responsabilidade no processo industrial. Foi assim na época da eletricidade, do petróleo. E estamos vivenciando a corrida da Internet, da robótica e bate na porta algum nível de padrões mínimos a serem seguidos por todos”, resume.
O PL
O PL 2.630/2020 começou a ser discutido em 2023, mas arrefeceu depois de uma intensa campanha por parte das big techs. No fim de junho do ano passado, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que a atuação das big techs no parlamento brasileiro foi o elemento chave que impediu a votação do texto. Segundo Lira, empresas como Google e Meta usaram suas capacidades para disseminar desinformação sobre o texto.
Depois de muitas incertezas, no dia 2 de maio, a votação do texto foi adiada para a análise de 90 pedidos de emendas. Neste dia, Lira não determinou nova data para sua apreciação e PL começou a ficar no esquecimento.
Após a retirada do texto do plenário da Câmara dos Deputados, iniciou-se um novo processo de negociação da matéria, dessa vez com dois artigos polêmicos de fora: aqueles referentes à remuneração de direitos autorais da classe artística e cultural. O Projeto de Lei 2370/2019, de autoria da deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ), foi resgatado e modificado profundamente para poder adaptar o texto para abranger o direito autoral nas plataformas digitais. A parte de remuneração de conteúdo jornalístico permanece, por enquanto, no PL das fake news.