O secretário executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Hartmut Glaser, afirmou que o documento final da Netmundial+10 tem como intuito definir diretrizes para o desenvolvimento de regras de governança da Internet de forma multissetorial e democrática. Em conversa com Mobile Time para falar sobre o relatório final do evento na manhã desta quinta-feira, 2, o representante do CGI.br afirmou que não foi preciso alterar os princípios da Internet apresentados na edição de 2014.

“Nós não quisemos discutir os princípios (de governança da Internet) novamente porque eles ainda são válidos, apesar de não cobrirem tudo, até porque há progressos e mudanças”, disse Glaser. “Portanto, não precisa mudar o princípio de neutralidade de rede universal e inimputabilidade. Mudou a ferramenta, mas não o princípio em si”, completou.

O documento final do evento, que foi batizado como ‘Declaração Multissetorial do Netmundial+10: Fortalecendo a governança da Internet e os processos de políticas digitais’, traz 13 diretrizes para o desenvolvimento da Internet com base nos princípios de 2014, mas com as devidas alterações para as tecnologias de 2024. Glaser explicou que não há um tema específico mais importante, mas um conjunto de regras para a construção da Internet multissetorial “de baixo para cima” nos países e com foco na construção de consenso, com conselhos independentes, multidisciplinares, além de regras de responsabilidade e mecanismos de resolução de conflitos.

O documento completo (em inglês) pode ser visto aqui.

Netmundial+10: o Brasil, como exemplo

Glaser reforçou que o Brasil é exemplo global quando se fala de Internet multissetorial, uma vez que o País adotou esse modelo ainda em 2003 via decreto presidencial e que essa medida foi reforçada com governanças, a partir do Marco Civil da Internet, em 2014. Mas afirmou que a construção para regras de Internet aberta, neutra e democrática leva tempo, uma vez que o próprio Marco Civil demorou sete anos para ser elaborado.

Contudo, o secretário executivo diz que ainda há desafios para o Brasil, como a necessidade de conectividade significativa. Glaser afirma que, embora 85% dos brasileiros tenham acesso à Internet, apenas um terço tem conectividade significativa. Isso passa por uma regulação das plataformas digitais, algo que o ministro Silvio Almeida enfatizou em seu discurso no último dia da Netmundial+10 na terça-feira, 30.

“Dez anos se passaram. Foram muito bons, mas não avançamos muito na parte de inclusão significativa, com conteúdo, uso igual e acesso universal. Não adianta dizer que a Internet é universal, se não há ajuda em transformar essa ferramenta e liberar acesso para todos”, completou Glaser.

Regulação

O representante do CGI.br afirmou que o conceito de multissetorialismo é plural e não pode ser concentrado “em um regulador ou ministério”. Mais especificamente, Glaser estava falando do debate que a Anatel tem se engajado para se tornar o regulador das big techs no Brasil.

“O Brasil felizmente nunca tentou fazer isso (regular a Internet com um único player). Mas sei de países em que a iniciativa multissetorial foi morta praticamente no nascedouro, porque a reguladora daquele país achava que tudo relacionado à comunicação era deles. A infraestrutura até pode ser, mas o conteúdo depende”, disse.

“No caso do Brasil, a Internet é transversal em 20 ministérios, então, não pode ficar nem na Anatel e nem em um só ministério. Nós precisamos costurar as cooperações horizontais para aumentar realmente a última milha e chegar (com a conectividade significativa) em toda fronteira brasileira, do Oiapoque ao Chuí”, concluiu.

Papel

Sobre o papel da Netmundial+10 e se pretendem seguir como um dos grandes eventos globais de iniciativa de governança da Internet, Glaser afirmou que foram questionados pelos participantes para fazer edições ‘Netmundial+15’ ou ‘Netmundial+20’, mas afirmou que não é o intuito. Glaser recordou que a Netmundial em 2014 foi um evento único  por três pontos:

  1. A mudança de controle da Icann dos EUA para um controle multissetorial global;
  2. O caso Edward Snowden que evidenciou espionagem dos EUA contra governos, como Brasil e Alemanha;
  3.  E a assinatura do Marco Civil da Internet pela então presidente Dilma Rousseff.

Lembrou ainda que outras duas tentativas em paralelo não deram certo: o Netmundial+5, feito apenas por europeus, e o Netmundial Initiative, feito com o Icann para a indústria de tecnologia. Portanto, a atual edição foi para ajudar em futuras discussões.

Para o secretário executivo, há outros fóruns perenes que podem servir de palco para discussões como o IGF, WSIS, GDC e W3C, que precisam ser mais fortes em recomendação e representativa, como o caso do IGF, que termina seu mandato de dez anos em 2025 e precisa ser renovado pela ONU.

Imagem principal: Secretário executivo do CGI.br, Hartmut Glaser (crédito: Ricardo Matsukawa/Netmundial+10)

 

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