Imagine que alguém invente uma mentira braba com potencial de manchar a imagem de uma pessoa e deixar muita gente com raiva dela. O autor da mentira conta a estória para um fofoqueiro. Este, por sua vez, espalha a mentira para várias pessoas. Mas não qualquer pessoa… Ele escolhe a dedo justamente aquelas com maior potencial de se indignar com a tal estória. A mentira se espalha rapidamente, no boca a boca, e a pessoa caluniada sofre com a repercussão. De quem é a culpa pelos danos causados à sua imagem? O autor da mentira, o fofoqueiro ou os dois?

Eu diria que os dois, certo? Mas e se o fofoqueiro alegar que não sabia que era mentira? Se disser que acreditou que a estória era verdade e espalhou para quem poderia se interessar? Ele tem alguma responsabilidade neste caso?

As redes sociais hoje são o fofoqueiro. Elas não são meros espaços abertos para a liberdade de expressão digital (salvo o cumprimento de seus termos de serviços ou alguma ordem judicial que diga o contrário). Elas pró-ativamente ajudam a espalhar o conteúdo publicado, com a ajuda de seus algoritmos, afinados cuidadosamente para estimular o engajamento do público, fazendo com que as pessoas passem mais tempo online, independentemente da qualidade desse conteúdo… ou da sua veracidade. Isso sem falar nos mecanismos pagos de impulsionamento.

Ao espalhar uma publicação falsa, ainda que alegue não saber disso, as redes sociais são responsáveis ou não por suas consequências?

O artigo 19 do Marco Civil da Internet, lei sancionada em 2014, diz o seguinte: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

Aqui, acho importante separar a Internet, enquanto espaço livre e aberto de expressão, de aplicações de Internet que seletivamente destacam determinados conteúdos. Concordo que a Internet deve continuar livre, sem censura prévia. Um provedor não pode ser responsabilizado pelo conteúdo de um site que hospeda, a não ser que descumpra decisão judicial de removê-lo, como diz o artigo 19. Mas uma rede social cujo algoritmo ajuda a espalhar mais rapidamente conteúdo mentiroso ou de ódio, sim.

Não é justa a comparação com veículos de mídia tradicionais. Estes escolhem conscientemente o conteúdo, que, em tese, deveria ter passado por algum crivo editorial, ou alguma checagem de fatos, no caso do jornalismo. As redes sociais lavam suas mãos com o argumento de que não são as criadoras do conteúdo. Mas são as criadoras do algoritmo que escolhe qual conteúdo destacar e para quem destacar. Algoritmo este que, sabemos bem, gosta de ver o circo pegando fogo porque esse tipo de conteúdo gera mais engajamento.

As redes sociais são hoje ferramentas de comunicação em massa. É verdade que não funcionam em um esquema de “brodcast”, como rádios e TVs abertas, mas numa rede, em que seu algoritmo e os próprios usuários são agentes ativos da distribuição de conteúdo. O fato é que o seu alcance é tão grande ou maior que os antigos meios de comunicação em massa.

Nesse contexto, me parece que a regulação das grandes plataformas digitais é necessária e urgente. As redes sociais são veículos de comunicação extremamente poderosos. Como tais, podem servir para inúmeras atividades em benefício da sociedade, mas também podem ser corrompidas (ou se deixar corromper) e serem utilizadas de forma a causar danos irreversíveis a pessoas, instituições ou até mesmo à democracia.

Obviamente, qualquer regulamentação precisa ser feita com cuidado, para evitar um controle exagerado que nos leve para outro problema, o de falta de liberdade de expressão. Eu começaria por algum controle sobre o mecanismo de recomendação dos algoritmos, reduzindo seu peso na distribuição de conteúdos em favor da viralização natural dos mesmos.

Enfim, não se trata aqui de culpar o mensageiro. Mas o fofoqueiro imprudente.

Ilustração: Nik Neves

 

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