Ilustração: Nik Neves

O que é melhor para uma grande empresa e seus clientes: concentrar os serviços em um único app ou segmentar em vários? Esse é um dilema enfrentado por companhias com base diversificada de consumidores e portfólio extenso de produtos.

Não há resposta fácil. E mesmo quem já tinha escolhido um caminho pode precisar repensá-lo. Foi o caso do Itaú, que anunciou no começo deste mês a reformulação da sua estratégia mobile, levando para dentro do seu aplicativo principal vários dos seus apps que até então existiam separadamente (Credicard, Credicard On, Iti, Hipercard e Cartões de Crédito). O banco foi precedido pela Vivo, que fez o mesmo movimento mais cedo este ano. E a Claro está se preparando para juntar os apps Minha Claro Móvel e Minha Claro Residencial em um só.

Estaria havendo então uma tendência do mercado em direção à concentração de apps? Mobile Time conversou com várias empresas e com especialistas do mercado para entender mais a fundo o atual cenário e as vantagens e desvantagens de cada estratégia.

As razões para a segmentação

Há quem enxergue uma razão cultural por trás da adoção de uma estratégia ou de outra. No Oriente, o público teria uma predileção por plataformas unificadas, o que explicaria a ocorrência de tantos superapps de sucesso na região, como o chinês WeChat, o sul-coreano Kakao e o japonês Line. Do outro lado do mundo, no Ocidente, haveria uma preferência dos consumidores pela segmentação. Um sinal disso seria a escolha da Meta de operar com três apps separados (Facebook, Instagram e WhatsApp), argumenta André Araújo, head de inovação da Mesa, uma consultoria e desenvolvedora de aplicativos móveis.

A segmentação também pode ser herança de uma antiga estrutura de negócios. É o caso da Claro, cuja marca é resultado da consolidação de várias outras empresas. Até alguns anos atrás, sua operação de banda larga fixa, telefonia fixa e TV por assinatura levava a marca da NET e tinha o seu próprio app de atendimento. A Claro herdou esse app, trocou seu nome para Minha Claro Residencial e agora prepara a sua incorporação ao app da operação móvel.

Mas há também motivos técnicos e econômicos para se optar pela segmentação. Esta pode ser orientada por produto ou por perfil de cliente. A principal vantagem é a simplificação da jornada do usuário. A partir do momento em que o app tem um foco delimitado, abrangendo menos produtos e/ou mirando em um recorte do público, a interface tende a ser mais objetiva e fácil de usar.

Além disso, a segmentação dos apps simplifica o onboarding e melhora o desempenho de campanhas de aquisição de novos usuários porque facilita a sua comunicação, argumenta Leandro Scalise, CEO e fundador da RankMyApp.

Outra vantagem: com mais apps dentro das lojas, uma marca tem a oportunidade de dominar mais palavras-chave, melhorando o seu posicionamento nas buscas e aumentando o número de instalações orgânicas.

A segmentação também permite a construção de aplicativos menores, o que é apreciado pelos consumidores que têm pouca memória em seus smartphones. A recomendação da RankMyApp é de que cada aplicativo tenha em torno de 20 MB. Aqueles mais pesados correm o risco de serem desinstalados se não forem utilizados com frequência pelo consumidor.

Concentração como efeito pós-pandemia

Durante a pandemia, pressionadas pela necessidade de digitalizar o mais rápido possível as suas bases de clientes, empresas de vários setores reforçaram seus apps ou investiram na criação de novos, dentro da estratégia de segmentação. Um dos exemplos mais emblemáticos foi o Caixa TEM, da Caixa Econômica Federal, voltado para o pagamento do auxílio emergencial a pessoas de baixa renda.

Passada a pandemia e o frenesi de digitalização da economia, as marcas agora estão analisando com mais cuidado as suas propriedades digitais. A orientação estaria mudando de direção: em vez de aumentar a base de clientes, o objetivo passa a ser melhorar a retenção dos usuários atuais. E, para esse propósito, a estratégia de unificação de apps traz melhores resultados, porque a maior quantidade de produtos e serviços tende a aumentar a frequência com que a pessoa utiliza o aplicativo.

No Brasil, muitas marcas estão chamando esses aplicativos que concentram vários produtos e serviços de “superapps”, termo que divide opiniões, porque foi cunhado originalmente para se referir aos aplicativos do Oriente que atuam quase como sistemas operacionais, a exemplo do WeChat.

Há várias vantagens em se adotar uma estratégia de concentração de produtos e serviços em um único app. Seu custo, teoricamente, é menor. Manter, evoluir e distribuir um único app é mais barato do que fazer o mesmo com vários.

Ter um único app significa ter um único código-fonte por sistema operacional (Android, iOS). O fato de abranger mais funcionalidades, aumenta a sua complexidade, o que torna recomendável trabalhar com uma arquitetura de microsserviços, para facilitar a sua atualização.

Mas outros desafios aparecem. Um deles é o tamanho desses aplicativos. Com mais funcionalidades, eles ficam maiores, ocupando mais memória do aparelho, o que aumenta o risco de serem desinstalados. No Brasil, 50% dos usuários de smartphone removeram um app nos últimos 12 meses para liberar memória e 42% já deixaram de instalar algum por falta de espaço no aparelho, informa pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box encomendada pela DialMyApp.

Outro problema de trabalhar com um único app é que a sua complexidade aumenta o risco de ele sofrer ‘crashes’  ou os chamados ANRs (“App não está respondendo”).

“Não adianta ter um superapp se não for pequeno e se não funcionar bem, com poucos crashes e ANRs”, alerta Scalise, da RankMyApp.

Especialistas concordam que é possível construir um ‘superapp’ leve e que dê poucos problemas, mas isso requer uma equipe de desenvolvedores madura e de alta qualidade, além de uma manutenção e evolução constante do código-fonte.

“Código é que nem casa: você precisa reformar o tempo inteiro. O código envelhece. É necessário acompanhar a sua performance permanentemente”, recomenda Araújo, da Mesa.

UX é o maior desafio

Talvez o maior desafio para quem decide trabalhar com um único app que abranja uma vasta variedade de produtos e serviços e atenda a um público variado é garantir uma interface com boa usabilidade. Pensando em um banco ou uma operadora com dezenas de diferentes produtos e funcionalidades: como organizá-los de uma maneira atraente e fácil de entender na diminuta tela de um smartphone? A solução está na personalização, concordam todas as fontes ouvidas por Mobile Time.

“Primeiramente, a empresa precisa decidir entre ter ou não ter um app. Se for ter, o melhor é que seja um único app e que ofereça uma experiência hiperpersonalizada, que consiga atender a diferentes tipos de cliente e a diferentes momentos do cliente. Um aplicativo hiperpersonalizado e hiperinteligente seria o cenário ideal”, comenta Flávia Pollo Nassif, CEO da DialMyApp Brasil.

Há várias formas de tratar essa personalização. Um primeiro passo é dividir o público por grupos, de acordo com diferentes perfis, e adaptar o layout para cada um deles. Essa é a estratégia do Banco do Brasil. O seu aplicativo principal pode ser acessado tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas, mas o layout e as funcionalidades que aparecem são diferentes para cada um. O banco faz o mesmo para a sua conta voltada para menores de idade: o acesso acontece pelo app principal, mas a interface muda completamente. Em breve, o Banco do Brasil lançará uma outra customização focada no público jovem, com idades entre 18 a 25 anos. E pretende fazer também uma para pessoas com deficiência. Na prática, é como se o app “trocasse de roupa” dependendo do perfil do cliente.

Com mais de 100 produtos em seu app, o banco Inter também aposta na personalização para garantir uma boa experiência do usuário. Com uso de inteligência artificial para analisar os dados do cliente, o Inter consegue disponibilizar uma interface dinâmica no seu app, variando para cada correntista.

“De dois anos para cá começamos a investir bastante energia em personalização. A nossa home é altamente personalizada. Os três botões que aparecem abaixo do saldo são diferentes para cada pessoa, dependendo do momento em que ela estiver. Se estiver com saldo zerado, botamos um botão para trazer dinheiro. Se estiver negativo, oferecemos condições para pagar a dívida”, explica Tiago Machado, diretor de produtos digitais do Inter.

É parecido com o que a Vivo faz em seu novo app. No alto da página principal, é exposta uma mensagem voltada para a jornada do cliente naquele momento. Se o assinante aguarda uma visita técnica, aparece o status desse pedido. Se a fatura está para vencer, é exibido um lembrete. Se for um pré-pago cujo pacote de dados está perto de acabar, é feita uma oferta de recarga.

O Itaú segue o mesmo caminho de interface dinâmica no seu app principal, que vai incorporar vários outros até o final do ano. “A plataforma que estamos implementando será cada vez mais hiperpersonalizada, com inteligência artificial, predição e um olhar apurado para a gestão financeira. O objetivo final é estar totalmente conectado às necessidades e demandas financeiras dos clientes, tornando-se um consultor financeiro”, diz Estevão Lazanha, diretor de canais digitais e beyond banking do Itaú Unibanco.

Estratégia híbrida: nem oito nem oitenta

Na verdade, as empresas não precisam decidir entre unificar ou segmentar completamente sua presença móvel. É possível adotar uma estratégia híbrida, combinando os dois caminhos. É o que faz o Banco do Brasil. Ele mantém, ao mesmo tempo, um ‘superapp’ com todos os serviços e produtos da companhia, e apps separados dedicados a alguns conjuntos de serviços, para quem quiser ter uma experiência mais aprofundada neles, como o Ourocard-e, para gestão de cartões, e o BB Investimentos, para investidores.

“Tecnologicamente seria muito simples encerrar operação e concentrar tudo no superapp, mas quem dita é o cliente. E temos uma quantidade significativa de clientes que usam esses outros apps”, justifica Rafael Siqueira, executivo de canais digitais do Banco do Brasil.

A estratégia da Claro também pode ser classificada como híbrida. A operadora planeja incorporar o app de serviços residenciais dentro do Minha Claro Móvel, que deve mudar de nome, provavelmente para Minha Claro. Mas vai manter vários dos seus outros apps, que estão segmentados por produto, como Claro Pay, Claro Musica e Claro TV+. E o Minha Claro servirá como uma vitrine para esses outros aplicativos, integrando-se a eles com deep links.

“Não queremos pegar todos os apps e transformar num só, porque seria muito complexo. Quero que o Minha Claro seja uma plataforma multisserviço através da qual o cliente possa experimentar, conhecer e utilizar essas nossas outras propriedades digitais”, explica Albervan Luz, diretor de tecnologia e transformação da Claro.

Mesmo o Itaú, que está realizando um grande processo de concentração de apps, decidiu manter pelo menos dois deles existindo separadamente: o Itaú Empresas, para pessoas jurídicas, e o íon Itaú, para investidores.

Ou seja, há vantagens, desvantagens e desafios distintos entre as duas estratégias, mas elas podem ser combinadas de acordo com os objetivos e a realidade de cada empresa. Portanto, não se trata de uma questão de ser ou não ser: unificar ou segmentar são caminhos que podem existir juntos.

10º Super Bots Experience e Fórum de Autoatendimento Digital

O 10º Super Bots Experience e Fórum de Autoatendimento Digital terá um painel sobre “A jornada de autoatendimento digital do brasileiro: apps, bots, sites e menus digitais”, no qual serão debatidas as diferentes estratégias de uso de canais digitais por grandes marcas. Estão confirmados nesse painel:

Albervan Luz, diretor de tecnologia e transformação, Claro

Ernane Drumond, superintendente de CX, Inter

Fábio Marques, vice-presidente de clientes e operação, Sem Parar

Flávia Pollo Nassif, CEO, DialMyApp

Rômulo Machado, gerente sênior de contact center, Latam

O evento acontecerá nos dias 7 e 8 de agosto, no WTC, em São Paulo, com organização do Mobile Time. A agenda atualizada e mais informações estão disponíveis em www.botsexperience.com.br

 

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