A inteligência artificial (IA) está deixando de ser uma ferramenta puramente técnica e se transformando em um elemento estratégico, que entrega valor enquanto atravessa todas as funções empresariais. A transversalidade da IA significa que suas aplicações não estão restritas a um único departamento ou função, mas sim perpassam todas as áreas da organização — desde a otimização de operações internas até a melhoria da experiência do cliente. No entanto, o maior desafio que as empresas enfrentam ao tentar tirar proveito desse potencial é estrutural. Organizações que mantêm estruturas funcionais tradicionais encontram dificuldade em integrar a IA de forma estratégica e, consequentemente, limitam sua capacidade de inovação e competitividade.

Desta forma, repensar as estruturas organizacionais torna-se um ponto relevante para que as empresas capitalizem as oportunidades trazidas pela IA. Embora tais transformações envolvam obstáculos complexos – como resistência à mudança, barreiras hierárquicas e entraves legais – as empresas que negligenciam essa adaptação podem ver suas iniciativas de IA sendo engolidas por ineficiências e falta de alinhamento estratégico decorrente do isolamento do assunto em estruturas fechadas. A transversalidade da IA requer um esforço colaborativo entre várias áreas, como TI, operações, marketing, e recursos humanos, para garantir que os benefícios da tecnologia sejam amplamente distribuídos e maximizados.

Transformação estrutural e a urgência da transversalidade

Uma das razões principais para que as empresas repensem suas estruturas é que a IA não se comporta como uma tecnologia tradicional, que pode ser, mediante algum esforço, “confinada” a um único departamento, como foi, originalmente, o tratamento dado à TI. A IA toca todas as esferas da empresa, desde o BackOffice até a tomada de decisões estratégicas no nível mais alto. Para maximizar o valor da IA, o tema deve ser realmente tratado como a força transversal que representa, capaz de transformar processos, gerar insights em tempo real e automatizar atividades em múltiplas áreas simultaneamente. Essa força da IA é mais um elemento dentro da revolução digital que estamos vivenciando e, em termos de negócios, empresas que não conseguirem adaptar suas estruturas para permitir essa transversalidade correm o risco de perder agilidade e relevância no mercado.

A transversalidade da IA também exige que as empresas façam escolhas difíceis sobre governança, alocação de recursos e desenvolvimento de competências. Departamentos tradicionalmente isolados e organizados em silos (que já deveriam ter sido desfeitos há décadas) precisam ser capazes de trabalhar juntos de maneira mais coesa, enquanto os líderes empresariais precisam ter uma visão clara de como a IA pode ser aplicada de maneira integrada. Isso requer uma transformação profunda nas estruturas existentes, movendo-se para modelos mais ágeis, como estruturas matriciais ou em rede, que facilitam a colaboração entre diferentes áreas e a rápida adaptação às mudanças do mercado. Esse passo, em si, vem sendo desafiador às empresas ao longo das últimas décadas, pois representa mudar a forma como as empresas se organizam, como distribuem o poder, como pensam a hierarquia e como dividem o trabalho.

Desafios da implementação tradicional

A resistência à mudança é uma realidade em muitas organizações, especialmente nas mais tradicionais, onde estruturas funcionais rígidas têm prevalecido por décadas. A IA, ao ser alocada exclusivamente no departamento de TI, por exemplo, o que vem sendo um caminho comum em muitas empresas, limita sua abrangência e potencial. Enquanto a TI oferece expertise técnica e infraestrutura, ela não possui, por si só, a visão estratégica necessária para explorar o impacto total da IA em outras áreas, como operações, marketing, recursos humanos e compliance.

Essa limitação pode resultar em iniciativas de IA que fiquem confinadas a projetos pontuais, com pouco ou nenhum impacto transformacional na organização. Além disso, a falta de interação entre a TI e as áreas de negócio resulta em oportunidades perdidas para a criação de casos de uso que poderiam otimizar processos e gerar novas fontes de receita. Portanto, a reestruturação organizacional não é apenas uma questão de eficiência interna, mas sim uma estratégia crítica para liberar o verdadeiro potencial da IA. Não à toa, algumas organizações já subdividem a IA técnica (na TI) e a IA estratégica, geralmente encabeçada por algum executivo de negócios. Esse é um dos caminhos que vem sendo desenvolvidos no sentido de superar os entraves criados pelas estruturas organizacionais ao crescimento e desenvolvimento da IA.

Novos modelos organizacionais e governança de IA

Algumas empresas mais inovadoras já estão enfrentando esses desafios por meio de estruturas organizacionais mais flexíveis, como centros de excelência em IA e times dedicados à inovação tecnológica. Esses modelos permitem que a IA seja desenvolvida e gerenciada de maneira integrada com as áreas de negócios, maximizando sua transversalidade e impacto. O surgimento de novos papéis, como o Chief AI Officer (CAIO), reflete o crescente reconhecimento de que a IA precisa de uma governança dedicada e uma liderança sênior que possa navegar pelas complexidades de sua implementação em larga escala.

Além disso, essas estruturas mais dinâmicas facilitam a adoção de modelos de governança mais adaptáveis, que podem rapidamente identificar, avaliar e escalar os melhores casos de uso de IA. Empresas que adotam uma abordagem ágil e colaborativa estão posicionadas para capturar valor rapidamente e manter-se competitivas em um cenário de negócios que é cada vez mais definido pela capacidade de inovar e adaptar-se.

Estrutura organizacional para a era da IA

A verdadeira integração da IA exige uma mudança de paradigma nas estruturas organizacionais. Modelos tradicionais estão se mostrando insuficientes para lidar com a complexidade e o impacto transversal da IA. Empresas como Google e Amazon já demonstraram como a criação de centros de excelência e times dedicados pode acelerar a implementação de IA, permitindo que suas soluções sejam disseminadas por todas as áreas, desde o desenvolvimento de produtos até a otimização das operações. O Google, por exemplo, investiu em equipes altamente especializadas que não apenas desenvolvem novas tecnologias, mas também promovem a integração da IA com áreas de negócios, assegurando que suas soluções não fiquem restritas a um silo técnico. Essas empresas, ao criar novas estruturas para comportar a IA, comprovam o quanto essa transversalidade é essencial para capturar o valor total da tecnologia.

Além disso, vemos movimentos de empresas mais tradicionais, como o Walmart e o Banco Santander, que estão alterando suas estruturas organizacionais para acomodar a IA. O Walmart optou por uma abordagem híbrida, mesclando sua área de TI com times de inovação para agilizar a análise de dados e melhorar a eficiência operacional em seus centros logísticos. Já o Banco Santander desenvolveu uma unidade focada em IA, responsável por identificar e escalar casos de uso em diversas operações, como análise de crédito e atendimento ao cliente. Esses exemplos mostram como a IA pode ser um motor de transformação em empresas de diferentes setores, desde o varejo até o setor financeiro.

As oportunidades futuras são diversas e envolvem um pouco de como queremos construir o futuro da IA. Organizações que estruturarem suas equipes e processos para a IA estarão em posição de liderar a próxima geração de inovação, uma vez que essa transformação estrutural deve possibilitar que a IA permeie todas as áreas, proporcionando que as empresas se tornem mais ágeis e competitivas. Ao mesmo tempo, essa mudança estrutural precisa estar acompanhada de um modelo de governança robusto, que assegure o alinhamento entre as oportunidades tecnológicas e os desafios éticos, regulatórios e de conformidade. Aquelas que conseguirem equilibrar a velocidade da inovação com uma governança sólida estarão na vanguarda, criando novas fontes de receita e elevando a qualidade da experiência do cliente.

Por fim, as barreiras culturais e políticas internas, além de dificuldades legais e trabalhistas são uma realidade quando o tema é a estrutura organizacional. No entanto, os exemplos de sucesso mostram que essas barreiras podem ser superadas com liderança e um foco estratégico claro. A criação de estruturas dedicadas, como as unidades de IA ou centros de excelência – quando acompanhada por uma mentalidade colaborativa que facilite a comunicação entre as áreas de negócios e as equipes técnicas – tende a proporcionar uma vantagem inquestionável no futuro. Tais estruturas serão potencialmente capazes de responder de maneira mais rápida às mudanças de mercado, além de ocupar posição de destaque para antecipar tendências, gerar valor contínuo e se adaptar às demandas crescentes por personalização e eficiência derivadas da popularização da IA. A transformação estrutural não é apenas um meio de “fazer caber” a IA, mas uma estratégia fundamental para garantir o crescimento sustentável e a competitividade a longo prazo.

 

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