Começou nesta quarta-feira, 27, o julgamento no STF sobre o conjunto de ações que discutem a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI). Os ministros julgam recursos que tratam da responsabilidade das plataformas digitais a respeito dos conteúdos publicados por seus usuários, mas também vão analisar se a remoção das postagens deve ser realizada por meio de decisão judicial ou pela própria empresa. Os recursos de Facebook e Google defendem a constitucionalidade do artigo 19 do MCI. Enquanto as outras partes pedem mudanças.
Os defensores da constitucionalidade do artigo 19, Facebook e Google, argumentam que as redes não poderiam ser acusadas de omissão quando não há notificação judicial. Vale lembrar que o artigo em questão ressalta que as plataformas só podem remover conteúdo caso haja ordem judicial e, portanto, não podem ser acusadas de omissão quando não há a ordem.
Defesa do Facebook
O Facebook defende que o dispositivo preserva a liberdade de expressão e a proibição da censura. No entanto, caso o STF decida por alteração no MCI, que o STF se limite à mecânica do artigo 21, do mesmo Marco Civil da Internet.
Vale dizer: o artigo 21 trata da responsabilidade dos provedores de aplicações em casos de violação de intimidade, especialmente envolvendo a divulgação não autorizada de conteúdos íntimos, como imagens, vídeos ou materiais que mostrem nudez ou atos sexuais de caráter privado.
A empresa sugere que a responsabilização das redes sociais deveria levar em consideração as seguintes hipóteses: exploração sexual infantil, terrorismo, racismo, abolição violenta ao estado de direito, golpe de estado. “E por que não mais do que isto?”, questionou José Rollemberg Leite Neto, advogado representante do Facebook. “Porque conceitos abertos como fake news, desinformação, crimes contra a honra ou postagens manifestamente ilegais incentivariam remoções excessivas e levariam, aí, sim, à judicialização massiva para assegurar a publicação de conteúdos com tais características”, explicou durante sua fala no julgamento.
Defesa do Google
O Google do Brasil acredita na compatibilidade do MCI com a Constituição brasileira, mas entende que ele poderia ser aperfeiçoado. A empresa afirmou que o artigo 19 não impede que conteúdos nocivos sejam removidos sem prévia decisão judicial. Muito pelo contrário. Segundo seu advogado, Eduardo Bastos Furtado de Mendonça, essa “é a imensa maioria dos casos.” Dados apresentados por ele mostram que, em 2023, o YouTube removeu cerca de 1,7 milhão de conteúdos por violação de suas políticas “que incorporam e refletem vedações da legislação”. E, por sua vez, computou que chegaram à plataforma 614 ordens judiciais e que “não necessariamente essas ordens redundaram em remoções”, contou.
Com esses argumentos, Mendonça defendeu que não existe inércia por parte do modelo de negócios das plataformas em remover conteúdos de usuários, já que a “imensa maioria dos usuários e a generalidade dos anunciantes não têm interesse e repudiam esse tipo de conteúdo”. No entanto, é possível haver erros. Porém, os conteúdos que chegam ao judiciário são controversos e demandam ponderação judicial. “E não seria sequer positivo criar incentivos para que esse tipo de conteúdo caia sem a necessidade de exame judicial”, afirmou. “É natural que essas controvérsias existam e que sejam submetidas ao judiciário”, complementou, alegando que esse mecanismo é uma segurança jurídica criada pelo estado.
O advogado do Google defende que, caso haja mudança no MCI que seja pela ampliação “cautelosa” das hipóteses em que se admite a notificação extrajudicial como marco de responsabilidade civil e que isso tenha “parâmetros que evitem a banalização da remoção, a insegurança jurídica e a indução de censura privada”. As notificações precisam apontar o conteúdo classificado como ilícito de forma específica e “não genericamente para evitar pescarias” e que sejam apontadas as razões da ilicitude. Ou seja, a notificação deve ser fundamentada e com remissão a dispositivos legais específicos.
A resposta de quem defende a mudança do artigo 19
No entanto, o advogado da Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital, Daniel Pires de Novaes Dias, afirmou durante seu tempo de fala como amigo da corte que a exigência da ordem judicial é desnecessária para a “promoção da liberdade de expressão” e que ela implica em um ônus “pesadíssimo” sobre a população em geral, em especial sobre as pessoas de menor escolaridade “que normalmente não têm acesso ao poder judiciário”.
“O colega recorrente pelo Google mencionou alguns dados de 2023 em relação ao YouTube dizendo que houve mais de 1 milhão de supressões contra 114 ordens judiciais. Isso para mim só revela apenas uma coisa: que é pesadíssimo, dificílimo ter de enfrentar o poder judiciário, contratar um advogado, pagar custas para ter ali obtida a sua tutela”, afirmou. “Não é possível pensar que em um universo de mais de 1 milhão de violações apenas 114 pessoas realmente se sentiram violadas”, concluiu.
Sobre o julgamento do STF
Depois de aguardar por anos que o Congresso decidisse sobre a responsabilidade das redes digitais sobre o conteúdo postado por usuários em suas plataformas, o STF iniciou nesta quarta-feira o julgamento de um conjunto de ações que terão repercussão geral. Isso significa que a decisão tomada vai criar um precedente judicial e os juízes de todo o Brasil deverão, obrigatoriamente, que aplicar o entendimento que o Supremo tomar ao fim deste processo. Com isso, a justiça criará uniformidade ao entendimento como essa matéria deverá ser tratada daqui em diante.
Nesta quarta, foram ouvidos Facebook e Google e os oito primeiros amigos da corte: Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital; Confederação Israelita do Brasil; Instituto Brasileiro de Direitos Civil; Instituto Alana; Instituto dos Advogados de São Paulo; Ministério Público de São Paulo; e o CGI.br/Nic.br. Amanhã, quinta-feira, 28, serão ouvidos outros 11 amigos da corte selecionados.