Publicada originalmente na Teletime | Considerada por ISPs reunidos na Abrint como a principal bandeira atual da entidade, a manutenção da faixa completa de 6 GHz para suporte do Wi-Fi é vista como um ponto inegociável. Para os provedores regionais, qualquer divisão do espectro com a indústria móvel serviria apenas para “reserva de mercado” em benefício das grandes teles.

O tema foi abordado durante o primeiro dia do evento Abrint Nordeste, iniciado na última quinta-feira, 5, em Fortaleza. “Apesar das pressões, mantemos nossa bandeira de manter toda a faixa de 6 GHz para o uso não licenciado”, afirmou o presidente da Abrint, Mauricélio Oliveira, durante a abertura do evento.

Em entrevista ao Teletime, o dirigente destacou que oficialmente uma mudança na decisão da Anatel não foi tomada e lamentou que a agência esteja “segurando” a homologação de novos dispositivos Wi-Fi que utilizam todo o 6 GHz (veja mais no decorrer da matéria). Segundo Oliveira, também há receio que a faixa seja dividida apenas para engordar o portfólio de espectro de grandes grupos.

“Já existe muita frequência para o IMT [sistemas móveis], enquanto o Wi-Fi há dez anos não tem upgrade de frequências”, apontou ele. No horizonte, a Abrint teme que, sem espectro adicional, os dispositivos de casa do cliente se tornem um gargalo para provedores, impedindo a entrega de velocidades possíveis a partir de redes mais modernas de fibra (como 1 Gbps ou 10 Gbps).

Outra entidade de provedores de pequeno porte presente no evento, a Associação Neo seguiu a mesma linha. “Por pressão de gigantes do mercado móvel, da China, da Finlândia e da Suécia, resolveu-se colocar em rediscussão algo que a Anatel já tinha tomado decisão em 2020”, lamentou o consultor da Neo, Aníbal Diniz.

“A gente não pode ser ‘Maria vai com as outras’. Temos que apostar no que somos mais fortes, que é a banda larga fixa, onde somos modelo para o mundo. As gigantes não vão utilizar esse espectro agora, então licitar para que? Elas já têm espectro de sobra, com reserva de mercado em outras faixas”, completou Diniz – defendendo que a Anatel deixe para o futuro qualquer nova decisão sobre o tema.

“Achamos que [a possível divisão] não se trata de um interesse na qualidade para o usuário, mas em um interesse das empresas em valorizar ativos com mais acesso a espectro”, corroborou a presidente da Dynamic Spectrum Alliance (DSA), Martha Suarez, também durante o encontro da Abrint.

Divisão

O debate sobre o 6 GHz durante o evento contou ainda com a participação do conselheiro da Anatel, Vicente Aquino. Ele evitou anunciar qualquer posicionamento sobre o tema, mas reconheceu que a ocupação do 6 GHz hoje “não é firme, com a faixa destinada mas não bem ocupada”.

Por outro lado, Aquino se colocou como um defensor das prestadoras de pequeno porte e da conectividade significativa no âmbito da agência reguladora de telecom. Mas o próprio conselheiro da Anatel colocou na mesa as opções que de alguma forma seriam possíveis para o uso futuro do espectro: a manutenção da utilização exclusiva do 6 GHz pelo Wi-Fi, a divisão com a telefonia móvel ou mesmo alguma espécie de modelagem híbrida.

A Abrint, contudo, entende que não existe desenho ideal além daquele que já está posto. Mauricélio Oliveira recorda que a engenharia do Wi-Fi 7 exige ao menos três canais de 320 MHz, e que mesmo uma divisão onde a cadeia de banda larga ficasse com 700 MHz (do total de 1.200 MHz) não suportaria tal necessidade.

“A Europa até pensa em deixar os 1.200 MHz indoor com Wi-Fi e dividir apenas o outdoor, mas a gente acha difícil porque a potência do IMT é muito grande e teria interferências. Seria uma solução menos ruim, mas difícil tecnicamente”, reconheceu o presidente da Abrint, apontando dificuldades para que estudos da opção saiam do papel no Brasil.

Indústria

Oliveira, da Abrint, reconheceu que os equipamentos Wi-Fi 6E não adquiriram a escala esperada há alguns anos, o que seria justificado pelos impactos da pandemia do início da década. Os provedores, contudo, já estariam pulando diretamente para o Wi-Fi 7.

No novo padrão, a avaliação é que os equipamentos estão “chegando” em ritmo satisfatório ao mercado, com produtos disponíveis de fornecedores como TP-Link, Ubiquity e Cisco. Há até mesmo os aparelhos de Wi-Fi 7 considerados “fake” pelos provedores, por não utilizarem a banda de 6 GHz, afirmou Oliveira.

O presidente também lamentou que a Anatel esteja “criando dificuldades na homologação” de novos produtos que usam a faixa completa. A agência deseja que todos os equipamentos que usam o espectro tenham configuração de firmware que permita operação apenas na metade inferior da faixa (entre 5.925 e 6.425 MHz).

“Ou seja, o mundo vai usar 1.200 MHz e Brasil vai ter limitação por software, mas quem garante que os usuários brasileiros vão seguir? Eles podem usar artifícios, baixar um outro software, buscar equipamentos em países como o Paraguai e esse uso pode gerar interferências. Uma coisa é fiscalizar empresas, outra é fiscalizar milhões de usuários”, ponderou Oliveira.

Impactos no planejamento da própria indústria também foram citados, inclusive por Aníbal Diniz, da Neo. Segundo ele, para fornecedores de equipamentos como a Cisco que já venderam “milhares de equipamentos ao mercado corporativo”, seria um “recado terrível” definir que agora os produtos só podem usar parte da faixa de 6 GHz.

Martha Suarez, da DSA, lamentou que haja um movimento de “tentar parar a indústria do Wi-Fi, que já está desenvolvida”, ao passo que ainda não haveria solução industrial para uso da faixa de 6 GHz pelos sistemas móveis como o 5G e 6G.

(O jornalista viajou para Fortaleza convidado pela Abrint)

 

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